Notícias

15 de Abril de 2020

Artigo - O registro do óbito em tempos de Covid-19 - por Frank Wendel Chossani

A pessoa natural bem como a sua personalidade jurídica chegam ao fim com a morte. Tal ocorrência deve ser documentada para que produza determinados efeitos jurídicos.

Em regra, o óbito é registrado, pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do local do falecimento ou do lugar de residência do de cujus, quando o falecimento ocorrer em local diverso do seu domicílio, como dispõe o artigo 77 da Lei dos Registros Públicos[1] (LRP), com redação dada pela Lei nº 13.484, de 2017.

Nos termos da Lei dos Registros Públicos (LRP) “nenhum sepultamento será feito sem certidão do oficial de registro...” (artigo 77). Numa primeira leitura, a ideia que se tem, é a de que o registro do óbito deve ocorrer em momento anterior ao sepultamento, uma vez que só após o assento do óbito é que, obviamente, será expedida a respectiva certidão. Todavia, e por diversos fatores, não é incomum que o registro ocorra após o sepultamento, com amparo legal (art. 78 – Lei 6.015/73).

Discussões tem surgido em torno do registro do óbito quando a causa da morte é decorrente do Covid-19, ou da suspeita do vírus.
Comumente o registro do óbito ocorre a partir da apresentação da Declaração de Óbito (DO – via amarela), por um dos obrigados a fazer declaração de óbitos (termo utilizado pela lei), conforme estabelece o artigo 79 da LRP, junto ao cartório do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. O documento, que contem, dentre outras, a informação da causa da morte, é base do sistema de informações sobre mortalidade.

Assim, em regra o declarante apresenta a Declaração de Óbito (D.O.) junto a Unidade de Serviço de Registro Civil responsável por registrar o óbito. Há também, a possibilidade de que o óbito seja registrado por meio de declaração prestada junto ao Serviço Funerário, mas, no último caso, quando há regulamentação nesse sentido (SANTOS, 2006, p. 124)[2], ou seja, quando há nas Comarcas, declarações de óbito anotadas oficialmente pelo Serviço Funerário do Município.

Para vigorar temporariamente (até 30 de abril de 2020), o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 93/2020[3], que possibilita, o envio eletrônico dos documentos necessários para a lavratura de registros de nascimentos e de óbito no período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), estabelecida pela Portaria n. 188/GM/MS, de 4 de fevereiro de 2020. Notadamente, a edição do provimento não é, e nem poderia ser, obstáculo para que os assentos continuem a ser lavrados com base nas declarações prestadas diretamente pelo interessado que comparece no cartório.

Situação enfrentada na prática é aquela em que algumas declarações de óbitos estão sendo emitidas sem a possibilidade prévia de confirmação do diagnóstico viral para o Covid-19, pois, cediço é, que os testes para o novo coronavírus ainda não são suficientes para atenderem a demanda. Mesmo em tais casos, o óbito, evidentemente, deve ser registrado. É adequado, todavia, que em situações como a mencionada, que os profissionais médicos que atestarem o óbito, quando suspeitarem que a doença respiratória é decorrente do Covid-19, façam essa indicação na Declaração de Óbito, a fim de que tal informação conste no registro.

No Estado de São Paulo, foram publicadas “Orientações para o Procedimento Emissão de Declaração de Óbitos frente a Pandemia do COVID-19”[4]. Segundo a publicação, “todos os óbitos confirmados por COVID-19 deverão ser classificados com o CID - B34.2 (Infecção por Coronavírus de localização não especificada)”. E ainda – “No caso de óbito confirmado que o médico mencionar na Declaração de Óbito “Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS”, ou “Doença Respiratória Aguda” devido ao COVID-19, deverá ser classificado com o CID - U04.9”.

Sem a confirmação, isto é, no caso dos óbitos suspeitos do vírus, e aguardando os exames, o ideal é que o profissional médico atestante do passamento, indique, na Declaração de Óbito a suspeita de morte decorrente do Covid-19. E ainda, no Estado de São Paulo, que conste, na D.O., a informação: “aguarda exames”.

Não é demais lembrar que o Oficial do cartório, lavrará o óbito com base no que constar no atestado médico (Declaração de Óbito) preenchida e assinada pelo profissional que atestou. Aliás, nesse sentido, esclareceu a presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), Karine Maria Famer Rocha Boselli, em recente entrevista a uma emissora de televisão[5]. A nobre Oficiala ainda acrescentou que “a informação é sempre importante... até para o ponto de vista estatísticos do Ministério da Saúde, porque essas informações que nós recebemos, de suspeita, encaminhamos para os órgãos públicos...”. Da premissa é possível compreender que, ainda que o declarante do óbito, ao comparecer ao cartório, afirme que a morte é decorrência do novo coronavírus, o Oficial delegado, está adstrito ao que consta na Declaração do Óbito. Tal informação parece óbvia, mas se faz necessária, uma vez que com a demora do diagnóstico, pode haver quem imagine ser possível declarar verbalmente ao Oficial a causa da morte.

Uma vez lavrado o óbito perante o cartório, e confirmado posteriormente o diagnóstico para o Covid-19, ainda que não haja menção alguma da suspeita do vírus na Declaração do Óbito, é possível que tal informação ingresse no assento por meio de uma averbação, de modo que o registro expresse a realidade.

Ao tratar da averbação, a LRP destaca que “A averbação será feita pelo oficial do cartório em que constar o assento à vista da carta de sentença, de mandado ou de petição acompanhada de certidão ou documento legal e autêntico” (art. 97 – com redação dada pela Lei nº 13.484, de 2017).

Tal procedimento (averbação) não é automático, devendo, se partir direto do interessado, ser formulado requerimento ao Oficial, mediante a comprovação dos documentos emitidos pelos órgãos competentes.

A situação vivida é nova, e desafia o pensamento e discussões de todos, de modo que não é possível firmar uma postura irreversível. Amparado por tal afirmação, e salvo melhor juízo, a primeira impressão que tenho, é a de que não basta que o declarante do óbito no cartório (art. 79 da LRP), requeira a averbação da causa da morte, apenas em posse do exame laboratorial que indique “positivo” para o Covid-19. Entendo, respeitando eventuais posições contrárias, ser necessário uma declaração complementar em que o profissional médico, agora diante do resultado laboratorial, indique que a causa da morte foi, de fato, decorrente do Covid-19.  Também não se ignora a possibilidade do Oficial submeter o caso a manifestação do Juiz Corregedor Permanente, quando necessário, ou ainda, submeter o evento ao representante do Ministério Público, nas hipóteses que suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé nas declarações ou na documentação apresentada para fins de averbação (artigo 97, parágrafo único, LRP).

Outra situação a ser tratada, e que tem, de fato ocorrido, é o óbito de brasileiros no exterior, em decorrência do vírus em comento.

Se o óbito for registrado em país estrangeiro, incidirá a regra prevista no artigo 32 da LRP. Nos termos do parágrafo 1º do artigo referido, os assentos de óbito de brasileiros em país estrangeiro serão “...transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores”. O assunto é tratado ainda por Provimentos das diferentes Unidades da Federação, sendo que, no Estado de São Paulo, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (NSCGJ/SP - Tomo II – Cartórios Extrajudiciais – Provimento nº 58/89) tratam do tema a partir do item 155 do capítulo XVII[6].

Entendemos oportuno, apresentar na ocasião, para ajudar a esclarecer eventuais dúvidas que surgirão durante nossos dias, o que dispõe as NSCGJ/SP (cap. XVII), nos seguintes itens:

155. O traslado de assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros em país estrangeiro, tomados por autoridade consular brasileira, nos termos do regulamento consular, ou por autoridade estrangeira competente, a que se refere o “caput” do art. 32 da Lei 6.015/73, será efetuado no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca do domicílio do interessado ou do 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito Federal, sem a necessidade de autorização judicial. 830
155.1 Os assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros lavrados por autoridade estrangeira competente, que não tenham sido previamente registrados em repartição consular brasileira, somente poderão ser trasladados no Brasil se estiverem legalizados por autoridade consular brasileira que tenha jurisdição sobre o local em que foram emitidas, ou, se for o caso, devidamente apostilados pela autoridade apostilante do Estado em que realizado o registro, nos termos da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros ("Convenção de Haia'’).

155.1.1. Antes de serem trasladados, tais assentos também deverão ser traduzidos por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira.

155.1.2. A legalização efetuada por autoridade consular brasileira e a aposição da Apostila de Haia consistem na formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto. O reconhecimento, no Brasil, da assinatura da autoridade consular brasileira no documento será dispensado, conforme previsto no art. 1º, par. 1º, do Decreto n° 8.742/2016.

Pertinente trazer à baila, ainda, a informação de que recentemente o Conselho Nacional de Justiça editou a Portaria Conjunta nº 1, de 30 de março de 2020, que “estabelece procedimentos excepcionais para sepultamento e cremação de corpos durante a situação de pandemia do coronavírus, com a utilização da Declaração de Óbito emitida pelas unidades de saúde, apenas nas hipóteses de ausência de familiares ou de pessoas conhecidas do obituado ou em razão de exigência de saúde pública, e dá outras providências”, com a previsão, nos casos tratados na portaria em mote, de que os registros terão o seu prazo de lavratura diferido, e deverão ser realizados em até 60 dias após a data do óbito – nos termos do artigo 2º. Atenção: a Portaria Conjunta nº 1, de 30 de março de 2020 trata de casos específicos, a saber: situação de pandemia do coronavírus, com a utilização da Declaração de Óbito emitida pelas unidades de saúde, apenas nas hipóteses de ausência de familiares ou de pessoas conhecidas do obituado ou em razão de exigência de saúde pública.

Nas situações não abarcadas pela Portaria Conjunta nº 1, de 30 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça, o registro do óbito continua a ser feito pelas vias já comentadas.

Cumpre registrar que o Cartório de Registro Civil, há muito, revela-se como importante instrumento de implantação de políticas públicas. Em meio a enfermidade epidêmica amplamente disseminada, ditos cartórios, tem disponibilizado, informações atualizadas, com gráficos, sobre as causas de mortes, com dados sobre óbitos por insuficiência respiratória/pneumonia, óbitos com suspeita ou confirmação de COVID-19, óbitos em cidades com mais de 50 casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, e óbitos com suspeita ou confirmação de COVID-19 por sexo e faixa etária[7].

Por derradeiro, mas não menos importante, não se pode olvidar que os serviços prestados pelos Oficiais e Tabeliães, são serviços públicos, e não param. Com propriedade a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, comunicou:

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo comunica, para conhecimento em geral, que os serviços extrajudiciais de notas e de registro são serviços públicos e se destinam a assegurar segurança jurídica e permitir o exercício de direitos que são essenciais, como ocorre com os relacionados aos registros de nascimento, óbito e casamento. Por essa razão, não se enquadram na categoria de atividade comercial ou empresarial, mas são regulamentados por legislação especial e por normas do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça, em conformidade com o art. 236 da Constituição Federal (COMUNICADO CG Nº 254/2020).

Como se vislumbra, os serviços notariais e de registro continuam a ser prestados, de modo eficiente e adequado, mesmo em momentos da pandemia do Covid-19.

**Frank Wendel Chossani é Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas de Populina - SP. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral. Mestrando em Direito
 
[1] BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015original.htm. Acesso em: 15 abril 2020.
 
[2] Santos, Reinaldo Velloso Dos. Registro Civil Das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006.
[3] Conselho Nacional de Justiça – CNJ – Corregedoria – Provimento 93/2020 – Disponível em: http:// https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3263. Acesso em: 15 abr. 2020.
 
[4] Orientações para Emissão de Declaração de Óbito frente a Pandemia de COVID-19. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/coordenadoria-de-controle-de-doencas/homepage/noticias/orientacoes-para-emissao-de-declaracao-de-obito-frente-a-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 15 de abr. de 2020.
[5] Demora no processamento de testes atrapalha os registros do novo coronavírus - 4 min - Exibição em 8 Abr. 2020. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/8467560/programa/?abfs=true. Acesso em: 15 abr. 2020.
[6] Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – Cartórios Extrajudiciais – Tomo II – Capítulo XVII.
[7] Portal da Transparência – Registro Civil – Disponível em: https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid. Acesso em: 15 abr. 2020.

Assine nossa newsletter