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17 de Dezembro de 2010

Jurisprudência - TJ-DFT - Direito civil - Reconhecimento de união estável post mortem

EMENTA

Direito civil - Reconhecimento de união estável post mortem - Direito real de habitação - A despeito da ausência de previsão no novel código civil, a companheira sobrevivente dispõe de direito real de habitação com base no parágrafo único do artigo 7º da lei nº 9.278/96, podendo permanecer no imóvel em que residia ao tempo do falecimento do companheiro enquanto viver ou até a constituição de nova união ou casamento - Apelo conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora, JAIR SOARES - Revisor, OTÁVIO AUGUSTO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. NEGOU-SE PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 29 de abril de 2009
Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora

RELATÓRIO

O relatório é, em parte, o do d. parecer ministerial de fls. 213/216, que ora transcrevo:

"Trata-se de apelação contra a sentença que reconheceu a união estável havida entre Eliana de Souza Pereira e Divino Gomes dos Santos, deferindo à companheira sobrevivente o direito real de habitação relativo ao imóvel situado no Paranoá- DF.

Sustentam os apelantes, filhos do falecido companheiro, que a sentença laborou em erro ao considerar que mesmo não sendo de propriedade do de cujus, a companheira tem sobre o imóvel direito de habitação, asseverando que o tema a respeito da propriedade deve ser objeto de processo próprio.

Assinalaram que o imóvel fora adquirido antes da união estável, subsistindo aos herdeiros o direito de reaverem a posse do bem, ainda que servindo como residência para o casal, ressaltando que o direito real de habitação sobre coisa alheia só assiste à companheira se o imóvel era de propriedade do falecido.

Relatam que o imóvel fora adquirido pelo falecido quando ainda em relação marital com a sua ex-companheira, mãe dos apelantes, e desde a morte da mesma estes detém 50% do imóvel, configurando condomínio entre o de cujus e seus legítimos herdeiros, constituindo, portanto, afronta ao direito de propriedade dos apelantes o deferimento do direito real de habitação.

Contra-razões juntadas às fls. 199/203 dos autos."

Enviados os autos à Procuradoria de Justiça veio o parecer de fls. 213/216, oficiando pelo conhecimento e não provimento do apelo interposto, para conservar o direito real de habitação enquanto durar a menoridade das crianças que vivem sob a guarda da apelada.

É o relatório.

VOTOS

A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora
Cabível e tempestivo, conheço do recurso, presentes que se encontram os demais pressupostos de admissibilidade.

Tenho que não merece prosperar a pretensão do apelante.

Com efeito, a despeito da ausência de previsão no novel Código Civil, a companheira sobrevivente dispõe de direito real de habitação com base no parágrafo único do artigo 7º da Lei nº. 9.278/96, podendo permanecer no imóvel em que residia ao tempo do falecimento do companheiro enquanto viver ou até a constituição de nova união ou casamento, conforme comando legal que transcrevo:
"Art. 7º. Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo Único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família."

O direito real de habitação conferido à companheira está calcado nos princípios da solidariedade e mútua assistência, inerentes à união estável, e tem como objetivo resguardar o direito à moradia do companheiro supérstite, não sendo afastado sequer pelo fato de ter o imóvel sido adquirido anteriormente ao início do relacionamento, nos termos dos arestos colacionados:
"APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO DE POSSE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO FALECIDO. BEM IMÓVEL. MORADIA CONVIVENTES. DIREITO REAL DE HABITAÇÂO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1831 DO NCCB E ART. 7º DA LEI 9.278/96. REQUISITOS. RECONHECIMENTO. O direito real de habitação ao único imóvel residencial, por aplicação analógica do art. 1.831 do NCCB, deve ser estendido ao convivente, independentemente de ter este contribuído, ou não, para a sua aquisição, assegurado, igualmente, pelo art. 7º da Lei 9.278/96, informado pelos artigos 6º e 227, parágrafo 3º, da Lei Maior, que reconhecem a moradia como direito social e a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado. (TJMG; APC nº. 1.0514.06.020813-9/001; DJ 26/04/2008).
Dissolução de sociedade de fato - Morte de um dos conviventes - Residência do casal adquirida pelo falecido antes da união estável - Ausência de direito à meação ou partilha do sobrevivente - Direito real de habitação assegurado enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento (parágrafo único do art. 7º da Lei n.º 9.278/96). (TJMG; APC nº 000.196.455-0/00; DJ 29/06/2001).
Neste ponto, cumpre salientar a possibilidade de transmissão aos herdeiros dos direitos concedidos ao de cujus mediante concessão de direito real de uso, nos termos do artigo 7º, §4º, do Decreto-Lei 271/67, que ao instituir o direito real de que ora se trata, também dispôs que: "A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência."
Assim, é plenamente possível se arrolar em inventário a concessão de uso feita pela Administração Pública, sendo que eventual partilha judicial não dará às partes a qualidade de proprietárias do bem.
Neste sentido, o direito real de habitação não interfere na propriedade a ser eventualmente transmitida aos herdeiros, conforme bem salientado pela MM. Juíza sentenciante no trecho que transcrevo e incorporo às razões de decidir, verbis:
"Ressalto que posse é fato e os fatos devem ser provados pelas partes no processo, a teor do comando impresso no artigo 333 do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, as provas carreadas são mais do que suficientes para confirmar a situação de possuidora da companheira do falecido, relativamente ao imóvel em questão.
Assim, os argumentos deduzidos pelos requeridos, fls. 81/82, que invocaram seus direitos sucessórios para lastrearem suas pretensões, não lhes socorrem, pois não se está a discutir nos autos a questão da propriedade, mas, sim, da posse, que é instituto jurídico que pode ser dissociado daquele.
Destarte, inconteste o direito da Autora permanecer no imóvel em questão, ante a inexistência de esbulho ou vício na posse do imóvel.
Não bastasse isso, não se pode perder de vista que Divino Gomes dos Santos, companheiro da Autora, detinha direito real (in re aliena) de uso e gozo sobre o imóvel demandado. E, a propósito, com bem acentua Godofredo Telles Jr., `relativamente a coisas alheias, uma pessoa tem direito real, se recebeu, por meio de norma jurídica, permissão do seu proprietário para usá-las ou tê-las, como se fossem suas, em determinadas circunstâncias, ou sob condição, de acordo com a lei e com o que foi estabelecido, em contrato válido.´ (Direito subjetivo - I, Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, p. 317-319. V. 28, n. 15).
Dessa forma, importa enfatizar que a posse hoje assegurada à Autora é por direito próprio, ex vi do disposto no já mencionado art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9278/96."
Alie-se a estes argumentos a necessidade de se prestigiar a proteção à família conferida pelo artigo 226 da Magna Carta, bem como os interesses dos menores, frutos da união estável, que residem com a genitora, ora apelada.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo.
É como voto.
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Revisor
Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família (L. 9.278/96, art. 7º, parágrafo único).
Para o e. STJ "a companheira tem, por direito próprio e não decorrente do testamento, o direito de habitação sobre o imóvel destinado à moradia da família, nos termos do art. 7º da Lei 9278/96." (REsp 1998/0039304-8, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, DJ 24/09/2001 p. 308, JBCC vol. 194 p. 346).
O novo Código Civil não revogou expressamente a regra da L. 9.278/96.
Ao regular o direito sucessório dos companheiros, o CC dispõe que a companheira participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, tendo direito, se concorrer com filhos comuns, a uma cota equivalente à atribuída aos filhos, e concorrendo só com descendentes do falecido, tocar-lhe-á metade do que couber a estes (CC, art. 1.790, I e II).
A partilha de bem, adquirido com esforço comum em união estável, deve observar a contribuição de cada convivente no esforço na aquisição.
Esse o entendimento do e. STJ:
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PATRIMÔNIO EM NOME DO COMPANHEIRO. PROVA DO ESFORÇO COMUM. LEI 9.278/96. UNIÃO DISSOLVIDA ANTES DE SUA VIGÊNCIA. INAPLICABILIDADE. PARTILHA PROPORCIONAL À CONTRIBUIÇÃO INDIVIDUAL. MODIFICAÇÃO DO PERCENTUAL ESTABELECIDO. ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. I - (...) II - Não se aplicam às uniões livres dissolvidas antes de 13.05.96 (data da publicação) as disposições contidas na Lei 9.278/96, principalmente no concernente à presunção de se formar o patrimônio com o esforço comum igualitário, pois aquelas situações jurídicas já se achavam consolidadas antes da vigência do diploma normativo. A partilha do patrimônio deve, pois observar a contribuição de cada um dos concubinos para a aquisição dos bens, não significando, necessariamente, meação. III - (...) (REsp 174051/RJ. 3ª Turma. Ministro Castro Filho. Publicação: DJ 01.07.2002 p. 335 - destacamos)".
E "a concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência" (DL. 271/67, art. 7º, § 4º)
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INVENTÁRIO. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DECRETO-LEI Nº 271/67. I. Considerando que ninguém transmite mais direitos do que possui, é de se entender possível em relação a pedido de transmissão causa mortis, de direitos oriundos de contrato de concessão de direito real de uso (ex vi artigo 7º, § 4º, do Decreto-Lei n. 271/67). II. Recurso provido.(20030710085419APC, Relator Mário-Zam Belmiro, 3ª Turma Cível, julgado em 25/10/2006, DJ 10/07/2007 p. 114)
Na hipótese, a companheira não tem direito sucessório sobre o bem, porque na época da concessão de direito real de uso o falecido vivia maritalmente com Maria Eli Claudia de Jesus, mãe dos apelantes (fls. 152/57).
Todavia, conforme ressaltou a il. Procuradora de Justiça, Dra. Benis Silva Queiroz Bastos, "ceifar o pleito da apelada, entretanto, afeta direta e negativamente os interesses dos menores fruto da união estável, na medida que com aquela se encontram em posição de dependência, ainda que procedimentalmente figurem no pólo adverso da demanda." E (...) "tenho que a eficácia da sentença prolatada deva favorecer em favor dos menores que figuram no pólo passivo da demanda e, por conseguinte à sua guardiã, enquanto durar e menoridade e formarem a comunidade pais/descendentes como entidade familiar".
Nego provimento.
O Senhor Desembargador OTÁVIO AUGUSTO - Vogal
Com o Relator
DECISÃO
CONHECIDO. NEGOU-SE PROVIMENTO. UNÂNIME.

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