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26 de Abril de 2012

Artigo - Possibilidade de Instituição do Direito de Superfície Sobre Parte Específica de Imóvel - Por Wilson José Ruza

1. INTRODUÇÃO

Após o ingresso do direito de superfície na legislação pátria, através do Estatuto da Cidade e do Código Civil, a doutrina brasileira passou a discutir a viabilidade de sua instituição sobre parte específica de um imóvel, especialmente diante de aspectos urbanísticos e da função social da propriedade, sem, ainda, ferir os princípios do direito notarial e registral.

2. DESENVOLVIMENTO

O direito de superfície, que tem suas raízes no direito romano, restou apresentado ao direito brasileiro através do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), nos artigos 21 a 24 e, posteriormente, com o Código Civil (Lei 10.406/2002), em seus artigos 1.369 a 1.377, além do inciso II, do artigo 1.225.

De imediato, após a entrada em vigor do Código Civil, lei posterior e geral, surgiram discussões acerca da derrogação tácita ou não do Estatuto da Cidade, lei anterior e específica, no que tange ao direito de superfície.

Atualmente é pacífico o entendimento de convivência harmônica dos dispositivos legais. Aliás, o Enunciado 93 do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, assim dispõe: "As normas previstas no Código Civil, regulando o direito de superfície, não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.2572001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano".

Desta forma, "como sua própria autodenominação, o Estatuto da Cidade dirige-se exclusivamente aos imóveis urbanos com política específica". Já o Código Civil, por outro lado, aplica-se aos imóveis rurais e urbanos onde não houver plano urbanístico.

Na perfeita definição de Clóvis Bevilaqua, o direito de superfície "consiste no direito real de construir, assentar qualquer obra, ou plantação em solo de outrem".

Trata-se de direito real através do qual o dono do solo, denominado 'fundieiro', concede a outrem, chamado 'superficiário', o direito de nele construir ou plantar, explorando a propriedade, gratuita ou onerosamente (o pagamento é denominado 'canôn superficiário' ou 'solarium'), mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente e, após extinta a concessão, o fundieiro volta a ter a propriedade plena sobre o imóvel, construção ou plantação, independentemente de indenização, salvo pacto diverso entre as partes.

O Estatuto da Cidade admite o direito de superfície por prazo determinado ou por prazo indeterminado. Já o Código Civil autorizou somente a primeira possibilidade.

Superadas estas celeumas iniciais, passamos à abordagem do tema principal que, diga-se de passagem, não possui nenhuma previsão legal.

Particularmente, entendo ser perfeitamente possível a instituição do direito de superfície sobre parte específica de imóvel.

O ponto principal da discussão reside no atendimento ao princípio da especialidade objetiva, que exige a especificação perfeita da coisa em todos os atos do registro, de maneira a definir exclusivamente o objeto dos direitos e ônus reais. É que, podendo ser identificada no título a parte que incidirá o direito de superfície, não existirá óbice legal à impossibilidade do registro.

Havendo a especialização, ou seja, a determinação da exata fração ideal do imóvel, viabilizando a sua perfeita identificação, é perfeitamente possível a instituição do direito de superfície, independentemente de desmembramento da área.

Ao depois, a função social da propriedade, princípio que norteia a ordem econômica do país, previsto no inciso XXIII, artigo 5º, da Constituição Federal, exige que o imóvel não atenda tão somente os interesses exclusivos do seu proprietário, mas sim, que sua utilização social tenha um viés coletivo.

Imóvel desprovido de utilização econômica, leia-se, sem construção ou plantação não atende à função social e nem aos aspectos urbanísticos da propriedade, que também visa a afastar a subutilização dos imóveis.

Finalmente, ratificando a posição adotada neste trabalho está o § 3º, artigo 21, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que, ao prever "o superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com encargos e tributos ...", sinaliza a intenção do legislador de permitir a incidência do direito de superfície sobre uma fração ideal do imóvel, oportunidade em que o superficiário responderá apenas proporcionalmente à fração ideal ocupada, pelos encargos e tributos.

3. CONCLUSÃO

Desta forma, entendemos perfeitamente possível o registro do direito de superfície sobre parte específica de um imóvel, desde que identificada a área de incidência do direito real, atendendo, assim, aos princípios notariais e registrais, notadamente o da especialidade objetiva, tudo à luz dos aspectos urbanísticos e da função social da propriedade.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUSTIÇA FEDERAL, CONSELHO. Jornadas de Direito Civil I, III e IV - Enunciados Aprovados. Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília, 2007. Material extraído do portal da rede mundial de computadores http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296

VENOSA, SILVIO DE SALVIO. Direitos Reais. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007, Material da 3ª Aula de Registro de Imóveis, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual de Direito Notarial e Registral - Anhnaguera - UNIDRP / Rede LFG, 2012.

LOUREIRA FILHO, LAIR DA SILVA. LOUREIRA, CLÁUDIA REGINA DE OLIVEIRA MAGALHÃES DA SILVA. Notas e Registros Públicos. 3ª Ed. Rev. e Ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

CENEVIVA, WALTER. Lei dos Registros Públicos Comentada. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

EQUIPE RT, ORGANIZADORES. Vade Mecum RT. 6ª Ed. Rev., Amp. e Atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

CAMARGO, ESTELA L. MONTEIRO SOARES DE. Direito de Superfície. In: TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Beneti e PAIVA, João Pedro Lamana (coord.) - Novo Direito Imobiliário e Registral - 2ª edição - São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 49-63, Material da 3ª aula de Registro de Imóveis, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Notarial e Registral - Anhanguera - UNIDERP / Rede LFG, 2012

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Notas

1 VENOSA, SILVIO DE SALVIO. Direitos Reais. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 403-411, Material da 3ª Aula de Registro de Imóveis, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual de Direito Notarial e Registral - Anhnaguera - UNIDRP / Rede LFG, 2012.
2 Brasil. Leis, Decretos. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Clóvis Bevilaqua. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. (edição histórica)