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04 de Junho de 2009
Artigo - União estável e a sucessão do companheiro sobrevivente à luz do novo Código Civil
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 226 elevou a união estável entre o homem e a mulher ao status de família, dispondo em seu § 3º, "que é reconhecida união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento". Já no § 4º, do mesmo art. reza que "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
É a denominada família mono parental.Essa proteção constitucional às famílias de fato ou naturais, de elevadas proporções e causas diversas em nosso país, foi alvo de muitos questionamentos por parte dos legisladores e daqueles que se dedicam ao estudo e aplicação do direito, surgindo as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que foram as primeiras indicações normativas de desdobramento do pressuposto constitucional, representando a vontade da Lei Maior, na flexibilização das relações interpessoais, conduzindo o processo de democratização das mais variadas formas de relacionamento atual. Dos Direitos Patrimoniais e Sucessórios dos companheiros instituídos através das leis 8.971/94 e 9.278/96 A lei 8.971/94 regulamentou a questão dos alimentos devido à companheira ou companheiro, bem assim a questão sucessória.
Pois, até então, a jurisprudência havia adiantado técnicas de proteção ao companheiro supérstite, mas foi a partir desse novo imperativo legal que a morte de um dos conviventes foi movida para o âmbito do direito das sucessões. Garantiu-se o direito de participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem da vocação hereditária. Sendo que a Lei 9.278/96, ao estabelecer a igualdade de direitos e deveres entre os conviventes, impõe, ainda, o direito real de habitação ao companheiro sobrevivo, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, levando em conta, sobretudo, o comprometimento emocional e amoroso que se manteve naquele lar, as lembranças e toda a história de vivência familiar. Das alterações discriminatórias e de exclusão constantes no novo Código Civil de 2002 O novo Código Civil de 2002, em seu art. 1.723, caput, e seus §§ 1º e 2º, reconhece os elementos indicadores do instituto da união estável, a qual se configura através da convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, entre o homem e a mulher, inclusive entre pessoas casadas que se acharem separadas de fato ou judicialmente. Pontifica, ainda, em seu art. 1.725 que "Na união estável, salvo contrato escrito entre companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".
Ou seja, os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da união estável, e a titulo oneroso, pertencem a ambos, em partes iguais. Entretanto, ao tratar da sucessão legítima e da ordem da vocação hereditária, se refere apenas aos descendentes; aos ascendentes em concorrência com o cônjuge; ao cônjuge sobrevivente, se este ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de 2 (dois) anos; e aos colaterais, colocando a companheira ou o companheiro de fora dessa ordem, permitindo apenas a sua participação na sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, e concorrendo, com os filhos comuns do casal, os descendentes só do autor da herança e outros parentes sucessíveis.
E só não havendo parentes sucessíveis terá direito à totalidade da herança, conforme disposição do art. 1790 da Lei Substantiva Civil. Assim, em havendo bens adquiridos antes da união estável, a titulo oneroso o companheiro não terá direito sucessório sobres esses. Destacando-se, que se os bens forem adquiridos a titulo gratuito (ex: doação, herança, prêmios, etc.) o companheiro sobrevivente também estará excluído da sucessão. Participando dela apenas seus descendentes, ascendentes ou colaterais.
De igual modo, o direito de habitação e o usufruto decorrente da viuvez também foram excluídos dos companheiros. Vê-se, portanto, que o novo regramento do CC vem acarretar sérios entraves e enormes prejuízos aos que vivem sob o manto da união estável, pois até a participação destes na sucessão dos bens adquiridos a titulo oneroso se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída a cada filho; se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe á a metade da herança do que couber a cada um daqueles; se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um terço) da herança; e não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Ou seja, o companheiro só terá direito à integralidade da herança, se não houver descendentes, ascendentes ou colaterais. Vale dizer que a redação do art. 1.790 do Código Civil, enfatiza que os bens que fazem parte da herança, com relação ao companheiro são apenas aqueles adquiridos onerosamente na vigência da união estável, deixando de fora todos os bens adquiridos antes do inicio da união, seja a titulo gratuito ou oneroso. Assim, se o companheiro possuir bens antes da união estável, e vier a falecer sem deixar ascendentes, descentes ou colaterais até o 4º grau, o companheiro sobrevivente não terá direito a sucessão, seguindo a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.844, onde os bens serão entregues ao município por ser considerada herança jacente.
Diante dessa reversão do legislador, forçoso reconhecer-se que muitos dos direitos historicamente conquistados pelos companheiros após anos de formulação doutrinária e jurisprudencial, restaram extremamente reduzidos pelas novas ordens jurídicas que disciplinam a matéria, o que seguramente será motivo de muitas disputas judiciais onde o julgador, na aplicação da lei, deverá ter como referência a realidade das famílias contemporâneas, buscando ajustar a nova legislação aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Na nova ordem de transmissão hereditária, visível é a distinção entre a união estável e o casamento, porquanto os casados voltam a ter um amparo legal superior aos companheiros por força da revogação das leis 8.971/94 e 9.278/96 que praticamente equiparavam a união estável ao casamento, tanto para o efeito de divisão de bens como na questão de herança. Perdendo o companheiro sobrevivente a condição de depositário de direito real, e a terceira posição na ordem sucessória, através dessa subversão hermenêutica, violando frontalmente o comando constitucional. Contudo diante desse desnivelamento do novo regramento civil, ergue-se o seguinte questionamento:
Teria sido uma postura proposital do nosso legislador? Infelizmente entendemos que sim, talvez visando uma ação pro ativa do Poder Judiciário, esquecendo-se que não são todos que tem acesso à Justiça. Todavia, entendemos que uma vez reconhecida à união estável, representada pela convivência duradoura e continua, entre um homem e uma mulher, podendo até não coabitar, mas que, solteiros ou casados, desde que separados de fato ou judicialmente, divorciados ou viúvos, se apresente o casal aos olhos da sociedade como se fossem marido e mulher. Estando ainda unidos pela intenção de constituírem uma verdadeira família, essa relação tem origem constitucional, é reconhecida uma entidade familiar, cujo conceito se estende também à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme §§3º e 4º do artigo 226 da CF.
Cabendo, portanto, ao legislador ordinário, acompanhar a realidade social, contemplando as inquietações da família atual, devendo o companheiro receber o mesmo tratamento dedicado ao cônjuge, pois ao colocar um na condição de herdeiro necessário e o outro numa situação de concorrência com tios e avós, coloca os participantes de união estável, na sucessão hereditária, numa posição de extrema inferioridade e injustiça. Da ordem constitucional, doutrinária, jurisprudencial e sumular sobre a matéria sucessória e direito real de habitação no imóvel familiar Sabemos que de vinte e cinco autores, vinte um entendem que o companheiro sobrevivente tem direito a metade da herança deixada pelo de cujus disputando na mesma igualdade com os herdeiros necessários, previsto no artigo 1.845 e 1.846 do Código Civil de 2002.
Em decisão inovadora, o TJRS, no julgamento do Agravo de Instrumento 700200389284, equipara companheiro a cônjuge, considerando inconstitucional o art. 1790, III, do Código Civil, que prevê a concorrência do companheiro com colaterais, concedendo ao companheiro o direito à totalidade da herança, em detrimento do irmão da companheira falecida. Dentre os argumentos expendidos na decisão é que tanto a família de direito, como também àquela que se constitui por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao principio da equidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório, sob pena de incorrer em odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. Reconhecendo, portanto, não ser possível violar a dignidade do homem, por apego absurdo a formalismos legais.
O Conselho da Justiça Federal na I Jornada de Direito Civil, relativa à Direito de Família e Sucessão, aprovou o Enunciado de nº 117, relacionado ao art. 1.831 do CCB, disciplinando que "O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88". Ou seja, o direito real de habitação no imóvel destinado à residência da família não deve ser prerrogativa apenas do cônjuge sobrevivente, mas também do companheiro, como direito social de moradia, constituindo um verdadeiro retrocesso a falta de ressalva no Código Civil sobre o direito real de habitação na dissolução da união estável.
Os Juízes das unidades da Família e das Sucessões do Estado de São Paulo deliberaram e formularam enunciados para nortear as decisões, a exemplo do enunciado 49 o qual dispõe que o art. 1790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legitima. E o enunciado 50, estabelece que ante a inconstitucionalidade do art. 1790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina legitima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com os descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação. Da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC inserido nas Disposições Gerais do Livro das Sucessões Diante dessa nova concepção do Código Civil, tarefa de maior urgência é a alteração legislativa, ou a declaração de inconstitucionalidade erga omnes do seu art.1790, haja vista a igualdade de tratamento dado pela CF/88, a união estável e ao casamento.
Pois apesar dos julgamentos de inconstitucionalidade de forma incidental, relativamente a casos concretos e isolados, tal situação não se mostra satisfatória para a produção de uma justiça ordenada e lógica, havendo sempre decisões controvertidas para situações jurídicas iguais, na intimidade da família brasileira, uma vez que o legislador ordinário quis se sobrepuser às disposições da própria Constituição, pois apesar de se tratar de uma lei nova, a mesma passou por muitos anos de espera no Congresso Nacional, vindo a entrar em vigência já de forma totalmente ultrapassada, preconceituosa, e distante da evolução dos fatos sociais, especificamente em relação a família e sucessões.
Conclusão
Observando preferentemente às concepções do direito sucessório do companheiro e do cônjuge, notadamente da forma como foi estabelecida no novo regramento civil, como já dissemos, ressalta visível afronta contra o principio fundamental da dignidade da pessoa humana firmado no art. 1º, da CF/88, bem como contra o direito de igualdade, já que o artigo 226, §3º, do Texto Constitucional deu tratamento igualitário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Vindo, posteriormente, o Código Civil estabelecer desigualdades, criando um arsenal de novos problemas sociais e jurídicos entre as famílias constituídas sob a feição da união estável, deixando de compreender a família de acordo com os movimentos, com a evolução que se estabeleceu ao longo do tempo. Como bem assevera Cristiano Chaves de Farias, "os novos valores que inspiram a sociedade moderna, sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família.
A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora". Calha à espécie a pertinente observação, também, de Luis Edson Fachin no sentido de que é "inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a familiar nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais". Com essas considerações, embora o direito sucessório do companheiro tenha andado bem na sua férrea consistência sob o aspecto da divisão patrimonial e sucessório, todas as normas jurídicas editadas até hoje, entravam diante do espírito do novo Código Civil, causando indisfarçável desilusão de idéias e de sentimentos na disposição dos direitos sucessórios, com manifesta ofensa ao principio da isonomia entre cônjuge e companheiro, encontrando-se o cônjuge na terceira posição na ordem da sucessão legitima e dos herdeiros necessários (arts. 1.829 e 1.824), enquanto o companheiro aparece apenas nas Disposições Gerais do Livro das Sucessões (art. 1.790), cuja sucessão do companheiro na integralidade dos bens só é possível diante da inexistência de descendentes, ascendentes, e "parentes sucessíveis" até o quarto grau, ignorando o Código civil de 2002, de forma danosa e retrógada, todo o esforço empregado, na construção legal, doutrinária e jurisprudencial do regime da união estável, cuja forma de entidade familiar tem origem e fundamento na Constituição Federal, que reconhece o quadro evolutivo da família atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade.
Autora: Rita de Cássia Andrade é Juíza de Direito em João Pessoa/PB
É a denominada família mono parental.Essa proteção constitucional às famílias de fato ou naturais, de elevadas proporções e causas diversas em nosso país, foi alvo de muitos questionamentos por parte dos legisladores e daqueles que se dedicam ao estudo e aplicação do direito, surgindo as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que foram as primeiras indicações normativas de desdobramento do pressuposto constitucional, representando a vontade da Lei Maior, na flexibilização das relações interpessoais, conduzindo o processo de democratização das mais variadas formas de relacionamento atual. Dos Direitos Patrimoniais e Sucessórios dos companheiros instituídos através das leis 8.971/94 e 9.278/96 A lei 8.971/94 regulamentou a questão dos alimentos devido à companheira ou companheiro, bem assim a questão sucessória.
Pois, até então, a jurisprudência havia adiantado técnicas de proteção ao companheiro supérstite, mas foi a partir desse novo imperativo legal que a morte de um dos conviventes foi movida para o âmbito do direito das sucessões. Garantiu-se o direito de participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem da vocação hereditária. Sendo que a Lei 9.278/96, ao estabelecer a igualdade de direitos e deveres entre os conviventes, impõe, ainda, o direito real de habitação ao companheiro sobrevivo, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, levando em conta, sobretudo, o comprometimento emocional e amoroso que se manteve naquele lar, as lembranças e toda a história de vivência familiar. Das alterações discriminatórias e de exclusão constantes no novo Código Civil de 2002 O novo Código Civil de 2002, em seu art. 1.723, caput, e seus §§ 1º e 2º, reconhece os elementos indicadores do instituto da união estável, a qual se configura através da convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, entre o homem e a mulher, inclusive entre pessoas casadas que se acharem separadas de fato ou judicialmente. Pontifica, ainda, em seu art. 1.725 que "Na união estável, salvo contrato escrito entre companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".
Ou seja, os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da união estável, e a titulo oneroso, pertencem a ambos, em partes iguais. Entretanto, ao tratar da sucessão legítima e da ordem da vocação hereditária, se refere apenas aos descendentes; aos ascendentes em concorrência com o cônjuge; ao cônjuge sobrevivente, se este ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de 2 (dois) anos; e aos colaterais, colocando a companheira ou o companheiro de fora dessa ordem, permitindo apenas a sua participação na sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, e concorrendo, com os filhos comuns do casal, os descendentes só do autor da herança e outros parentes sucessíveis.
E só não havendo parentes sucessíveis terá direito à totalidade da herança, conforme disposição do art. 1790 da Lei Substantiva Civil. Assim, em havendo bens adquiridos antes da união estável, a titulo oneroso o companheiro não terá direito sucessório sobres esses. Destacando-se, que se os bens forem adquiridos a titulo gratuito (ex: doação, herança, prêmios, etc.) o companheiro sobrevivente também estará excluído da sucessão. Participando dela apenas seus descendentes, ascendentes ou colaterais.
De igual modo, o direito de habitação e o usufruto decorrente da viuvez também foram excluídos dos companheiros. Vê-se, portanto, que o novo regramento do CC vem acarretar sérios entraves e enormes prejuízos aos que vivem sob o manto da união estável, pois até a participação destes na sucessão dos bens adquiridos a titulo oneroso se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída a cada filho; se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe á a metade da herança do que couber a cada um daqueles; se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um terço) da herança; e não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Ou seja, o companheiro só terá direito à integralidade da herança, se não houver descendentes, ascendentes ou colaterais. Vale dizer que a redação do art. 1.790 do Código Civil, enfatiza que os bens que fazem parte da herança, com relação ao companheiro são apenas aqueles adquiridos onerosamente na vigência da união estável, deixando de fora todos os bens adquiridos antes do inicio da união, seja a titulo gratuito ou oneroso. Assim, se o companheiro possuir bens antes da união estável, e vier a falecer sem deixar ascendentes, descentes ou colaterais até o 4º grau, o companheiro sobrevivente não terá direito a sucessão, seguindo a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.844, onde os bens serão entregues ao município por ser considerada herança jacente.
Diante dessa reversão do legislador, forçoso reconhecer-se que muitos dos direitos historicamente conquistados pelos companheiros após anos de formulação doutrinária e jurisprudencial, restaram extremamente reduzidos pelas novas ordens jurídicas que disciplinam a matéria, o que seguramente será motivo de muitas disputas judiciais onde o julgador, na aplicação da lei, deverá ter como referência a realidade das famílias contemporâneas, buscando ajustar a nova legislação aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Na nova ordem de transmissão hereditária, visível é a distinção entre a união estável e o casamento, porquanto os casados voltam a ter um amparo legal superior aos companheiros por força da revogação das leis 8.971/94 e 9.278/96 que praticamente equiparavam a união estável ao casamento, tanto para o efeito de divisão de bens como na questão de herança. Perdendo o companheiro sobrevivente a condição de depositário de direito real, e a terceira posição na ordem sucessória, através dessa subversão hermenêutica, violando frontalmente o comando constitucional. Contudo diante desse desnivelamento do novo regramento civil, ergue-se o seguinte questionamento:
Teria sido uma postura proposital do nosso legislador? Infelizmente entendemos que sim, talvez visando uma ação pro ativa do Poder Judiciário, esquecendo-se que não são todos que tem acesso à Justiça. Todavia, entendemos que uma vez reconhecida à união estável, representada pela convivência duradoura e continua, entre um homem e uma mulher, podendo até não coabitar, mas que, solteiros ou casados, desde que separados de fato ou judicialmente, divorciados ou viúvos, se apresente o casal aos olhos da sociedade como se fossem marido e mulher. Estando ainda unidos pela intenção de constituírem uma verdadeira família, essa relação tem origem constitucional, é reconhecida uma entidade familiar, cujo conceito se estende também à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme §§3º e 4º do artigo 226 da CF.
Cabendo, portanto, ao legislador ordinário, acompanhar a realidade social, contemplando as inquietações da família atual, devendo o companheiro receber o mesmo tratamento dedicado ao cônjuge, pois ao colocar um na condição de herdeiro necessário e o outro numa situação de concorrência com tios e avós, coloca os participantes de união estável, na sucessão hereditária, numa posição de extrema inferioridade e injustiça. Da ordem constitucional, doutrinária, jurisprudencial e sumular sobre a matéria sucessória e direito real de habitação no imóvel familiar Sabemos que de vinte e cinco autores, vinte um entendem que o companheiro sobrevivente tem direito a metade da herança deixada pelo de cujus disputando na mesma igualdade com os herdeiros necessários, previsto no artigo 1.845 e 1.846 do Código Civil de 2002.
Em decisão inovadora, o TJRS, no julgamento do Agravo de Instrumento 700200389284, equipara companheiro a cônjuge, considerando inconstitucional o art. 1790, III, do Código Civil, que prevê a concorrência do companheiro com colaterais, concedendo ao companheiro o direito à totalidade da herança, em detrimento do irmão da companheira falecida. Dentre os argumentos expendidos na decisão é que tanto a família de direito, como também àquela que se constitui por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao principio da equidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório, sob pena de incorrer em odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. Reconhecendo, portanto, não ser possível violar a dignidade do homem, por apego absurdo a formalismos legais.
O Conselho da Justiça Federal na I Jornada de Direito Civil, relativa à Direito de Família e Sucessão, aprovou o Enunciado de nº 117, relacionado ao art. 1.831 do CCB, disciplinando que "O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88". Ou seja, o direito real de habitação no imóvel destinado à residência da família não deve ser prerrogativa apenas do cônjuge sobrevivente, mas também do companheiro, como direito social de moradia, constituindo um verdadeiro retrocesso a falta de ressalva no Código Civil sobre o direito real de habitação na dissolução da união estável.
Os Juízes das unidades da Família e das Sucessões do Estado de São Paulo deliberaram e formularam enunciados para nortear as decisões, a exemplo do enunciado 49 o qual dispõe que o art. 1790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legitima. E o enunciado 50, estabelece que ante a inconstitucionalidade do art. 1790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina legitima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com os descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação. Da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC inserido nas Disposições Gerais do Livro das Sucessões Diante dessa nova concepção do Código Civil, tarefa de maior urgência é a alteração legislativa, ou a declaração de inconstitucionalidade erga omnes do seu art.1790, haja vista a igualdade de tratamento dado pela CF/88, a união estável e ao casamento.
Pois apesar dos julgamentos de inconstitucionalidade de forma incidental, relativamente a casos concretos e isolados, tal situação não se mostra satisfatória para a produção de uma justiça ordenada e lógica, havendo sempre decisões controvertidas para situações jurídicas iguais, na intimidade da família brasileira, uma vez que o legislador ordinário quis se sobrepuser às disposições da própria Constituição, pois apesar de se tratar de uma lei nova, a mesma passou por muitos anos de espera no Congresso Nacional, vindo a entrar em vigência já de forma totalmente ultrapassada, preconceituosa, e distante da evolução dos fatos sociais, especificamente em relação a família e sucessões.
Conclusão
Observando preferentemente às concepções do direito sucessório do companheiro e do cônjuge, notadamente da forma como foi estabelecida no novo regramento civil, como já dissemos, ressalta visível afronta contra o principio fundamental da dignidade da pessoa humana firmado no art. 1º, da CF/88, bem como contra o direito de igualdade, já que o artigo 226, §3º, do Texto Constitucional deu tratamento igualitário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Vindo, posteriormente, o Código Civil estabelecer desigualdades, criando um arsenal de novos problemas sociais e jurídicos entre as famílias constituídas sob a feição da união estável, deixando de compreender a família de acordo com os movimentos, com a evolução que se estabeleceu ao longo do tempo. Como bem assevera Cristiano Chaves de Farias, "os novos valores que inspiram a sociedade moderna, sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família.
A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora". Calha à espécie a pertinente observação, também, de Luis Edson Fachin no sentido de que é "inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a familiar nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais". Com essas considerações, embora o direito sucessório do companheiro tenha andado bem na sua férrea consistência sob o aspecto da divisão patrimonial e sucessório, todas as normas jurídicas editadas até hoje, entravam diante do espírito do novo Código Civil, causando indisfarçável desilusão de idéias e de sentimentos na disposição dos direitos sucessórios, com manifesta ofensa ao principio da isonomia entre cônjuge e companheiro, encontrando-se o cônjuge na terceira posição na ordem da sucessão legitima e dos herdeiros necessários (arts. 1.829 e 1.824), enquanto o companheiro aparece apenas nas Disposições Gerais do Livro das Sucessões (art. 1.790), cuja sucessão do companheiro na integralidade dos bens só é possível diante da inexistência de descendentes, ascendentes, e "parentes sucessíveis" até o quarto grau, ignorando o Código civil de 2002, de forma danosa e retrógada, todo o esforço empregado, na construção legal, doutrinária e jurisprudencial do regime da união estável, cuja forma de entidade familiar tem origem e fundamento na Constituição Federal, que reconhece o quadro evolutivo da família atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade.
Autora: Rita de Cássia Andrade é Juíza de Direito em João Pessoa/PB