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13 de Maio de 2011
Jurisprudência STJ - Comercial e processo civil - Sociedade - Morte de um dos sócios - Encerramento irregular da empresa - Desconsideração da personalidade jurídica
Comercial e processo civil - Sociedade - Morte de um dos sócios - Encerramento irregular da empresa - Desconsideração da personalidade jurídica - Impossibilidade - (...) - 2. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional que somente pode ser decretada após a análise, no caso concreto, da existência de vícios que configurem abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o que não se verifica na espécie - 3. O falecimento de um dos sócios, embora possa gerar o encerramento das atividades da empresa, em função da unipessoalidade da sociedade limitada, não necessariamente importará em sua dissolução total, seja porque a participação na sociedade é atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, seja porque a jurisprudência tem admitido que o sócio remanescente explore a atividade econômica individualmente, de forma temporária, até que se aperfeiçoe a sucessão - (...) - 5. Recurso especial não conhecido. (Nota da Redação INR: ementa oficial - parcialmente reproduzida)
EMENTA
COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. SOCIEDADE. MORTE DE UM DOS SÓCIOS. ENCERRAMENTO IRREGULAR DA EMPRESA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211/STJ. 2. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional que somente pode ser decretada após a análise, no caso concreto, da existência de vícios que configurem abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o que não se verifica na espécie. 3. O falecimento de um dos sócios, embora possa gerar o encerramento das atividades da empresa, em função da unipessoalidade da sociedade limitada, não necessariamente importará em sua dissolução total, seja porque a participação na sociedade é atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, seja porque a jurisprudência tem admitido que o sócio remanescente explore a atividade econômica individualmente, de forma temporária, até que se aperfeiçoe a sucessão. 4. Para a configuração do dissídio jurisprudencial, faz-se necessária a indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e o paradigma, nos termos do parágrafo único, do art. 541, do Código de Processo Civil e dos parágrafos do art. 255 do Regimento Interno do STJ. 5. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp nº 846.331 - RS - 4ª Turma - Rel. Min. Luis Felipe Salomão - DJ 06.04.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de março de 2010 (data do julgamento)
Ministro Luis Felipe Salomão - Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em face de MRC Corretora de Seguros Ltda. Afirma o autor que, em 7 de março de 1996, as partes celebraram contrato, cujo objeto era a prestação de serviços de coleta, tratamento e entrega de correspondência na área de distribuição domiciliária de Porto Alegre. Alega que, embora tenha prestado regularmente os serviços contratados, a ré deixou de efetuar os pagamentos, motivo pelo qual requer a cobrança do débito, na valor total de R$ 470.09 (quatrocentos e setenta reais e nove centavos), atualizado a partir da data prevista para o pagamento de cada fatura até a efetiva quitação, acrescido de multa de 10% e juros de 0,033% ao dia e demais cominações legais.
A sócia Terezinha Norma Mentz foi inicialmente incluída no pólo passivo da demanda (fl. 25), mas logo depois requereu o autor a desconsideração da personalidade jurídica da firma executada, sob o fundamento de que ocorreu o seu encerramento irregular, tendo em vista não constar na Junta Comercial do Estado qualquer informação sobre o término das atividades da ré (fls. 21/23).
O juízo de primeira instância indeferiu o pedido e excluiu a sócia da demanda, afirmando que com o falecimento do sócio gerente, Oscar Mentz Neto, a sociedade foi extinta de pleno direito, face a inexistência de pluralidade de sócios (fls. 45/47).
O autor interpôs agravo de instrumento (fls. 3/9).
O Tribunal Regional Federal da 4a Região negou provimento ao recurso, restando o acórdão assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO.
A desconsideração da personalidade jurídica reveste-se de caráter de medida excepcional, apenas adotada para garantir a eficácia do processo executivo nos casos de fraude à lei ou contra terceiro, e apenas quando inequivocamente demonstrada a inexistência de bens da empresa suficientes à garantia da execução. (fls. 60/63)
Inconformado, o autor interpôs recurso especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando, em síntese:
a) violação aos arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC, vez que subsiste a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da empresa, quando o distrato da sociedade, judicial ou voluntário, deixar de ser registrado na Junta Comercial;
b) existência de dissídio jurisprudencial.
Admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fl. 146), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A questão controvertida reside em saber se, em uma ação de cobrança movida contra uma sociedade limitada, ocorrendo a morte de um dos dois sócios, a firma é automaticamente extinta, ficando autorizada a superação da personalidades jurídica da pessoa moral, de modo a se atingir os bens pessoais da sócia remanescente.
3. Observa-se, primeiramente, que os arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC não foram objeto de debate no acórdão recorrido. Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento, nos termos da súmula 211/STJ.
Para que se configure o prequestionamento, é necessário que o Tribunal a quo se pronuncie especificamente sobre a matéria articulada pelo recorrente, emitindo juízo de valor em relação aos dispositivos legais indicados e examinando a sua aplicação ou não ao caso concreto (AgRg no Ag 998.033/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 25/08/2008; AgRg no Ag 985.902/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008; EDcl no Ag 894.040/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 03/12/2007 p. 322).
Admite-se o prequestionamento implícito para conhecimento do recurso especial, desde que demonstrada, inequivocamente, a apreciação da tese à luz da legislação federal indicada, o que, repita-se, não ocorreu no presente caso.
4. Ainda que assim não fosse, cabe ressaltar que o alegado encerramento das atividades da empresa em virtude da morte de um dos sócios não justifica, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica.
4.1. Convém assinalar, para logo, que a "Disregard" é medida de caráter excepcional, tendo em vista a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios frente às obrigações da sociedade, acolhida como regra em nosso ordenamento jurídico para a constituição da sociedade limitada.
Nesse passo, a jurisprudência pátria, embora dispense ação autônoma para se "levantar o véu" da pessoa jurídica, somente permite tal providência em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (por todos, Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292).
Adota-se, assim, a "teoria maior" da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a ocorrência objetiva dos referidos requisitos para sua configuração, afastando-se a "teoria menor", segundo a qual bastaria a insuficiência de bens da sociedade para que os sócios fossem chamados a responder pessoalmente pelo passivo da pessoa jurídica.
De outra parte, a desconsideração da pessoa moral opera-se de forma episódica, não havendo, verdadeiramente, um desfazimento da personalidade jurídica.
Logo, somente após a análise dos vícios do caso concreto, o juiz pode desconsiderar a pessoa jurídica e atingir a pessoa natural dos sócios.
Fábio Ulhoa Coelho, ao tratar do tema, explica:
"A teoria da desconsideração nem sempre tem sido corretamente aplicada pelos juízes (e mesmo alguns tribunais) brasileiros. Essa aplicação incorreta reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. Nela, adota-se o pressuposto de que o simples desatendimento de crédito titularizado perante uma sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta, seria suficiente para a imputação de responsabilidade aos sócios ou acionistas. De acordo com esta distorção, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para a responsabilizá-lo por obrigações daquela. A aplicação apressada da teoria não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma. (Curso de direito comercial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48)
4.2. No caso ora em análise, é incontroverso que o capital social foi integralizado que que as atividades da sociedade foram encerradas, em função da morte do sócio-gerente, em 05 de agosto de 2000. Contudo, não houve a regular "baixa" do registro na junta comercial.
Tal circunstância, porém, não implica, por si só, em fraude ou abuso de direito e, tampouco, desvio de finalidade ou confusão patrimonial que justificasse a desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Cabe à credora, portanto, buscar, a fim de garantir o seu crédito, os bens da própria empresa, ressaltado-se que a inexistência de patrimônio, sem comprovação de que o esvaziamento da sociedade se deu por ação fraudulenta dos sócios, não justifica, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica.
4.3. Cumpre destacar, ainda, que o falecimento de um dos sócios, embora possa gerar o encerramento das atividades da empresa, em função da unipessoalidade da sociedade limitada, não necessariamente importará em sua dissolução total, seja porque a participação na sociedade é atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, seja porque a jurisprudência tem admitido que o sócio remanescente explore a atividade econômica individualmente, de forma temporária, até que se aperfeiçoe a sucessão.
Fábio Ulhoa Coelho destaca que:
A jurisprudência evoluiu para admitir, na hipótese de dissolução parcial da limitada de apenas dois sócios, a aplicação analógica da Lei das Sociedades por Ações (art. 206, I, d). A sociedade limitada de dois sócios podia, por esse entendimento, ser dissolvida parcialmente, e continuar existindo com um sócio apenas, pelo prazo de um ano. Vencido esse prazo e não restabelecida a pluralidade, opera-se, então, a dissolução total. Esse entendimento, comparado com o anterior, não acarreta as repercussões de custos acima apontadas e apresenta também a vantagem de preservar a limitação da responsabilidade do empreendedor. (Curso de direito comercial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 464)
Confira, também, o seguinte julgado:
LOCAÇÃO COMERCIAL - FALECIMENTO DOS SOCIOS DA LOCATARIA - SUCESSÃO "MORTIS CAUSA" - AÇÃO RENOVATORIA - LEGITIMIDADE ATIVA - DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA FIANÇA - JUNTADA POSTERIOR A PROPOSITURA DA AÇÃO - JULGAMENTO "EXTRA PETITA".
1. O FALECIMENTO DOS SOCIOS DA LOCATARIA NÃO IMPLICA NA EXTINÇÃO DA SOCIEDADE, QUE, INCLUSIVE, PODE ADQUIRIR AS PROPRIAS QUOTAS, TEMPORARIAMENTE, ATE QUE SE APERFEIÇOE A SUCESSÃO "MORTIS CAUSA".
2. A DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA FIANÇA PODE SER APRESENTADA APOS A PROPOSITURA DA AÇÃO, DESDE QUE O MAGISTRADO TENHA ESTABELECIDO PRAZO PARA ESSA FINALIDADE.
3. NÃO OCORRE JULGAMENTO "EXTRA PETITA" QUANDO O MAGISTRADO DEIXA DE ACOLHER O PEDIDO DA LOCATARIA, QUE OFERECE LOCATIVO INFERIOR AO QUE VEM SENDO PAGO PELO SISTEMA DE PERCENTUAL SOBRE O FATURAMENTO, PARA MANTER O SISTEMA ANTERIOR.
4. RECURSO IMPROVIDO.
(REsp 66812/DF, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/1998, DJ 22/06/1998 p. 183)
5. No tocante ao dissídio jurisprudencial, verifica-se que os acórdãos paradigmas não possuem os mesmos pressupostos fáticos do julgado recorrido. Na hipótese ora em análise, o encerramento das atividade da sociedade limitada se deu eu face da morte de sócio administrador, ao passo que nos casos paradigmas indicados houve distrato entre os sócios e encerramento irregular visando o não pagamento do credores.
Portanto, o recorrente não realizou corretamente o necessário cotejo analítico das decisões, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e o paradigma, nos termos do parágrafo único, do art. 541, do Código de Processo Civil e dos parágrafos do art. 255 do Regimento Interno do STJ. Nesse sentido os seguintes precedentes dessa Corte: EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 922.650/ES, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, Dje 01/12/2008; REsp 972.849/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 10/11/2008.
6. Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
EMENTA
COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. SOCIEDADE. MORTE DE UM DOS SÓCIOS. ENCERRAMENTO IRREGULAR DA EMPRESA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211/STJ. 2. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional que somente pode ser decretada após a análise, no caso concreto, da existência de vícios que configurem abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o que não se verifica na espécie. 3. O falecimento de um dos sócios, embora possa gerar o encerramento das atividades da empresa, em função da unipessoalidade da sociedade limitada, não necessariamente importará em sua dissolução total, seja porque a participação na sociedade é atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, seja porque a jurisprudência tem admitido que o sócio remanescente explore a atividade econômica individualmente, de forma temporária, até que se aperfeiçoe a sucessão. 4. Para a configuração do dissídio jurisprudencial, faz-se necessária a indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e o paradigma, nos termos do parágrafo único, do art. 541, do Código de Processo Civil e dos parágrafos do art. 255 do Regimento Interno do STJ. 5. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp nº 846.331 - RS - 4ª Turma - Rel. Min. Luis Felipe Salomão - DJ 06.04.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de março de 2010 (data do julgamento)
Ministro Luis Felipe Salomão - Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em face de MRC Corretora de Seguros Ltda. Afirma o autor que, em 7 de março de 1996, as partes celebraram contrato, cujo objeto era a prestação de serviços de coleta, tratamento e entrega de correspondência na área de distribuição domiciliária de Porto Alegre. Alega que, embora tenha prestado regularmente os serviços contratados, a ré deixou de efetuar os pagamentos, motivo pelo qual requer a cobrança do débito, na valor total de R$ 470.09 (quatrocentos e setenta reais e nove centavos), atualizado a partir da data prevista para o pagamento de cada fatura até a efetiva quitação, acrescido de multa de 10% e juros de 0,033% ao dia e demais cominações legais.
A sócia Terezinha Norma Mentz foi inicialmente incluída no pólo passivo da demanda (fl. 25), mas logo depois requereu o autor a desconsideração da personalidade jurídica da firma executada, sob o fundamento de que ocorreu o seu encerramento irregular, tendo em vista não constar na Junta Comercial do Estado qualquer informação sobre o término das atividades da ré (fls. 21/23).
O juízo de primeira instância indeferiu o pedido e excluiu a sócia da demanda, afirmando que com o falecimento do sócio gerente, Oscar Mentz Neto, a sociedade foi extinta de pleno direito, face a inexistência de pluralidade de sócios (fls. 45/47).
O autor interpôs agravo de instrumento (fls. 3/9).
O Tribunal Regional Federal da 4a Região negou provimento ao recurso, restando o acórdão assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO.
A desconsideração da personalidade jurídica reveste-se de caráter de medida excepcional, apenas adotada para garantir a eficácia do processo executivo nos casos de fraude à lei ou contra terceiro, e apenas quando inequivocamente demonstrada a inexistência de bens da empresa suficientes à garantia da execução. (fls. 60/63)
Inconformado, o autor interpôs recurso especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando, em síntese:
a) violação aos arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC, vez que subsiste a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da empresa, quando o distrato da sociedade, judicial ou voluntário, deixar de ser registrado na Junta Comercial;
b) existência de dissídio jurisprudencial.
Admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fl. 146), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A questão controvertida reside em saber se, em uma ação de cobrança movida contra uma sociedade limitada, ocorrendo a morte de um dos dois sócios, a firma é automaticamente extinta, ficando autorizada a superação da personalidades jurídica da pessoa moral, de modo a se atingir os bens pessoais da sócia remanescente.
3. Observa-se, primeiramente, que os arts. 337 e 338 do Código Comercial, 10 do Decreto 3.708/19, e 592, II, do CPC não foram objeto de debate no acórdão recorrido. Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento, nos termos da súmula 211/STJ.
Para que se configure o prequestionamento, é necessário que o Tribunal a quo se pronuncie especificamente sobre a matéria articulada pelo recorrente, emitindo juízo de valor em relação aos dispositivos legais indicados e examinando a sua aplicação ou não ao caso concreto (AgRg no Ag 998.033/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 25/08/2008; AgRg no Ag 985.902/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008; EDcl no Ag 894.040/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 03/12/2007 p. 322).
Admite-se o prequestionamento implícito para conhecimento do recurso especial, desde que demonstrada, inequivocamente, a apreciação da tese à luz da legislação federal indicada, o que, repita-se, não ocorreu no presente caso.
4. Ainda que assim não fosse, cabe ressaltar que o alegado encerramento das atividades da empresa em virtude da morte de um dos sócios não justifica, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica.
4.1. Convém assinalar, para logo, que a "Disregard" é medida de caráter excepcional, tendo em vista a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios frente às obrigações da sociedade, acolhida como regra em nosso ordenamento jurídico para a constituição da sociedade limitada.
Nesse passo, a jurisprudência pátria, embora dispense ação autônoma para se "levantar o véu" da pessoa jurídica, somente permite tal providência em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (por todos, Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292).
Adota-se, assim, a "teoria maior" da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a ocorrência objetiva dos referidos requisitos para sua configuração, afastando-se a "teoria menor", segundo a qual bastaria a insuficiência de bens da sociedade para que os sócios fossem chamados a responder pessoalmente pelo passivo da pessoa jurídica.
De outra parte, a desconsideração da pessoa moral opera-se de forma episódica, não havendo, verdadeiramente, um desfazimento da personalidade jurídica.
Logo, somente após a análise dos vícios do caso concreto, o juiz pode desconsiderar a pessoa jurídica e atingir a pessoa natural dos sócios.
Fábio Ulhoa Coelho, ao tratar do tema, explica:
"A teoria da desconsideração nem sempre tem sido corretamente aplicada pelos juízes (e mesmo alguns tribunais) brasileiros. Essa aplicação incorreta reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. Nela, adota-se o pressuposto de que o simples desatendimento de crédito titularizado perante uma sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta, seria suficiente para a imputação de responsabilidade aos sócios ou acionistas. De acordo com esta distorção, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para a responsabilizá-lo por obrigações daquela. A aplicação apressada da teoria não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma. (Curso de direito comercial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48)
4.2. No caso ora em análise, é incontroverso que o capital social foi integralizado que que as atividades da sociedade foram encerradas, em função da morte do sócio-gerente, em 05 de agosto de 2000. Contudo, não houve a regular "baixa" do registro na junta comercial.
Tal circunstância, porém, não implica, por si só, em fraude ou abuso de direito e, tampouco, desvio de finalidade ou confusão patrimonial que justificasse a desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Cabe à credora, portanto, buscar, a fim de garantir o seu crédito, os bens da própria empresa, ressaltado-se que a inexistência de patrimônio, sem comprovação de que o esvaziamento da sociedade se deu por ação fraudulenta dos sócios, não justifica, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica.
4.3. Cumpre destacar, ainda, que o falecimento de um dos sócios, embora possa gerar o encerramento das atividades da empresa, em função da unipessoalidade da sociedade limitada, não necessariamente importará em sua dissolução total, seja porque a participação na sociedade é atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, seja porque a jurisprudência tem admitido que o sócio remanescente explore a atividade econômica individualmente, de forma temporária, até que se aperfeiçoe a sucessão.
Fábio Ulhoa Coelho destaca que:
A jurisprudência evoluiu para admitir, na hipótese de dissolução parcial da limitada de apenas dois sócios, a aplicação analógica da Lei das Sociedades por Ações (art. 206, I, d). A sociedade limitada de dois sócios podia, por esse entendimento, ser dissolvida parcialmente, e continuar existindo com um sócio apenas, pelo prazo de um ano. Vencido esse prazo e não restabelecida a pluralidade, opera-se, então, a dissolução total. Esse entendimento, comparado com o anterior, não acarreta as repercussões de custos acima apontadas e apresenta também a vantagem de preservar a limitação da responsabilidade do empreendedor. (Curso de direito comercial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 464)
Confira, também, o seguinte julgado:
LOCAÇÃO COMERCIAL - FALECIMENTO DOS SOCIOS DA LOCATARIA - SUCESSÃO "MORTIS CAUSA" - AÇÃO RENOVATORIA - LEGITIMIDADE ATIVA - DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA FIANÇA - JUNTADA POSTERIOR A PROPOSITURA DA AÇÃO - JULGAMENTO "EXTRA PETITA".
1. O FALECIMENTO DOS SOCIOS DA LOCATARIA NÃO IMPLICA NA EXTINÇÃO DA SOCIEDADE, QUE, INCLUSIVE, PODE ADQUIRIR AS PROPRIAS QUOTAS, TEMPORARIAMENTE, ATE QUE SE APERFEIÇOE A SUCESSÃO "MORTIS CAUSA".
2. A DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA FIANÇA PODE SER APRESENTADA APOS A PROPOSITURA DA AÇÃO, DESDE QUE O MAGISTRADO TENHA ESTABELECIDO PRAZO PARA ESSA FINALIDADE.
3. NÃO OCORRE JULGAMENTO "EXTRA PETITA" QUANDO O MAGISTRADO DEIXA DE ACOLHER O PEDIDO DA LOCATARIA, QUE OFERECE LOCATIVO INFERIOR AO QUE VEM SENDO PAGO PELO SISTEMA DE PERCENTUAL SOBRE O FATURAMENTO, PARA MANTER O SISTEMA ANTERIOR.
4. RECURSO IMPROVIDO.
(REsp 66812/DF, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/1998, DJ 22/06/1998 p. 183)
5. No tocante ao dissídio jurisprudencial, verifica-se que os acórdãos paradigmas não possuem os mesmos pressupostos fáticos do julgado recorrido. Na hipótese ora em análise, o encerramento das atividade da sociedade limitada se deu eu face da morte de sócio administrador, ao passo que nos casos paradigmas indicados houve distrato entre os sócios e encerramento irregular visando o não pagamento do credores.
Portanto, o recorrente não realizou corretamente o necessário cotejo analítico das decisões, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e o paradigma, nos termos do parágrafo único, do art. 541, do Código de Processo Civil e dos parágrafos do art. 255 do Regimento Interno do STJ. Nesse sentido os seguintes precedentes dessa Corte: EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 922.650/ES, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, Dje 01/12/2008; REsp 972.849/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 10/11/2008.
6. Ante o exposto, não conheço do recurso especial.