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07 de Março de 2006
Vale do Ribeira - Isolamento marca vale da pobreza paulista
Com 400 mil habitantes e representação econômica inferior a 0,5% do PIB de São Paulo, o Vale do Ribeira, região mais pobre do Estado mais rico do país, entra no ano eleitoral com a certeza de que será rota de peregrinação dos candidatos, sem a garantia de que isso fará alguma diferença quando os mandatos se iniciarem. São 23 cidades localizadas no sudoeste paulista que compõem um bolsão de pobreza com indicadores sociais que muito se destoam da média do Estado.
Apesar de, nos dez anos em que São Paulo está sob o comando do PSDB, ter havido melhora em importantes indicadores sociais - o que pode explicar os elevados índices de votação que os tucanos têm na região- problemas estruturais do Vale do Ribeira seguem sem resolução. A região sofre com a falta de boa comunicação viária entre cidades e com o elevado número de terras devolutas e não-discriminadas, cujo lento processo de regularização dificulta a concessão de financiamentos. Além disso, há características ambientais específicas, como o relevo montanhoso e a presença de mais de 60% de áreas protegidas pela legislação ambiental, mas historicamente ocupadas por grileiros, posseiros e comunidades quilombolas que reivindicam o direito de utilizarem-na economicamente.
O resultado disso é o desnível dos indicadores da região em relação ao restante do Estado, conforme levantamento da Fundação Seade feito para os municípios da região administrativa de Registro, o chamado "Baixo Vale", que engloba catorze cidades: a taxa de urbanização é de 67,5%, contra 93,41% do Estado. O analfabetismo atinge 11,84 % das pessoas maiores de 15 anos, enquanto a média paulista é de 6,64. A economia representa 0,1% do valor adicionado da indústria estadual, 0,1% do setor de serviços e 0,6% do comércio.
Segundo o chefe da divisão de Estudos Econômicos da Fundação Seade, Miguel Matteo, colabora para esse cenário a ausência de políticas regionais específicas. "Nunca houve política eficaz de desenvolvimento do Vale do Ribeira. Isso, sem dúvida, atrasa sua evolução. A região fica à margem do que ocorre em outras regiões do Estado. " Para ele, "se não forem mexidas em questões estruturais da região, o Vale do Ribeira nunca avançará".
A assertiva, porém, não significa que nada foi feito por lá. Sob o governo Alckmin, ações importantes foram realizadas, como a instalação do primeiro núcleo de tratamento de câncer da região, a construção de 13 escolas e a entrega de mais de mil casas próprias. Mas sempre como iniciativas isoladas.
Enquanto as políticas específicas não vêm, lideranças regionais encontraram um meio próprio de se articularem. O principal movimento é o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (Codivar). Criado em 1989, é composto pelos 23 prefeitos da região e funciona como gestor político, unindo-se para suas reivindicações. Atualmente, o pleito maior é pela complementação dos recursos do Fundisvar, fundo criado por Mário Covas e que seria abastecido pelos R$ 95 milhões oriundos do ágio da venda da Comgás.
A primeira metade desses recursos veio já no governo Alckmin. Metade foi destinada a obras regionais, como a finalização do aeroporto de Registro e a pavimentação e perenização de estradas; um terço para a celebração de convênios com municípios e cerca de 10% para o financiamento de projetos privados. A segunda metade está por vir e atualmente é a principal luta do consórcio. "Esse dinheiro aí parece que ficou para trás. O governo do Estado está em débito com a região. Pode até dizer que fez isso ou aquilo, mas não foi isso que foi acordado", diz o prefeito de Juquiá e atual presidente do Codivar, Manoel Soares da Costa, do PMDB, um dos partidos da base aliada do governador. Procurado, o Palácio dos Bandeirantes não informou se concederá a segunda parcela dos recursos.
Outra reivindicação que promete colocar em pauta é a criação de uma secretaria de Estado específica para o desenvolvimento do Vale do Ribeira. Algo como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), fez ao criar a Secretaria Especial do Vale do Jequitinhonha, Mucuri e Norte de Minas. A pasta desenvolve políticas específicas para a região norte do Estado, com baixos índices de desenvolvimento econômico e social. Já em São Paulo, o braço do Palácio dos Bandeirantes no Vale limita-se a um escritório em Registro.
Para a professora de economia regional da Universidade Federal de Pernambuco, Tania Bacelar, o fato de São Paulo ter áreas muito ricas faz com que seus bolsões de pobreza sejam colocados de lado. "Se pegarmos na escala macro, São Paulo é uma potência e, assim, apagam-se eventuais problemas regionais. Mas é só ir ao vale do Ribeira para se constatar que ele ainda é um desafio esquecido pelos paulistas."
Tania, que atuou no Ministério da Integração Nacional como secretária de Políticas de Desenvolvimento Regional, compara o tratamento dado pelo PSDB paulista a sua região mais vulnerável com a forma como o governo Fernando Henrique Cardoso tratou o Nordeste brasileiro. "A visão do PSDB para o regional é focada nos eixos já desenvolvidos, que, na verdade, são grandes corredores de integração que visam interagir o pedaço mais rico e dinâmico do país com o mundo. É uma visão insuficiente para dar conta do Brasil. Eu não sou contra isso, o Brasil já tem pedaços que são capazes de se integrar no mundo, mas e o resto que não é? A elite paulista tem dificuldade de entender o Brasil que eles consideram atrasado", afirma.
O Executivo estadual não é o único a ser responsabilizado pelos males da região. Pesa muito também a ausência de representação política direta na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa. Dos 94 deputados estaduais, nenhum é diretamente vinculado a esses municípios. Os deputados mais votados costumam ser de regiões próximas, como a Baixada Santista e Sorocaba. Esse quadro se deve primeiro à própria população que vota nos "de fora".
Mas há culpa também dos prefeitos da região. Ciosos da dificuldade de que o reduzido eleitorado possa eleger representantes diretos e de olho nas promessas de liberação de recursos no exercício do mandato, eles já entram no período eleitoral firmando compromissos com candidatos de outras localidades. Isso barra a formulação de uma solução que parece lógica: a consolidação de candidaturas regionais.
Uma das razões históricas para o subdesenvolvimento do Vale do Ribeira é sua marginalização face aos ciclos econômicos paulistas, em especial o do café, justamente pelas características de seu meio ambiente, impróprio para o cultivo do produto. Com forte presença da imigrantes japoneses, a base de sua economia sempre foi o cultivo do arroz que, posteriormente, deu lugar ao chá e à banana - esta responsável por 68% da produção estadual.
A primeira ação governamental específica foi do governador Laudo Natel, que em 1969 criou a Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa). Sua intenção, porém, não era promover o desenvolvimento local, mas colocar o Estado na região e afastar da área militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, grupo de resistência ao regime militar liderado pelo guerrilheiro Carlos Lamarca que havia se deslocado à região para montar uma guerrilha rural. Até hoje há no vale a "trilha de Lamarca". Ainda assim, a atuação do órgão é considerada razoável, embora focada em pequenos projetos de infra-estrutura.
Há um consenso na região de que um plano de ação deveria começar por priorizar a regularização de terras, problema histórico do Vale. Mais de 40% delas não são discriminadas e cerca de 15% são devolutas. Há cidades inteiras na região cujas terras estão em litígio. "A questão fundiária lá é primordial. Tem que ter prioridade. Se não mexe na posse da terra, os projetos de desenvolvimento não dão resultados. Não tem documentação, tem muito grileiro, posseiro. Quando tem a terra não sabe de quem é", afirma Matteo, do Seade.
O ritmo de regularização é lento. Desde 1995, 36 mil hectares foram regularizados. Pouco ao se constatar que 600 mil hectares não estão discriminados e 134 mil são devolutos. No Itesp, autarquia estadual responsável pela regularização, um dos dirigentes reclama do insuficiente número de profissionais para o trabalho. "Temos hoje cerca de 50 pessoas trabalhando no Vale. O ideal seria, no mínimo, mais 30. Mas muita gente sai, prefere trabalhar no mercado, que paga melhor", diz.
Outro motivo apontado é a alteração na lei de registros públicos, que passou a fazer mais exigências para a regularização. "Devido a ela, tivemos que ter um período de adaptação e aquisição de equipamento." A falta de comunicação viária também prejudica a região. Diferentemente de outras regiões do Estado, cortadas por auto estradas, a única pista dupla estadual que se aproxima do local é a SP-127, que termina em Capão Bonito. A outra rodovia dupla é a federal Régis Bittencourt, cujo processo de duplicação está em fase final, faltando apenas o trecho da Serra do Cafezal, próximo a São Paulo.
Autor: Caio Junqueira, De Barra do Chapéu (SP)
Fonte: Jornal Valor Econômico
Apesar de, nos dez anos em que São Paulo está sob o comando do PSDB, ter havido melhora em importantes indicadores sociais - o que pode explicar os elevados índices de votação que os tucanos têm na região- problemas estruturais do Vale do Ribeira seguem sem resolução. A região sofre com a falta de boa comunicação viária entre cidades e com o elevado número de terras devolutas e não-discriminadas, cujo lento processo de regularização dificulta a concessão de financiamentos. Além disso, há características ambientais específicas, como o relevo montanhoso e a presença de mais de 60% de áreas protegidas pela legislação ambiental, mas historicamente ocupadas por grileiros, posseiros e comunidades quilombolas que reivindicam o direito de utilizarem-na economicamente.
O resultado disso é o desnível dos indicadores da região em relação ao restante do Estado, conforme levantamento da Fundação Seade feito para os municípios da região administrativa de Registro, o chamado "Baixo Vale", que engloba catorze cidades: a taxa de urbanização é de 67,5%, contra 93,41% do Estado. O analfabetismo atinge 11,84 % das pessoas maiores de 15 anos, enquanto a média paulista é de 6,64. A economia representa 0,1% do valor adicionado da indústria estadual, 0,1% do setor de serviços e 0,6% do comércio.
Segundo o chefe da divisão de Estudos Econômicos da Fundação Seade, Miguel Matteo, colabora para esse cenário a ausência de políticas regionais específicas. "Nunca houve política eficaz de desenvolvimento do Vale do Ribeira. Isso, sem dúvida, atrasa sua evolução. A região fica à margem do que ocorre em outras regiões do Estado. " Para ele, "se não forem mexidas em questões estruturais da região, o Vale do Ribeira nunca avançará".
A assertiva, porém, não significa que nada foi feito por lá. Sob o governo Alckmin, ações importantes foram realizadas, como a instalação do primeiro núcleo de tratamento de câncer da região, a construção de 13 escolas e a entrega de mais de mil casas próprias. Mas sempre como iniciativas isoladas.
Enquanto as políticas específicas não vêm, lideranças regionais encontraram um meio próprio de se articularem. O principal movimento é o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (Codivar). Criado em 1989, é composto pelos 23 prefeitos da região e funciona como gestor político, unindo-se para suas reivindicações. Atualmente, o pleito maior é pela complementação dos recursos do Fundisvar, fundo criado por Mário Covas e que seria abastecido pelos R$ 95 milhões oriundos do ágio da venda da Comgás.
A primeira metade desses recursos veio já no governo Alckmin. Metade foi destinada a obras regionais, como a finalização do aeroporto de Registro e a pavimentação e perenização de estradas; um terço para a celebração de convênios com municípios e cerca de 10% para o financiamento de projetos privados. A segunda metade está por vir e atualmente é a principal luta do consórcio. "Esse dinheiro aí parece que ficou para trás. O governo do Estado está em débito com a região. Pode até dizer que fez isso ou aquilo, mas não foi isso que foi acordado", diz o prefeito de Juquiá e atual presidente do Codivar, Manoel Soares da Costa, do PMDB, um dos partidos da base aliada do governador. Procurado, o Palácio dos Bandeirantes não informou se concederá a segunda parcela dos recursos.
Outra reivindicação que promete colocar em pauta é a criação de uma secretaria de Estado específica para o desenvolvimento do Vale do Ribeira. Algo como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), fez ao criar a Secretaria Especial do Vale do Jequitinhonha, Mucuri e Norte de Minas. A pasta desenvolve políticas específicas para a região norte do Estado, com baixos índices de desenvolvimento econômico e social. Já em São Paulo, o braço do Palácio dos Bandeirantes no Vale limita-se a um escritório em Registro.
Para a professora de economia regional da Universidade Federal de Pernambuco, Tania Bacelar, o fato de São Paulo ter áreas muito ricas faz com que seus bolsões de pobreza sejam colocados de lado. "Se pegarmos na escala macro, São Paulo é uma potência e, assim, apagam-se eventuais problemas regionais. Mas é só ir ao vale do Ribeira para se constatar que ele ainda é um desafio esquecido pelos paulistas."
Tania, que atuou no Ministério da Integração Nacional como secretária de Políticas de Desenvolvimento Regional, compara o tratamento dado pelo PSDB paulista a sua região mais vulnerável com a forma como o governo Fernando Henrique Cardoso tratou o Nordeste brasileiro. "A visão do PSDB para o regional é focada nos eixos já desenvolvidos, que, na verdade, são grandes corredores de integração que visam interagir o pedaço mais rico e dinâmico do país com o mundo. É uma visão insuficiente para dar conta do Brasil. Eu não sou contra isso, o Brasil já tem pedaços que são capazes de se integrar no mundo, mas e o resto que não é? A elite paulista tem dificuldade de entender o Brasil que eles consideram atrasado", afirma.
O Executivo estadual não é o único a ser responsabilizado pelos males da região. Pesa muito também a ausência de representação política direta na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa. Dos 94 deputados estaduais, nenhum é diretamente vinculado a esses municípios. Os deputados mais votados costumam ser de regiões próximas, como a Baixada Santista e Sorocaba. Esse quadro se deve primeiro à própria população que vota nos "de fora".
Mas há culpa também dos prefeitos da região. Ciosos da dificuldade de que o reduzido eleitorado possa eleger representantes diretos e de olho nas promessas de liberação de recursos no exercício do mandato, eles já entram no período eleitoral firmando compromissos com candidatos de outras localidades. Isso barra a formulação de uma solução que parece lógica: a consolidação de candidaturas regionais.
Uma das razões históricas para o subdesenvolvimento do Vale do Ribeira é sua marginalização face aos ciclos econômicos paulistas, em especial o do café, justamente pelas características de seu meio ambiente, impróprio para o cultivo do produto. Com forte presença da imigrantes japoneses, a base de sua economia sempre foi o cultivo do arroz que, posteriormente, deu lugar ao chá e à banana - esta responsável por 68% da produção estadual.
A primeira ação governamental específica foi do governador Laudo Natel, que em 1969 criou a Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa). Sua intenção, porém, não era promover o desenvolvimento local, mas colocar o Estado na região e afastar da área militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, grupo de resistência ao regime militar liderado pelo guerrilheiro Carlos Lamarca que havia se deslocado à região para montar uma guerrilha rural. Até hoje há no vale a "trilha de Lamarca". Ainda assim, a atuação do órgão é considerada razoável, embora focada em pequenos projetos de infra-estrutura.
Há um consenso na região de que um plano de ação deveria começar por priorizar a regularização de terras, problema histórico do Vale. Mais de 40% delas não são discriminadas e cerca de 15% são devolutas. Há cidades inteiras na região cujas terras estão em litígio. "A questão fundiária lá é primordial. Tem que ter prioridade. Se não mexe na posse da terra, os projetos de desenvolvimento não dão resultados. Não tem documentação, tem muito grileiro, posseiro. Quando tem a terra não sabe de quem é", afirma Matteo, do Seade.
O ritmo de regularização é lento. Desde 1995, 36 mil hectares foram regularizados. Pouco ao se constatar que 600 mil hectares não estão discriminados e 134 mil são devolutos. No Itesp, autarquia estadual responsável pela regularização, um dos dirigentes reclama do insuficiente número de profissionais para o trabalho. "Temos hoje cerca de 50 pessoas trabalhando no Vale. O ideal seria, no mínimo, mais 30. Mas muita gente sai, prefere trabalhar no mercado, que paga melhor", diz.
Outro motivo apontado é a alteração na lei de registros públicos, que passou a fazer mais exigências para a regularização. "Devido a ela, tivemos que ter um período de adaptação e aquisição de equipamento." A falta de comunicação viária também prejudica a região. Diferentemente de outras regiões do Estado, cortadas por auto estradas, a única pista dupla estadual que se aproxima do local é a SP-127, que termina em Capão Bonito. A outra rodovia dupla é a federal Régis Bittencourt, cujo processo de duplicação está em fase final, faltando apenas o trecho da Serra do Cafezal, próximo a São Paulo.
Autor: Caio Junqueira, De Barra do Chapéu (SP)
Fonte: Jornal Valor Econômico