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25 de Fevereiro de 2011

Jurisprudência STJ - Processual civil e civil. Ação de retificação de registro. Supressão de prenome. Impugnação do ministério público

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. E CIVIL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. SUPRESSÃO DE PRENOME. IMPUGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. JULGAMENTO ANTECIPADO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 109, § 1º DA LEI 6.015/1973. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O nome é direito personalíssimo e, em princípio, é inalterável e imutável, salvo as exceções previstas em lei. 2. Na ação de retificação de registro civil, quando alegada situação vexatória de prenome comum, se houver impugnação, pelo Ministério Público ou outro interessado, o juiz deverá determinar a produção de prova, nos termos do artigo 109, § 1º da Lei 6.015/1973. 3. Recurso especial provido para anular a sentença e o acórdão, a fim de que se possibilite a dilação probatória. (STJ - REsp nº 863.916 - PR - 4ª Turma - Rel. Min. Luis Felipe Salomão - DJ 25.10.2010)

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 19 de outubro de 2010 (Data do Julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão - Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. Terezinha Patrícia da Silva, representada por sua mãe, aforou ação de retificação de registro, alegando que tendo nascido em 05/11/1987, utiliza o nome de "Patrícia", pois o seu primeiro nome "Terezinha" sempre fez com que a requerente fosse alvo de piadas e, na escola, de constrangimentos causados pelos colegas. Também alude que deixou de se inscrever em alguns cursos para seguir carreira no meio artístico, porque encontrou dificuldades com seu primeiro nome, tanto que chegou várias vezes a utilizar apenas os nomes Patrícia da Silva. Assevera que a jurisprudência tem resguardado o direito à retificação do nome, quando comprovada a situação vexatória experimentada pelo seu portador, o que ocorre no caso da requerente, que assim postula a supressão do prenome "Terezinha" do seu assento registral.

O pedido foi julgado improcedente por sentença prolatada à fl. 23.
Interposto recurso de apelação (fls. 28/33), foi-lhe dado provimento por acórdão (fls. 71/75), assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE NOME. SUPRESSÃO DE PRENOME. NOME QUE PARA A INTERESSADA CAUSA CONSTRANGIMENTOS E NÃO SE CONFIGURA COMPATÍVEL COM A ATIVIDADE ARTÍSTICA DE MODELO E ATRIZ. CARÁTER DE IMUTABILIDADE SUBSTITUÍDO PELO DE INALTERABILIDADE, COMPORTANDO AS EXCEÇÕES PREVISTAS EM LEI. HIPÓTESE DE ALTERAÇÃO QUE ÃO CAUSA INCONVENIENTES E SE MOSTRA RAZOÁVEL E COMPATÍVEL COM OS PADRÕES ATUAIS DA SOCIEDADE. RECURSO PROVIDO. (fl.. 71).

O Ministério Público opôs embargos declaratórios (fls. 79/83), com efeitos infringentes, sob a alegativa de que o pedido não foi instruído com as provas necessárias conforme exige o artigo 109 da Lei de Registros Públicos.

Os embargos foram rejeitados nos termos do seguinte acórdão (fls. 78/95):
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO PÚBLICO. RETIFICAÇÃO DE NOME. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO DANDO PELA PROCEDÊNCIA. SUPRESSÃO DE NOME. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO CONSISTENTE NA AUSÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO SINGELA ENFRENTADA NO MÉRITO À VISTA DOS FATOS ALEGADOS NO PROCESSO. PRODUÇÃO DE PROVA SUJEITA AO CRITÉRIO DA NECESSIDADE E NÃO POR IMPOSIÇÃO COGENTE DE LEI. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMA DE ORDEM PÚBLICA. EMBARGOS REJEITADOS. (fl. 78).
Irresignado, o Ministério Público interpõe recurso especial pela alínea "a" da permissão constitucional, sustentando afronta aos artigos 56, 57, §§ 1º e 7º, 58 e 109, caput, § 1º da Lei 6.015/1973, alegando a necessidade de anulação dos acórdãos para que se proceda à produção da prova indispensável em casos como o dos autos.

O recorrente insiste em que o pedido de retificação do assento do registro civil deverá ser necessariamente instruído "com documentos e indicação de testemunhas", pois se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido, o juiz determinará a produção da prova". Assim sendo, não era permitido à Corte local proceder à reforma da sentença, se nenhuma prova foi produzida acerca dos fatos alegados na inicial.

Outrossim, afirma que a aplicação, pelo acórdão, dos preceitos dos artigos 56, 57, §§ 1º e 7º e 58 da Lei de Registros Públicos, não poderia ser realizada sem a cabal demonstração da presença dos requisitos autorizadores à retificação do assento

Sem contra-razões.

Recurso admitido às fls. 116/120.

Parecer ministerial de fls. 132/135, pelo provimento do apelo nobre.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, cumpre assinalar que a alegada violação aos artigos 56, 57, §§ 1º e 7º e 58 da Lei de Registros Públicos, segundo o recorrente, se dá na medida em que o acórdão os aplicou sem observância do artigo 109, § 1º do mesmo diploma legal.

É o que se denota do seguinte trecho de sua petição especial:

Sob outra perspectiva impende observar que o v. acórdão originariamente proferido (sob número 4805 - fls. 57/61), no propósito de justificar a supressão de parte do prenome da recorrida, a saber, Terezinha, buscou subsídios na combinada exegese dos arts. 56, 57, §§ 1º e 7º e 58 da Lei 6.015/73, cujos normativos, nas excepcionais situações que indicam, consentem possa-se alterar o prenome.

Não se pode, é verdade, criticar o procedimento hermenêutico assim adotado pela douta Corte estadual, senão pela circunstância de que nas referidas hipóteses legais, (exceção feita ao art. 56) não dispensa, em sede judicial, a cabal demonstração probatória da presença dos requisitos autorizadores da retificação o assento. (fls. 90/91).

Assim, o exame da insurgência, na verdade, restringe-se a alegada violação ao artigo 109, § 1º da Lei de Registros Públicos.

3. Debate o Ministério Público acerca da necessidade de dilação probatória para se poder proceder à alteração do prenome da autora, um tanto comum ("Terezinha").

Para tanto, afirma que o acórdão deveria ter atentado ao disposto no artigo 109, § 1º da Lei de Registros Públicos, que determina a produção de prova, quando, em pedido de retificação de assento registral, houver impugnação pelo Ministério Público ou qualquer outro interessado.

Dispõe o preceito legal:
"Art. 109. Quem pretender que se restaure, supre ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de 5 (cinco) dias, que correrá em cartório.

§ 1º. Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido, o juiz determinará a produção da prova, dentro do prazo de dez dias e ouvidos, sucessivamente, em três dias, os interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco dias.

4. Embora seja pacífico o entendimento no sentido de que, verificando o juiz que o feito está suficientemente instruído e não se fazendo necessária a produção de prova, pode julgar a lide antecipadamente, deve-se ter cautela em casos como o apresentado nos autos, pois conforme assinala o recorrente "a alteração de nome envolve situação de desenganada excepcionalidade" (fl. 89).

4.1. Efetivamente, o nome civil é um dos atributos da personalidade, não possui conteúdo patrimonial, e é reconhecido à pessoa tanto no campo de sua esfera íntima, quanto nos desdobramentos de suas relações sociais.

É elemento distintivo do indivíduo, conforme preleciona Serpa Lopes (in Tratado dos Registros Públicos, vol. I, 5ª edição revista e atualizada, Brasília: Livraria Brasília Jurídica, p. 195):

Tal individualização é realizada através do nome, correspondendo isso a uma necessidade de ordem pública, qual a de evitar a confusão de uma pessoa com outra e tornar possível a aplicação da lei, o exercício de direitos e o cumprimento de obrigações. Por conseguinte, o nome visa ministrar o conjunto de elementos que permitam, de um lado, distinguir socialmente uma pessoa de outra; de outra parte, a sua fixação jurídica, quando necessária.

4.2. Na hipótese vertente, observa-se que a sentença e o acórdão recorrido decidiram a lide com base em razões subjetivas, sem qualquer substância fática palpável a apoiar seu entendimento.

A dicção do artigo dito violado indica a possibilidade de retificação do prenome, contudo, quando houver impugnação pelo Ministério Público ou outro interessado, só poderá ocorrer mediante dilação probatória.

4.2. Nota-se, destarte, a violação frontal do texto legal debatido, sendo certo que, nos termos do artigo 330, I do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado da lide apenas é possível "quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência."

5. Impende salientar, outrossim, a necessidade de se conceder oportunidade à recorrida para comprovação de seu direito alegado, mormente quando, à petição inicial, não foi juntada qualquer documentação ou indicação de testemunha aptas a demonstrar a necessidade invocada.

Apreciando caso semelhante, assim decidiu a Ministra Nancy Andrighi:
Civil. Recurso especial. Retificação de assentamento no registro civil. Alteração do prenome. Produção de prova requerida. Impugnação do Ministério Público. Julgamento antecipado da lide.

- O princípio da imutabilidade do prenome, estabelecido no art. 58 da LRP, comporta exceções, que devem ser analisadas atentamente pelo julgador.

- O art. 57 da LRP admite a alteração de nome civil, por exceção e motivadamente, com a oitiva do Ministério Público e a devida apreciação Judicial, sem descurar das peculiaridades da hipótese em julgamento. Precedentes.

- Se o Ministério Público impugna o pedido de retificação no registro civil, deve o juiz determinar a produção da prova, nos termos do art. 109, § 1º da LRP, notadamente quando requerida na inicial.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 729.429/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10.11.2005, DJ 28.11.05, p. 288)

Do voto condutor do julgado citado, extraio o seguinte excerto:

- Da violação ao art. 109, §§ 1º e 2º da LRP

A questão controvertida consiste em aferir se o julgamento antecipado da lide em procedimento de retificação de nome civil sem, portanto, o deferimento da produção de provas requerida na inicial é causa de cerceamento de defesa.

O fundamento utilizado para negar o pedido de alteração do nome da autora, tanto na sentença quanto no acórdão recorrido, foi o princípio da imutabilidade do prenome disposto no art. 58 da LRP.

Contudo, conforme a própria LRP estabelece, há exceções à regra da imutabilidade, sobre as quais tem o Poder Judiciário lançado olhar atento.

Sob essa ótica, tem o STJ permitido a alteração do nome civil, por exceção e motivadamente, com a oitiva do Ministério Público e a devida apreciação Judicial, nos termos do art. 57 da LRP (REsp 538.187/RJ, de minha relatoria, DJ de 21/02/2005; REsp 146.558/PR, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 24/02/2003; REsp 213.682/GO, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 02.12.2002; REsp 66.643/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 09/12/1997).

No processo sob julgamento, verifica-se que o pedido de retificação de assentamento de nascimento no registro civil, tem por escopo as seguintes motivações: (i) constrangimentos e dissabores causados pela utilização do nome FILOMENA; (ii) notoriedade no âmbito social com o nome APARECIDA. Tais alegações, contudo, não puderam ser provadas, ante o julgamento antecipado da lide.

Dessa forma, manifestada a pretensão de ver alterado assentamento de nascimento no registro civil, por exceção e motivadamente, ante a impugnação do Ministério Público, deveria o i. juiz ter aberto prazo para a produção da prova requerida na inicial para que se verificasse o enquadramento ou não nas ressalvas da lei, conforme estabelece o art. 57 c/c o art. 109, § 1º da LRP.

No mesmo sentido:

Prenome: alteração. Julgamento antecipado. Necessidade da dilação probatória. Precedente da Corte.

1. Impõe-se a dilação probatória quando a parte pretende comprovar as alegações que traz para alterar o prenome, presente a circunstância de que o julgado entendeu não estarem presentes condições excepcionais que justificariam a mudança.

2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 679.237/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24.08.2006, DJ 18.12.06, p. 368);

DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA. PRODUÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO.

Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, o princípio da imutabilidade do nome de família não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente, desde que presentes a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério Público, a alteração do patronímico, mediante sentença judicial.

No caso dos autos, atendidos os requisitos do artigo 57 c/c o parágrafo 1º do artigo 109 da Lei nº 6.015/73, deve ser autorizada a produção de prova requerida pela autora, quanto aos fatos que embasam o seu pedido inicial.

Recurso provido. (REsp 401138/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO,TERCEIRA TURMA, julgado em 26.06.2003, DJ 12.08.03, p. 219).

6. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a sentença e o acórdão recorrido, a fim de que se possibilite a dilação probatória necessária à comprovação da necessidade de retificação do assento registral da autora.

É como voto.

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