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23 de Junho de 2008

Artigo Especial - A Situação Jurídica dos Índios e seus Reflexos no Registro Civil das Pessoas Naturais

Título:
A Situação Jurídica dos Índios e seus Reflexos no Registro Civil das Pessoas Naturais.
Parte I - Abordagem genérica e sintética; e recomendações preliminares ao Registrador Civil das Pessoas Naturais.
Autor:
LISBOA SANTOS, Antonio Luiz Matarazzo. É Bacharel em Direito pela USJT - Universidade São Judas Tadeu, e Especializando em Direito Notarial e Registral pela UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina. Exerceu a advocacia em São Paulo (SP). Foi Registrador Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede, e Tabelião de Notas em São Miguel do Guaporé (RO), onde também respondeu pelos serviços de Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e Tabelionato de Protesto de Títulos e Documentos. Atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede, e Anexo de Notas da Comarca de Caconde (SP).
Resumo:
O presente estudo está dividido em duas partes. Na Parte I faremos uma abordagem sintética e panorâmica da situação jurídica atual do índio no Brasil. Pincelaremos alguns cuidados preliminares que o registrador civil deve tomar, suficientes para que a inserção do índio no nosso sistema jurídico não afaste a incidência de direitos e benefícios estatutários que lhe são peculiares. Na Parte II trataremos da questão: da cidadania; da demonstração da capacidade; dos direitos, benefícios e interesses indígenas versus os não indígenas; dos registros administrativos da FUNAI; e da casuística que se tem apresentado no Registro Civil das Pessoas Naturais.
Palavras-chave:
Índio - Capacidade - Registro administrativo - Registro civil - Casuística.
1 - O Índio e os Povos Indígenas
Muitas foram as denominações que já se deram aos índios.[1] Na legislação colonial, eram chamados de gentios,[2] ou índios;[3] na imperial de indígenas, primordialmente;[4] na republicana, inclusive no Código Civil de 1916, especialmente a de silvícola, dentre outras, sendo a mais recente e corrente, mormente desde a Constituição de 1988, a de índios.[5]
Nas últimas décadas, uma definição que tem sido amplamente aceita, é a do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, que em trabalho publicado em 1949, assim definiu o indígena: [6]
 "(....) aquela parcela da população brasileira que apresenta problemas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato".
O Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001, de 19/12/1973), que ainda está em vigor, de maneira muito semelhante assim conceitua:
Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as definições a seguir discriminadas:
I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional;
II - Comunidade Indígena ou Grupo Tribal - É um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados.
Art. 4º Os índios são considerados:
I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;
II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservem menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;
III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
Desde os primórdios da colonização vigia uma concepção ideológica paternalista e intervencionista, e até mesmo contraditória, na medida em que de um lado era reconhecida a diversidade cultural das sociedades indígenas, mas, ao mesmo tempo, "considerava-se que essas sociedades precisavam evoluir rapidamente, até serem integradas na sociedade nacional, o que equivale, na prática, a negar a diversidade".[7]
Diplomas recentes, como a Constituição Federal de 1988, ainda não totalmente regulamentada no tocante às relações do Estado brasileiro com as populações indígenas,[8] trouxe inegável evolução em relação àquelas concepções ideológicas, "na medida em que reconheceu a permanente diversidade e especificidade cultural dos índios. Também legitimou qualquer processo judicial movido por eles através do Ministério Público,[9] que está encarregado de defendê-los judicialmente".[10](grifo nosso)
2 - O Princípio do Indigenato e Tradicionalidade
Os índios têm direito originário às suas terras, conforme informado pelo princípio do indigenato e tradicionalidade.
Vamos ao ensinamento de José Afonso da Silva:
"3. O INDIGENATO. Os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direitos originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas." (OS DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO - Núcleos de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 48 - 1993)"
"(...) O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições."  OS DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 47/48 - 1993)"
João Mendes Júnior já lecionava, no início do século passado:
"(...) as terras do indigenato sendo terras congenitamente possuídas, não são devolutas, isto é são originariamente reservadas, na forma do Alvará de 1º de abril de 1680 e por deducção da própria Lei de 1850 e do art. 24, § 1º, do Decreto de 1854 (...)" (Os Indígenas do Brazil, seus Direitos Individuaes e Políticos - pág. 62 - 1912)
O princípio, que esteve presente nas Constituições Federais de 1891, 1934, 1946, 1967 e 1969,[11] foi adotado pela Constituição de 1988 nos seguintes dispositivos:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
3 - Legislação Indigenista em Vigor
A situação jurídica do índio vem disciplinada em uma vasta rede de diplomas, minuciosamente descritos e reproduzidos na excelente obra intitulada Legislação Indigenista Brasileira e Normas Correlatas, que reúne atos, leis e decretos referentes às atribuições governamentais e os direitos das sociedades indígenas.[12]
Dentre eles destacamos os seguintes, além da Constituição Federal de 1988: Lei de Criação da FUNAI (Lei nº 5.371, de 5/12/1967), Regimento Interno da Funai (Decreto nº 4.645, de 25/03/2003), Estatuto do Índio (Lei nº 6.001, de 19/12/1973), Educação Indígena (Decreto nº 26, de 04/02/1991), Prestação de Assistência aos Povos Indígenas (Decreto nº 3.156, de 27/08/1999).
A FUNAI - Fundação Nacional do Índio, criada por meio da Lei nº 5.371, de 05/12/1967, em substituição ao então recém extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), vem aplicando, ao longo de seus 40 anos de existência, a política indigenista do governo brasileiro. Novas mudanças estruturais e administrativas vêm sendo implementadas, desde então, de modo que possa "cumprir as determinações da Constituição e adequar suas ações de forma a atender melhor às necessidades e aspirações das populações indígenas."[13]
No Estado de São Paulo, na cidade de Bauru, está instalada uma de suas Administrações Executivas Regionais, além de vários Postos Indígenas junto a aldeias, especialmente nas regiões do Centro-Oeste e Litoral paulista.[14]
Os interesses indígenas são defendidos pela Procuradoria-Geral da Fundação Nacional do Índio que permanece responsável pelas atividades judiciais que, de interesse individual ou coletivo dos índios, não se confundam com a representação judicial da União. Na hipótese de coexistirem, em determinada ação, interesses da União e de índios, a Procuradoria-Geral da Fundação Nacional do Índio ingressará no feito juntamente com a Procuradoria da Advocacia-Geral da União.[15] A Procuradoria Federal Especializada da Fundação Nacional do Índio (PFE-FUNAI) é órgão integrante da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União (AGU).
Também o Ministério Público da União (MPU)[16] tem legitimação[17] para defender os direitos e interesses coletivos das populações[18] ou comunidades indígenas.[19] Ainda que não promova diretamente o feito, o Parquet, dada sua atribuição constitucional de custo legis, deverá intervir, nesta qualidade, nas demandas que envolvam interesse indígena de qualquer natureza: individual, coletivo ou difuso.
4 - Uma abordagem das capacidades de direito e de fato,
como medidas da personalidade jurídica do índio
A Doutrina Indigenista moderna vem chamando a atenção para o uso inapropriado (e por isso deve ser, no mínimo, usado contextualmente com cautela) de alguns conceitos anteriores à Constituição de 1988, ainda literalmente estampados em dispositivos legais (lato sensu) anteriores a ela, de que é um primeiro exemplo a classificação dos índios em isolados, em vias de integração e integrados, contida no vigente Estatuto do Índio.
Um segundo exemplo é o do § 2º, do art. 50, da Lei de Registros Públicos, Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, mas que só entrou em vigor em 1º de janeiro de 1976, verbis:
Art. 50 Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado no lugar (omissis).
§ 2º Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição de nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de assistência aos índios.
O terceiro ponto que merece atenção é o da chamada capacidade do índio, cuja interpretação deve ser feita sistematicamente entre as disposições da Constituição Federal de 1988, do Estatuto do Índio e do Código Civil de 2002.
O Código Civil de 2002 deixou de tratar os índios como relativamente incapazes,[20] passando a dispor no parágrafo único de seu art. 4º que " a capacidade dos índios será regulada por legislação especial", que continua sendo o Estatuto do Índio de 1973, que muitos doutrinadores indigenistas consideram refletir uma visão integracionista ultrapassada, e portanto não mais aplicável após o advento da Constituição de 1988.
A capacidade genérica de direito do índio vem assim disciplinada no seu Estatuto:
Título I - Dos Princípios e Definições
Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.
Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei.
TÍTULO II - Dos Direitos Civis e Políticos
CAPÍTULO I - Dos Princípios
Art. 5º Aplicam-se aos índios ou silvícolas as normas dos artigos 145 e 146, da Constituição Federal,[21] relativas à nacionalidade e à cidadania.
Parágrafo único. O exercício dos direitos civis e políticos pelo índio depende da verificação das condições especiais estabelecidas nesta Lei e na legislação pertinente.
Art. 6º Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito comum.
Parágrafo único. Aplicam-se as normas de direito comum às relações entre índios não integrados e pessoas estranhas à comunidade indígena, excetuados os que forem menos favoráveis a eles e ressalvado o disposto nesta Lei.
Finalmente, um quarto exemplo a respeito de conceitos que devem ser reinterpretados à luz da Carta Magna vigente é o de capacidade de fato e, em decorrência deste, o de tutela.
CAPÍTULO II - Da Assistência ou Tutela
Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito (sic) ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.
§ 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum, independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória.
§ 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas.
Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente.
Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.
Art. 9º Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente[22] a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes:
I - idade mínima de 21 anos;[23]
II - conhecimento da língua portuguesa;
III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional;
IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional.
Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária, ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público, transcrita a sentença concessiva no registro civil.
Art. 10. Satisfeitos os requisitos do artigo anterior e a pedido escrito do interessado, o órgão de assistência poderá reconhecer ao índio, mediante declaração formal, a condição de integrado, cessando toda restrição à capacidade, desde que, homologado judicialmente o ato, seja inscrito no registro civil.
Art. 11. Mediante decreto do Presidente da República, poderá ser declarada a emancipação da comunidade indígena e de seus membros, quanto ao regime tutelar estabelecido em lei, desde que requerida pela maioria dos membros do grupo e comprovada, em inquérito realizado pelo órgão federal competente, a sua plena integração na comunhão nacional.
Parágrafo único. Para os efeitos do disposto neste artigo, exigir-se-á o preenchimento, pelos requerentes, dos requisitos estabelecidos no artigo 9º.
O art. 37 do Estatuto do Índio assim dispõe:
Art. 37. Os grupos tribais ou comunidades indígenas são partes legítimas[24] para a defesa dos seus direitos em juízo, cabendo-lhes, no caso, a assistência do Ministério Público Federal ou do órgão de proteção ao índio.
Transcrevo aqui a lição do Procurador Federal Antonio Cavaliere Gomes,[25] que ao tratar da legitimação processual do índio, enquanto indivíduo, está no fundo a discorrer também, de modo mediato, sobre sua personalidade jurídica, ou seja, suas capacidades genéricas de direito e de fato.
Tracemos, agora, voltando à questão específica que aqui se trata, um paralelo entre o já visto art. 37 da lei nº 6001/73 (omissis) e o art. 232 da Constituição de 1988. Observemos este último:
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo[26] em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
As principais diferenças são a inclusão, na Constituição de 1988, da expressão "índios", dando a idéia da possibilidade do ingresso do índio em juízo de forma individual, e a substituição da obrigatória assistência feita ou pelo M.P.F ou pela FUNAI pela mera intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo.
Este artigo constitucional é fundamental para o tema que aqui se trata, uma vez que serve como "fundamento de validade" para todas as outras normas relacionadas, usando-se da expressão utilizada por Hans Kelsen,(1) ao definir a relação entre as normas constitucionais e infraconstitucionais.
Primeiramente, cabe frisar que tal dispositivo deve receber uma interpretação extensiva, com alargamento de seu sentido, na medida em que é norma assecuratória de direitos(2).
Assim, entendemos que o dispositivo visou garantir o direito dos índios e de suas comunidades ao acesso à justiça, de forma independente, reconhecendo-os como legítimos integrantes e participantes do Estado Democrático de Direito.
(1) Teoria Pura do Direito, 1979, pág. 310.
(2) Vide Luis Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, Editora Saraiva.
5 - Capacidade Eleitoral e Serviço Militar
O tema da cidadania,[27] em sentido jurídico estrito, ou seja, a que decorre do status civitatis de um indivíduo, e suas implicações com o Direito Registral, será abordada na segunda parte deste trabalho. Faremos aqui apenas breves considerações sobre capacidade eleitoral e alistamento militar.
De maneira singela, uma dentre as questões polêmicas que usualmente se apresentam é a de definir se há obrigação, ou não, de o índio integrado ser inserido formalmente na ordem jurídica vigente, e de que maneira se dá essa inserção. Usualmente o instrumento mais idôneo é o registro civil de nascimento (mas não só ele).
Por enquanto, vamos nos ater aos índios oriundos de comunidades não integradas, os quais ainda não requereram sua liberação do regime tutelar previsto no Estatuto do Índio.
A situação eleitoral e de alistamento militar acabam vindo à tona de forma inter-relacionadas. Transcrevemos alguns excertos de Parecer da Procuradoria Federal Especializada da Funai (PFE-FUNAI), para reflexão dos leitores.
1. Trata-se de manifestação acerca do Memo nº. 004/2008/PGF/PFE/FUNAI/BEL/PA em que se solicita providências desta Procuradoria no sentido de possibilitar a inscrição dos índios como eleitores, haja vista que o Juiz Eleitoral Local do Pará se nega peremptoriamente a aceitar referidas inscrições.
2. Memo n° 072/2007/PGF/PFE/FUNAI/BEL/PA informando esta Procuradoria do inteiro teor da Resolução nº 4.259/07 do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, resultante da Consulta nº. 171 - Classe XIII - Belém/PA, proveniente do Juízo da 40ª Zona Eleitoral de Tucuruí/PA, o qual manifesta a exigibilidade do comprovante de quitação militar apenas aos índios integrados quando do alistamento eleitoral.
4. Cópia do Ofício nº 726/2007 informando que o Pleno do TRE editou a Resolução nº 4.259, com respaldo na Resolução nº 20.806 do TSE,[28] manifestando-se pela exigibilidade do comprovante de quitação militar apenas aos índios integrados. Ademais, acrescentou que o relator, em seu voto, expressou-se nos seguintes termos: "Esclareça-se: os índios não integrados, por subsistirem suas restrições à capacidade, não podem se alistar como eleitores e, doravante, não é deles exigível qualquer documento, tampouco quitação militar".
7. O Estatuto do Índio, editado pela Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, surgiu no contexto da Constituição de 1967, com redação dos artigos sobre os índios dados pela Emenda n. 01/69, que distinguia índios integrados dos índios não integrados (omissis).
8. Assim, entendia-se que os índios não integrados deveriam ser tutelados, ou assistidos e representados pela União, através do órgão federal de assistência aos silvícolas.
9. Todavia, a classificação dos índios em relação ao seu grau de integração perdurou tão somente até a Constituição de 1988, quando esta reconheceu expressamente (artigo 232) aos índios, suas comunidades e organizações a capacidade processual, ou seja, a possibilidade de ser parte legítima para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.
10. Dessa forma, havendo a Carta Magna reconhecido a capacidade processual das comunidades indígenas, CLARO ESTÁ QUE RECONHECE, DE FORMA GERAL, A CAPACIDADE JURÍDICA PLENA DOS ÍNDIOS, restando prejudicada qualquer distinção que tenha como parâmetro referido nível de integração à comunhão nacional.
11. Com fundamento na supremacia da norma constitucional, derrogou-se tacitamente o art. 4º, inciso III, do Estatuto do Índio, não merecendo proceder qualquer decisão judicial com base nesta distinção, que não mais existe no ordenamento jurídico pátrio por ser eivada de inconstitucionalidade. Isso porque a Constituição Federal de 1988 superou a visão integracionista que vigorava, adotando o principio do respeito e preservação à organização sócio-cultural das comunidades indígenas.
12. Desse modo, o Estatuto do Índio, ao ser tratado como norma regulamentadora da capacidade civil dos índios, afronta flagrantemente a Constituição Federal de 1988 ao prever a tutela dos índios não-integrados, não sendo portanto recepcionado pela mesma.[29]
17. Impende ressaltar ainda que o regime tutelar a que se sujeita alguns grupos indígenas não se confunde com a incapacidade civil ou eleitoral, jamais podendo trazer restrições legais aos índios, sob pena de malferimento do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado pela Constituição Federal de 1988, repita-se.
Atribuir certas capacidades ou frações de capacidade aos índios, em face dos preceitos constitucionais vigentes, é bastante razoável.
No entanto, a crítica que fazemos, é no sentido de que a autorização constitucional de o índio (individual ou coletivamente) poder ser parte legítima para ingressar em juízo,[30] decorre de sua capacidade de direito, e não implica necessariamente em capacidade de fato, nem tampouco em legitimação (processual ou não processual),[31] que com capacidade de fato não se confunde.
Em que pese a argumentação daquela Procuradoria, entendemos que a capacidade jurídica plena (assim mencionada em destaque no respeitável parecer) somente nasce quando da conjugação da plena capacidade de direito com a plena capacidade de fato (estas duas últimas, por sua vez, são frações da personalidade jurídica).
Capacidade de fato não se confunde com o instituto da legitimação, gênero de que são espécies, a legitimação ordinária (para a prática dos atos ordinários da vida civil) e a legitimação processual (para fins de deduzir pretensão em juízo, em sede administrativa ou jurisdicional, em nome próprio ou de terceiro).
Não acreditamos que se possa dizer, a priori (mesmo em face da nova conceituação constitucional vigente), que o índio não integrado, ou até mesmo o integrado (integração aqui entendida em sentido amplo), tenha capacidade jurídica plena pelo simples fato de lhe ser atribuída capacidade processual, ou também pelo simples fato de estar dotado de legitimação individual[32] (excepcionalmente coletiva), para defender seus direitos e interesses.
No tocante ao serviço militar, extraímos elucidativos trechos do mencionado Parecer da PFE-FUNAI:
22. A Lei nº 4.375/64 e o Decreto n. 57.654/1966, que dispõe sobre a prestação de serviço militar, nada rezam acerca da prestação de serviço militar pelo índio. Em face da lacuna legislativa, o Ministério da Defesa editou a Portaria MD/SPEAI/DPE n. 983, de 17 de outubro de 2003, que aprova as Diretrizes para o relacionamento das Forças Armadas com as comunidades indígenas. A Portaria traz como atribuição principal da Secretaria de Logística e Mobilização, verbis:
1) Quando da elaboração do Plano de Convocação e das diretrizes e normas gerais relativas ao serviço militar, considerar para a seleção para o serviço militar inicial, dependendo da localidade onde se der o recrutamento, a priorização da incorporação de jovens oriundos das comunidades indígenas, desde que voluntários e aprovados no processo de seleção. (grifo nosso).
23. Essa também é a orientação da Portaria MD/EME n. 020, de 02 de abril de 2003, que estabelece:
3) Quando da seleção para o serviço militar inicial, priorizar a incorporação de jovens oriundos das comunidades indígenas, desde que voluntários e aprovados no processo de seleção.
6 - Responsabilidade Civil e Imputabilidade Penal
A responsabilidade civil, ou também a imputabilidade penal, será definida em sede jurisdicional conforme o caso concreto sub iudice. Não tendo significativa e imediata relevância prática para o cotidiano do Registro Civil, limitar-nos-emos a expor diretamente o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito.
Da doutrina extraímos a seguir alguns fragmentos do excelente artigo "Índios e Imputabilidade Penal" da lavra do Juiz Federal Roberto Lemos dos Santos Filho.[33]
Imputabilidade é definida como a aptidão do ser humano compreender que determinado fato não é lícito e de agir em conformidade com esse entendimento. É imputável a pessoa capaz de entender o caráter ilícito de um fato e determinar-se de acordo com tal entendimento(1).
(....)
Questão que inquieta os operadores do direito é a relacionada com a imputabilidade penal dos índios. No sítio eletrônico da FUNAI(4) consta estimativa de existirem no Brasil entre 100 e 190 mil índios vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Não é rara na rotina forense, pois, a ocorrência de ações penais relacionadas com crimes praticados por índios em suas relações com a sociedade não índia envolvente, ou em suas próprias comunidades.
Antes do advento da Constituição de 1988 e do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), a doutrina e a jurisprudência interpretavam a imputabilidade penal dos índios à luz do art. 26 do Código Penal, e do art. 4º do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973), segundo o qual os índios são considerados isolados, em vias de integração, e integrados. O entendimento predominante, em síntese, era no sentido da inimputabilidade dos índios isolados, da imputabilidade dos integrados, e da necessidade de exame pericial para aferição da responsabilidade penal dos índios em vias de integração.
A Constituição de 1988 reconhece a pluralidade étnica e cultural do país. Assegura aos índios o direito à alteridade, é dizer, o direito de serem diferentes e tratados como tais, direito esse reforçado pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 19.04.2004. O Código Civil em vigor dispõe que a capacidade dos índios será regulada por lei especial. Assim, emerge ultrapassada e incorreta qualquer interpretação que trate os índios como inimputáveis ou semi-imputáveis em virtude da diferença étnica.
(omissis) Dalmo de Abreu Dallari assim se manifestou sobre o assunto:
"os índios brasileiros estão em diferentes estágios em relação ao conhecimento dos hábitos da sociedade nacional. Como exemplo, há índios com cursos universitários e índios que sequer falam o português. Existem índios que estão no meio do caminho. São situações diferenciadas e que merecem ser consideradas distintamente...o índio é mentalmente normal, o que ele tem é cultura diferente, e por vezes não entende o significado de determinada regra, como um estrangeiro pode também não entender..."
Creio ser esse o referencial que deve orientar a solução de questões ligadas à aferição da imputabilidade dos índios. O direito a diferença assegurado pela Constituição e pela Convenção 169 da OIT não permitem outra inferência. Vale consignar, para análise da imputabilidade penal dos índios é necessário tão-somente perquirir se de acordo com a sua cultura e seus costumes o indígena tinha condições de compreender o caráter ilícito daquela conduta positivada como crime segundo os padrões da cultura da sociedade envolvente.
(....)
A adoção de entendimento contrário, embasado na ultrapassada visão integracionista, e em revogada disposição do revogado Código Civil que elencava os índios entre os relativamente incapazes para a prática de atos da vida civil, importa manifesta violação ao art. 231 da Constituição e ao preconizado pela Convenção 169 da OIT, que asseguram o direito à diferença.
(1) Nesse sentido, confira-se FRAGOSO, Heleno Cláudio.Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 15ª edição, 1995, p. 197: "A imputabilidade é a condição de maturidade e sanidade mental eu confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a capacidade que confere ao agente a capacidade de entender e querer, ou seja, de entendimento da antijuridicidade de seu comportamento e de autogoverno..."
(4) http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm - visitado em 06.05.2006
No que diz respeito à Jurisprudência, apresentamos três recentes decisões de órgãos colegiados, referentes a fatos que ocorreram, portanto, já na vigência da Constituição de 1988.
TRF DA 1ª REGIÃO.[34] DANOS CAUSADOS POR INDÍGENAS A TERCEIROS QUE PESCAVAM EM RIO QUE SERVE DE DIVISA NATURAL ENTRE A RESERVA E OS TERRENOS PARTICULARES. RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNAI. DANO MATERIAL DECORRENTE DA APREENSÃO DE BENS MÓVEIS PELOS INDÍGENAS. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA.
1. A FUNAI responde civilmente pelos danos causados por grupo de índios a terceiros, ainda que nenhum dos servidores dela participe do ato (Carta Magna, art. 37, § 6º), uma vez que compete a ela a tutela e a proteção das comunidades indígenas (Carta Magna, art. 231; Lei 5.371/67), sendo responsável pelos danos decorrentes de sua omissão na tutela respectiva, tendo, portanto, legitimidade passiva, no caso (C.P.C., art. 267, VI). Precedentes desta Corte. 2. Direito ao ressarcimento relativo ao valor dos bens apreendidos pelos indígenas e não devolvidos aos proprietários.
TRF DA 1ª REGIÃO.[35] PROCESSUAL PENAL. CRIME COMETIDO POR (OU CONTRA) ÍNDIO. COMPETÊNCIA.
1. A tutela que a Constituição Federal (art. 231) e a lei (Lei nº 6.001/73 - arts. 7º e 8º) reservam à União, em relação aos indígenas, é de natureza civil e não criminal (STF - HC nº 79.530/PA). O crime contra a pessoa, vitimando silvícola, não traduz "disputa sobre direitos indígenas", em ordem a fixar a competência do foro federal.
2. "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou como vítima." (Cf. Súmula nº 140 - STJ.) 3. Anulação da sentença de ofício. Remessa dos autos à Justiça Estadual de Roraima. Apelação prejudicada.
TJSP.[36] (extraído do relatório) Não afetando o crime de atentado violento ao pudor perpetrado pelo paciente - indígena aculturado, integrado, morador da Aldeia Guarani do Jaraguá, esta inserida na cidade de São Paulo, alfabetizado e marceneiro de profissão ¿ bens, serviços ou interesse da União (art. 109, IV, da CF), a competência para o julgamento daquele é da Justiça Comum Estadual, e não da Justiça Federal. Nesse sentido, inclusive, a Súmula 140, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figura como autor ou vítima".
Em se tratando de lide penal, não se requeria, ao contrário de uma lide civil, intervenção da Funai ou de outro órgão de tutela, na defesa do réu-indigena. Bastando fosse ele representado ou defendido por advogado,como ele, de fato, o foi.
Aliás, a Procuradoria-Geral da Funai, muito embora fosse, até, dispensável, compareceu à lide e realizou intervenção (cf. fls. 55/56 e 61).
Acresce que, consoante já decidido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, a submissão de réu-indígena a exame psicológico ou antropológico não é obrigatória, mas recomendável, tão só, em caso de suspeita, em relação à sua imputabilidade.
7 - Recomendações Preliminares ao Registrador Civil das Pessoas Naturais
No próximo artigo falaremos de outros direitos, indígenas e não indígenas, que, de alguma forma, têm grande potencialidade de gerarem reflexos e efeitos, imediatos ou mediatos, em relação aos atos praticáveis no Registro Civil, e vice-versa.
Por ora, é suficiente ao Registrador saber que existem muitos benefícios e privilégios tipicamente indígenas, e alguns deles (não todos) dependem de comprovação de sua condição indígena, o que "ordinariamente" se faz mediante o Registro Administrativo de Nascimento Indígena - RANI, lavrado pela FUNAI.[37]
A Portaria nº 003/PRES, de 14/01/2002, do Presidente da FUNAI,[38] determina em seu art. 15 que: "Os registros administrativos de nascimento e óbito deverão ser promovidos antes dos registros públicos". (grifo nosso) Equivale a dizer, a contrario sensu, que fica impedido o registro de nascimento administrativo do índio que já está civilmente registrado (isto é, se o registro civil preceder o administrativo), sujeitando a procedimento disciplinar o servidor daquele órgão que não observar a referida norma.
Por razões diversas, que não cabe aqui analisar, ultimamente verifica-se um desejável e crescente movimento de registro civil de índios, com o escopo de lhes conceder o primeiro e basilar "título" de cidadania brasileira, abrindo-lhes as portas para tantos outros direitos e benefícios não indígenas.
A recomendação inicial que se faz, então, é a de que o registro civil seja precedido pelo registro administrativo; este poderá, inclusive, servir de base para a lavratura daquele, por expressas disposições legal e normativa,[39] independentemente de apresentação de DNV, conforme veremos na seqüência deste estudo.
Não sendo isto possível, deve o registrador, ao menos, advertir o declarante de que o registro civil poderá (grande possibilidade, e não certeza absoluta) impedir o registro administrativo junto à FUNAI. Com isso, abre-se também a possibilidade de o registrando poder não gozar (ou criar-lhe dificuldade no gozo) de certos benefícios e privilégios que são próprios e típicos de sua condição e identificação indígenas.
 
[1]. Quando da descoberta das Américas, os europeus começaram a chamar os seus habitantes de índios, pois acreditavam ter chegado às Índias Ocidentais, na Ásia.
[2]. CARTA RÉGIA DE 10 DE SETEMBRO DE 1611, PROMULGADA POR FILIPE III: "... os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes fazer molestia ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas vontadas das capitanias e lugares que lhes forem ordenados, salvo quando elles livremente o quizerem fazer ..." Os Direitos do Índio - Manuela  Carneiro da Cunha - pág. 58). ALVÁRA RÉGIO DE 1º DE ABRIL DE 1680: "... E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia (omissis) e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas." (Parágrafo 4º- Os Direitos do Índio - Manuela  Carneiro da Cunha - pág. 59). Apud RAMOS, Ricardo. (SET/2006) As Terras Indígenas : Direitos dos Índios e Demarcação : Legislação, Doutrina e Jurisprudência. Disponível em: <http://funai.gov.br> Procuradoria > Artigos. Acesso em: 27/05/2008.
[3]. CARTA RÉGIA DE 09 DE MARÇO DE 1718: "... são livres, e izentos de minha jurisdição, que os não pode obrigar a sahirem das suas terras, para tomarem um modo de vida de que elles não se agradão ..." (Os Direitos do Índio - Manuela  Carneiro da Cunha - pág. 61). LEI POMBALILINA DE 06 DE JULHO DE 1755: "... Os índios no inteiro domínio e pacífica posse das terras ...   para gozarem delas por si e todos seus herdeiros." (Os Direitos do Índio - Manuela  Carneiro da Cunha - pág. 62). Apud RAMOS, Ricardo. Op. et loc. cit.
[4]. DECRETO Nº 1.318, DE 30 DE JANEIRO DE 1854, QUE REGULAMENTA A LEI IMPERIAL Nº 601, de 18.09.1850: "Art. 72. Serão reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existirem hordas selvagens.". Art. 75. As terras reservadas para colonização de indígenas, e para elles distribuídas, são destinadas ao seu uso fructo; não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder pelo gozo dellas, por assim o permitir o seu estado de civilização." Apud RAMOS, Ricardo. Op. et loc. cit.
[5]. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1891: "Art. 83 - Continuam em vigor, enquanto não- revogadas, as leis do antigo regime, no que explicita e implicitamente não for contrário ao sistema de governo firmado pela Constituição e aos seus princípios nela consagrados.". CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934: "Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.".  CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937: "Art.154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porem, vedada a alienação das mesmas.". . CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946: "Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem.". CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº1 DE 1969: "Art. 198 - As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilizadas nelas existentes. § 1º - Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse  ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas".  CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: "Art. 20. São bens da União: (....) XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere o artigo,...". Apud RAMOS, Ricardo. Op. et loc. cit.
[6]. Disponível em: <http://funai.gov.br> Índios do Brasil > O que é ser índio. Acesso em: 27/05/2008.
[7]. Disponível em: <http://funai.gov.br> Índios do Brasil > Política Indigenista > História e Cultura Indigenista. Acesso em: 27/05/2008.
[8]. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.057, de 23/10/1991. Dispõe sobre o Estatuto das Sociedades Indígenas. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em: 27/05/2008.
[9]. Sobre a legitimação do Ministério Público, vide nota 16, adiante.
[10]. Disponível em: <http://funai.gov.br> Índios do Brasil > O que é ser índio. Acesso em: 27/05/2008.
[11]. Em que pese ter recebido o nomem iuris de Emenda Constitucional nº 1, o diploma expedido pela Juntar Militar em 17/10/1969, em face da profunda ruptura que promoveu na ordem constitucional então vigente, é considerado por muitos doutrinadores, quanto à sua origem, uma constituição outorgada, a exemplo das Cartas de 1824, 1937 e 1967. Nesse sentido: PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 4ª ed., revista. (Coleção Sinopses Jurídicas) São Paulo : Editora Saraiva, 2003, p. 13.
[12]. Disponível em: <http://funai.gov.br> Legislação. Acesso em: 27/05/2008.
[13]. Disponível em: <http://funai.gov.br> Índios do Brasil > Política Indigenista > História e Cultura Indigenista. Acesso em: 27/05/2008.
[14]. A Administração Executiva Regional de Bauru atende também os Postos Indígenas localizados em toda região litorânea fluminense.
[15]. BRASIL. Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em: 27/05/2008.
[16]. O Ministério Público da União é composto pelo Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Cada ramo do MPU, na respectiva área de atuação, defende os interesses da sociedade e zela pelo respeito à lei. Vide <http://www.mpu.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008.
[17]. A capacidade de fato é a aptidão que a pessoa tem de exercitar, por si só, os atos da vida civil. A legitimação, que não se confunde com a capacidade de fato, é a aptidão para a prática de determinado ato jurídico: em nome próprio; ou em nome de terceiro, quando expressamente autorizado por lei. Diz-se que a pessoa tem capacidade plena quando tem simultaneamente: capacidade de fato e capacidade de direito (esta última é a capacidade de adquirir direitos ou deles gozar). Vide GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil : parte geral, volume 1. 11ª ed. (Coleção Sinopses Jurídicas) São Paulo : Editora Saraiva, 2003, pp. 35-36.
Tanto o MPU quanto a AGU têm legitimação para a defesa de interesses indígenas. Existem questões de conflito de atuação entre os mencionados órgãos (MPU e AGU), e eventualmente em relação aos Ministérios Públicos Estaduais, uma vez que todos têm legitimação para atuar em defesa dos interesses indígenas; e também questões de conflitos de competência entre as Justiças Federal e Estadual (em sede Administrativa, Cível, Criminal etc.). Sugiro, para aprofundamento no tema, a leitura do artigo de: GOMES, Antonio Cavaliere. Povos Indígenas em Juízo e a Atuação do Poder Público : Análise Contemporânea à Luz da Constituição de 1988 e de Normatização Recente. Disponível em: <http://funai.gov.br> Procuradoria > Artigos. Acesso em: 27/05/2008.
[18]. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. "Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público: (....) V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas." Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em: 27/05/2008.
[19]. BRASIL. Estatuto do Ministério Público da União. Lei Complementar nº 75, de 20/05/1993. "Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: (....) III - a defesa dos seguintes bens e interesses: (....) e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso". Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em: 27/05/2008.
[20]. BRASIL. Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 01/01/1916, que foi expressamente ab-rogado pelo Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10/01/2002). Assim dispunha o diploma codificador de 1916: "Art. 6º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os exercer: (....) III - os silvícolas. Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)." Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em: 27/05/2008.
[21]. Refere-se à Constituição Federal de 1967, vigente à época da publicação do Estatuto do Índio. Os mencionados dispositivos versavam sobre a definição e aquisição de nacionalidade (art. 145), e perda de nacionalidade (art. 146). Na atual Constituição Federal de 1988, a nacionalidade e cidadania estão contempladas em um único dispositivo: o art. 12. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. Acesso em: 27/05/2008.
[22]. É o Juiz Federal.
[23]. Hoje 18 anos, face a nova disposição do Código Civil de 2002 que reduziu a idade para cessação da menoridade (art. 5º, caput).
[24]. O legislador ordinário não andou muito bem no uso da expressão: partes legítimas para a defesa de seus direitos em juízo. Com isso, certamente, quis dizer que os grupos tribais ou as comunidades indígenas têm capacidade processual, ou seja, podem ser partes em relação processual em que pretendam defender seus direitos e interesses. Mas, não andou tão mal quanto o legislador constituinte ao tratar do mesmo tema (vide nota 26, adiante).
[25]. GOMES, Antonio Cavaliere. Povos Indígenas em Juízo e a Atuação do Poder Público : Análise Contemporânea à Luz da Constituição de 1988 e de Normatização Recente. Disponível em: <http://funai.gov.br> Procuradoria > Artigos. Acesso em: 27/05/2008.
[26]. O legislador constituinte não foi nada feliz no uso desta expressão: parte legítima para ingressar em juízo. Embaralha nomenclaturas de institutos jurídicos diversos, aumentando a confusão já existente, tais como: capacidade processual, que é capacidade de ser parte em uma relação processual, capacidade esta que decorre de sua capacidade direito; capacidade de fato, que é a de exercer pessoalmente os seus direitos; legitimação, que é a aptidão para demandar (ou ingressar) em juízo, em nome próprio ou de terceiro; personalidade judiciária, que pode ter um sentido um pouco mais abrangente do que o de capacidade processual (vide nota 31, adiante) etc.
Não acreditamos que o constituinte quis dar legitimação a qualquer índio, inclusive o de uma comunidade recém contatada pelo branco, para que possa postular em nome próprio em juízo. Vide também o primeiro parágrafo da nota 17, acima.
[27]. Cidadania, hoje, é a palavra da moda, e os chamados direitos de cidadão, in iure stricto sensu, vêm sendo usados indiscriminadamente no sentido de direitos de consumidor, direitos de idoso, direitos da criança e do adolescente, direitos à educação, direitos assistenciais e previdenciários etc. Não há mal nenhum nisso, muito ao contrário... pois estimula a consciência para a existência e a necessidade de serem implementados os direitos e garantias individuais, direitos sociais, coletivos e difusos, e outros tantos gravados na Constituição Federal, a que as pessoas fazem jus, além de propagar as necessárias solidariedade e integração sociais.
[28]. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Presidência. Resolução nº 20.806, de 15/05/2001. ALISTAMENTO ELEITORAL. EXIGÊNCIAS. São aplicáveis aos indígenas integrados, reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, nos termos da legislação especial (Estatuto do Índio), as exigências impostas para o alistamento eleitoral, inclusive de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa. (grifos nossos). Disponível em: <http://www.tse.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008.
[29]. Não é demais lembrar que, por força de disposição constitucional (CF/88, art. 119), dentre os sete membros do TSE três são ministros do Supremo Tribunal Federal: um deles é eleito para a Presidência e o outro é designado para a Vice-Presidência daquela Superior Corte Eleitoral. Assim sendo, até mesmo em homenagem aos princípios da boa-fé, da reserva legal, e de presunção de legitimidade e legalidade dos atos praticados pelo agente público, é de se supor que há uma razoável e indiciária presunção de constitucionalidade da referida Resolução 20.806/2001 do TSE, note-se, expedida já na vigência da Constituição de 1988.
Foram intencionalmente destacados na nota 28, anterior, conceitos e definições jurídicas que o Parecer da PFE-FUNAI reputa inconstitucionais, afirmando não terem sido recepcionados pela Carta Magna vigente. Perguntamos, em sede de plausibilidade: tais supostas inconstitucionalidades teriam passado tão facilmente despercebidas por três ministros do STF, dentre eles o Presidente e o Vice-Presidente do TSE? os quais (embora em outra Corte) exerçam a função jurisdicional-institucional de intérpretes e guardiões da Constituição Federal?
[30]. Vide comentário nas notas 17 (primeiro parágrafo) e 26, acima.
[31]. Verbete: Personalidade judiciária. Chama-se personalidade judiciária a capacidade para estar em juízo. Distingue-se da personalidade jurídica, porque podem estar em juízo seres que não são pessoas, segundo a lei civil, tais como as sociedades de fato (CPC, art. 12, VII). Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/sujeitosdoprocesso/capacidadeprocessual.htm>. Acesso em: 27/05/2008.
[32]. Confrontar com o posicionamento doutrinário do Procurador Federal Antonio Cavaliere Gomes, exposto no final do Subtítulo 5, do texto acima, dando conta da possibilidade de legitimação do índio, enquanto indivíduo, possibilidade esta com a qual concordamos totalmente, observado o grau de inserção do índio no ordenamento jurídico nacional. Parece-nos possível afirmar o que segue... Todo e qualquer índio tem capacidade de direito, e portanto capacidade processual. Mas nem todos terão: capacidade de fato, ou, ainda, legitimação (ou seja, capacidade judiciária, ou personalidade judiciária, como queiram chamar). Apenas alguns, mas não todos, terão capacidade jurídica plena. Vide também notas 17 (primeiro parágrafo), 24 e 26, acima.
[33]  SANTOS FILHO, Roberto Lemos dos. Índios e Imputabilidade Penal. (2006) Disponível em: <http://funai.gov.br> Procuradoria > Artigos. Acesso em: 27/05/2008.
[34]. BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Sexta Turma. Processual Cível. Apelação Civel. AC 1998.34.00.018800-3/DF. Brasília, DF, 15/05/2006. Diário da Justiça, p.33, 26/06/2006.
[35]. BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Terceira Turma. Processual Criminal. Apelação Criminal. ACR 2000.01.00.049688-4/RR. Brasília, DF, 06/04/2004. Diário da Justiça, p.29, 23/04/2004.
[36]. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2º Grupo da Seção Criminal. 3ª Câmara. Processual Criminal. Habeas Corpus nº 952431.3/5-0000-000, da Comarca de São Paulo. São Paulo, SP,16/08/2006. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008.
[37]. Existe, sempre, a possibilidade de o RANI ser suprido por declaração da FUNAI, atestando a condição indígena do interessado. Mas, de qualquer forma, o instrumento mais idôneo e apto a fazer esta prova, de maneira simples e prática, é o RANI.
[38]. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Presidência. Portaria nº 003/PRES, de 14/01/2002. Separata do Boletim de Serviço da FUNAI, Brasília, Ano XV, nº 01, Janeiro - 2002.
[39]. BRASIL. Estatuto do Índio. Lei 6.001, de 19/12/1973. Art. 13. (....) Parágrafo único. O registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova. Op. et loc. cit.
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Presidência. Portaria nº 003/PRES, de 14/01/2002. Art. 16. Para a realização de qualquer registro público, deverá o servidor da FUNAI credenciado apresentar, no Cartório, a certidão do registro administrativo correspondente. Op. et loc. cit.

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