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Artigo - “Ainda Estou Aqui” e a Resolução n. 601/2024 do CNJ: tempo de corrigir a história
Por Karin Regina Rick Rosa
O registro civil das pessoas
naturais está presente em uma das cenas mais importantes do premiado filme
“Ainda Estou Aqui”, quando Eunice Paiva recebe a certidão de óbito de seu
marido, Rubens Beyrodt Paiva, mais de vinte anos após o seu desaparecimento. Na
certidão não consta a causa da morte, apenas uma observação nas averbações, do
seu desaparecimento desde meados de 1971.
Agora, esse e muitos outros
assentos serão retificados, de ofício, tendo em vista a recente resolução do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em 13 de dezembro de 2024, que
dispõe sobre o dever de reconhecer e retificar os assentos de óbito de todos os
mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar, trazendo um avanço
significativo nas políticas de memória e reparação no Brasil.
A normativa estabelece que as
certidões de óbito das vítimas da ditadura militar (1964-1985) devem incluir a
informação de que a causa da morte foi “não natural, violenta, causada pelo
Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população
identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964.”
A medida, proposta pelo Ministério dos Direitos Humanos, visa corrigir
registros que historicamente omitiram a responsabilidade do Estado nas mortes,
como no caso de Rubens Paiva, configurando um passo importante para reconhecer
as violações de direitos humanos e promover a verdade histórica, conforme
recomendado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A informação nas certidões é um
ato simbólico, que tem por objetivo restaurar a dignidade das vítimas e suas
famílias, permitindo que os familiares tenham acesso à verdade sobre o passado
e que reescrevam suas narrativas de dor e injustiça. A resolução determina que
os cartórios realizem essas alterações independentemente de requerimento e gratuitamente,
facilitando o processo para as famílias afetadas.
O procedimento de retificação
administrativa dos assentos de óbito das vítimas da ditadura militar será
realizado a partir do envio dos dados da Comissão Nacional da Verdade (CNV) pelo
Conselho Nacional de Justiça aos registradores civis por meio do Operador
Nacional do Registro Civil das Pessoas Naturais (ONR-RCPN). Os cartórios
receberão as informações sistematizadas pela Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP), que incluem a declaração de que a causa da
morte foi “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da
perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do
regime ditatorial instaurado em 1964.”
A entrega das novas certidões em
cerimônias solenes reforça o valor da memória coletiva e a importância do
direito à verdade.
Karin Regina Rick Rosa é advogada.
Mestre em Direito pela Universidade Unisinos. Especialista em Direito
Processual Civil. Professora de Direito Civil e Direito Notarial e Registral.
Membro da Academia Notarial Brasileira - Cadeira nº 38. Membro da diretoria
executiva do IBDFAM-RS. Membro do Conselho Consultivo do IBRADIM. Possui
certificação internacional EXIN - Data Protection and Privacy e Security
Information System. Coordenadora de livros e autora de artigos jurídicos.