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07 de Agosto de 2008

Artigo - O Registro Civil de Nascimento dos Filhos de Brasileiros nascidos no Estrangeiro após a Emenda Constitucional Nº 54/2007 - Por Luiz Henrique Pinheiro Bittencourt

A EC 54/2007 veio consolidar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a nacionalidade de brasileiros nascidos no estrangeiro, bem como suprir falha na redação da ECR 3/94, no que se refere aos registros promovidos pelos Consulados e Embaixadas do Brasil. No entanto, trouxe dúvidas que devem ser analisadas e dirimidas.

Diante disso, houve-se por bem, expor as idéias abaixo, sem a pretensão de tornar-se doutrina ou mesmo solucionar em definitivo os questionamentos levantados.

Em sua edição original, a CF/88 ditava que:

"Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
...
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade (restrição temporal) e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo (liberdade temporal), pela nacionalidade brasileira;..."(acréscimos lançados pelo autor)".

O texto original da Carta Magna considerava brasileiro nato apenas os que registrados em repartição brasileira competente, isto é, consulado/embaixada do Brasil no país de nascimento ou àquele registrado na repartição competente estrangeira, sob condições.

A 'opção a qualquer tempo' pela nacionalidade brasileira aplicava-se na hipótese dos referidos filhos de brasileiros não registrados em repartição brasileira competente e com posterior residência na República Federativa do Brasil, antes da maioridade, viessem, depois de adquirida esta, requerer a qualquer momento a nacionalidade brasileira.

Por ser ato personalíssimo a opção deveria ser solicitada pelo próprio interessado, fato que espelha condição condizente com o ordenamento jurídico brasileiro.

Essa a situação vigente no direito positivo brasileiro até a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 07 de junho de 1994.

Importante notar que essa situação jurídica inicial corresponde exatamente aos ditames da LRP (Lei de Registros Públicos), artigo 32, §2º, veja:
"§2° O filho de brasileiro ou brasileira, nascido no estrangeiro, e cujos pais não estejam ali a serviço do Brasil, desde que registrado em consulado brasileiro ou não registrado, venha a residir no território nacional antes de atingir a maioridade, poderá requerer, no juízo de seu domicílio, se registre, no livro "E" do 1º Ofício do Registro Civil, o termo de nascimento".

A LRP, portanto, permitia aos interessados, que solicitassem, o registro de nacionalidade brasileira provisório, que valeria por apenas 4 (quatro) anos, contados da maioridade, constando, evidentemente do termo e das certidões referida situação. Nesse sentido determinava os §§ 3º e 4º da LRP:

"§ 3º Do termo e das respectivas certidões do nascimento registrado na forma do parágrafo antecedente constará que só valerão como prova de nacionalidade brasileira, até quatro (4) anos depois de atingida a maioridade.
§ 4º Dentro do prazo de quatro anos, depois de atingida a maioridade pelo interessado referido no § 2º deverá ele manifestar a sua opção pela nacionalidade brasileira perante o juízo federal. Deferido o pedido, proceder-se-á ao registro no livro "E" do Cartório do 1º Ofício do domicílio do optante".

Assim, já maior e dentro do prazo de 4 (quatro) anos, deveria o interessado se manifestar, mediante procedimento de jurisdição voluntária, perante o juiz federal competente, sua vontade de se tornar brasileiro nato.

Em razão da inércia do interessado, perdia ele o registro provisório efetuado nos termos do §2º, mas mais além, perdia a condição de ser a qualquer momento brasileiro nato. Restava ao mesmo, então, apenas a condição de estrangeiro, podendo, se preencher as condições da CF/88 (art. 12, inciso II) e da Lei 6.815/80 (art. 112 e seguintes) ser um dia brasileiro naturalizado.

Assim, perdida a condição provisória averbava-se o cancelamento, como determinava o § 5º da LRP:
"§ 5º Não se verificando a hipótese prevista no parágrafo anterior, o oficial cancelará, de ofício, o registro provisório efetuado na forma do § 2º."

Essa situação jurídica se mostrava muito injusta com aqueles que, na verdade, são filhos de brasileiros, estejam ou não residindo no Brasil antes da maioridade, pois adotando ambos os critérios, ius sanguinis e ius solis, a CF/88 não tinha razões, de maior importância, para discriminar tais pessoas. Aliás, da mesma forma que aos brasileiros, sempre se garantiu aos estrangeiros residentes no Brasil todos os direitos fundamentais (art. 5º, CF), mesmo que não sendo filhos de brasileiros. Por que, então, impor restrições aos filhos de brasileiros.

O direito de nacionalidade é tema materialmente constitucional, pois se refere a parcelo do Poder de Soberania da República Federativa do Brasil, que pode determinar quem é seu povo, quem pode ser chamado brasileiro nato ou naturalizado, que cargos podem ocupar, etc.

Diante disso, a restrição temporal, consistente na residência no Brasil antes da maioridade, foi afastada pela ECR 3 de 1994, que diz:
"c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)".


Esta ECR 3/94 revogou o art. 32, §3º (em parte) e os §§ 4º e 5º (in totum), da LRP, pois não mais permitia a restrição temporal tanto para residência na RFB, quanto para o pedido de opção pela nacionalidade.

Deu a entender também que os filhos poderiam a qualquer momento, representados pelos pais, solicitar a opção pela nacionalidade brasileira, o que confrontava posição do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
"RE 418096/RS - RIO GRANDE DO SUL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 22/03/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação. DJ 22-04-2005. Parte(s) RECTE.(S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECDO.(A/S): JOSIAS GABRIEL ICKERT E OUTRO (A/S). ADVDO.(A/S): JOELETE SIQUEIRA MORAIS.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. NACIONALIDADE: OPÇÃO. C.F., ART. 12, I, c, COM A EMENDA CONSTITUCIONAL DE REVISÃO Nº 3, DE 1994. I. - São brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir no Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. II. - A opção pode ser feita a qualquer tempo, desde que venha o filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira, nascido no estrangeiro, a residir no Brasil. Essa opção somente pode ser manifestada depois de alcançada a maioridade. É que a opção, por decorrer da vontade, tem caráter personalíssimo. Exige-se, então, que o optante tenha capacidade plena para manifestar a sua vontade, capacidade que se adquire com a maioridade. III. - Vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade a manifestação da vontade do interessado, mediante a opção, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira. IV. - Precedente do STF: AC 70-QO/RS, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 25.9.03, "DJ" de 12.3.04. V. - RE conhecido e não provido. Decisão. A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 22.03.2005".

No entanto, no ensejo de conferir direitos, os suprimiu, mormente o direito de ser brasileiro nato daquele registrado em repartição brasileira competente, prejudicando os filhos de brasileiros nascidos no exterior. Saliente-se também que adotado o critério jus solis pelo país de origem o filho de brasileiro poderia ficar apátrida.

Essa omissão redundou no fato de que os filhos de brasileiros lá registrados dependiam também de futura opção pela nacionalidade brasileira, no tempo certo, pois não eram mais considerados brasileiros natos.

Importa frisar que o registro de nascimento no Consulado Brasileiro é inerente ao próprio expediente. Entenda-se, o local físico onde é exercida a função consular é extensão administrativa do território nacional e, pois, competente para a lavratura dos atos de registro , pois se trata de parcela do Estado Brasileiro, com jurisdição consular (art. 18 e 19 da LICC - Decreto-Lei 4.657/42), de modo que os ali registrados foram registrados pelo próprio Estado Brasileiro, deveriam, pois, ser considerados brasileiros natos.

Ressalte-se, também, que a omissão do Texto Maior não impediu a feitura dos assentos de nascimento, mas sem a eficácia desejada, pois como determinou o Manual Consular e Jurídico:

"5.1.2 A Autoridade Consular procederá ao registro de nascimento dos menores nascidos nas hipóteses previstas nas alíneas "b" e "c" do artigo 12 da Constituição de 1988, antes ou após a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 07/06/1994, e que ainda não completaram 12 anos de idade."

No desejo de correção, entretanto, a EC 54 de 20 de setembro de 2007, alterou, novamente, o texto da alínea c para incluir o registro em repartição brasileira competente, supostamente suprimido por engano, que agora retorna:
"c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)".

Mudança importante houve na exigência de que, somente depois de atingida a maioridade é que poderá o interessado requerer a opção pela nacionalidade brasileira. Houve, neste ponto, um retorno eloqüente ao texto original da CF/88 e adequação ao posicionamento de nossa Suprema Corte.

Com isso, permanece a incompatibilidade os §§ 3º (em parte), 4º e 5º, do art. 32, da LRP, pois a Carta Política continua incompatível com a restrição temporal. No entanto, perfeitamente possível aplicar-se o §2º, do artigo citado, denominado registro provisório, pois veja posição do STF:
"RE 415957/RS - RIO GRANDE DO SUL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 23/08/2005. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação DJ 16-09-2005. Parte(s) RECTE.(S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECDO. (A/S): FABIAN CHARLIE COVASI. ADV.(A/S): CLAUDEMIR CAPAVERDE. EMENTA: Opção de nacionalidade brasileira (CF, art. 12, I, c): menor residente no País, nascido no estrangeiro e filho de mãe brasileira, que não estava a serviço do Brasil: viabilidade do registro provisório (L. Reg. Públicos, art. 32, § 2º), não o da opção definitiva. 1. A partir da maioridade, que a torna possível, a nacionalidade do filho brasileiro, nascido no estrangeiro, mas residente no País, fica sujeita à condição suspensiva da homologação judicial da opção. 2. Esse condicionamento suspensivo, só vigora a partir da maioridade; antes, desde que residente no País, o menor - mediante o registro provisório previsto no art. 32, § 2º, da Lei dos Registros Públicos - se considera brasileiro nato, para todos os efeitos. 3. Precedentes (RE 418.096, 2ª T., 23.2.05, Velloso; AC 70-QO, Plenário, 25.9.03, Pertence, DJ 12.3.04). Decisão. A Turma conheceu do recurso extraordinário, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. 1ª Turma, 23.08.2005".

Desse modo, o requerimento de opção torna-se ato facultativo do diretamente interessado, não podendo ser representado ou assistido por seus pais, enquanto menor.

Outro fato importante é que o Supremo Tribunal Federal, em TRIBUNAL PLENO, entendeu que o interessado em processo de opção não pode ser considerado brasileiro nato, como entendeu a PRIMEIRA TURMA, no RE 415957/RS, transcrito acima, pois pendente condição suspensiva, com efeitos ex tunc. In verbis:
"AC-QO 70/RS - RIO GRANDE DO SUL QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO CAUTELAR Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 25/09/2003. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação DJ 12-03-2004. Parte(s) REQTE.(S): IVO DA ROSA BÁLSAMO. ADVDO.(A/S): VICTOR HUGO MACHADO ANTONELLO E OUTROS. REQDO.(A/S): RELATOR DA EXT Nº 880 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

EMENTA: I. Nacionalidade brasileira de quem, nascido no estrangeiro, é filho de pai ou mãe brasileiros, que não estivesse a serviço do Brasil: evolução constitucional e situação vigente. 1. Na Constituição de 1946, até o termo final do prazo de opção - de quatro anos, contados da maioridade -, o indivíduo, na hipótese considerada, se considerava, para todos os efeitos, brasileiro nato sob a condição resolutiva de que não optasse a tempo pela nacionalidade pátria. 2. Sob a Constituição de 1988, que passou a admitir a opção "em qualquer tempo" - antes e depois da ECR 3/94, que suprimiu também a exigência de que a residência no País fosse fixada antes da maioridade, altera-se o status do indivíduo entre a maioridade e a opção: essa, a opção - liberada do termo final ao qual anteriormente subordinada -, deixa de ter a eficácia resolutiva que, antes, se lhe emprestava, para ganhar - desde que a maioridade a faça possível - a eficácia de condição suspensiva da nacionalidade brasileira, sem prejuízo - como é próprio das condições suspensivas -, de gerar efeitos ex tunc, uma vez realizada. 3. A opção pela nacionalidade, embora potestativa, não é de forma livre: há de fazer-se em juízo, em processo de jurisdição voluntária, que finda com a sentença que homologa a opção e lhe determina a transcrição, uma vez acertados os requisitos objetivos e subjetivos dela. 4. Antes que se complete o processo de opção, não há, pois, como considerá-lo brasileiro nato. II. Extradição e nacionalidade brasileira por opção pendente de homologação judicial: suspensão do processo extradicional e prisão domiciliar. 5. Pendente a nacionalidade brasileira do extraditando da homologação judicial ex tunc da opção já manifestada, suspende-se o processo extradicional (CPrCiv art. 265, IV, a). 6. Prisão domiciliar deferida, nas circunstâncias, em que se afigura densa a probabilidade de homologar-se a opção. Decisão - O Tribunal, por decisão unânime, resolvendo questão de ordem na cautelar, indeferiu o pedido de relaxamento de prisão, determinou a suspensão do curso do processo de extradição e concedeu, ex officio, o benefício da prisão domiciliar ao paciente. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Maurício Corrêa. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário"

Melhor se entender, S.M.J., que a condição de registro provisório não confere a qualidade de brasileiro nato ao interessado, mas sim gera efeitos provisórios, mas não completos e igualitários, de modo que somente concluído o processo de opção ter-se-á por brasileiro nato. Como exemplo, podemos dizer que o registrado em caráter provisório não poderá ser Presidente da República, razão pela qual não é brasileiro nato.

As situações transitórias ficaram resolvidas pelo art. 95 nas ADCT:
Art. 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

Em conclusão, o artigo 12, I, c, da CF/88, com a nova redação dada pela EC 54/07, bem como o art. 95, dos ADCT, estenderam a condição de brasileiro nato aos registrados em repartição brasileira competente desde a vigência inicial e original da CF/88. Quis o constituinte derivado reformador atingir e uniformizar a situação jurídica de todos os filhos de brasileiros, nascidos e registrados em repartição brasileira competente, após CF/88, agora, denominados brasileiros natos.

Os novos ditames constitucionais são benéficos e devem atingir todas as situações pretéritas, igualando os direitos de nacionalidade, mormente, por ser parcela do Poder de Soberania.

As observações constantes nos termos de nascimento anteriores à EC 54/07 poderão ser canceladas por averbação, a requerimento do interessado, nos termos do artigo 97 da LRP.

Já aos não registrados em repartição Consular ou Embaixada brasileira no exterior, permanece o registro provisório previsto no artigo 32, da LRP, perante o Cartório de Registro Civil competente, mantendo-se revogados os parágrafos já citados, desde que venham a residir na RFB. Nestes casos, mister constar do termo e da certidão que a condição da nacionalidade brasileira depende de opção perante a justiça federal brasileira.

Autor: Luiz Henrique Pinheiro Bittencourt é Oficial Registrador do 1º RCPN E Interdições de Cabo Frio, Rio de Janeiro, e diretor do Conselho de Ética da Arpen-RJ. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (Universidade de Taubaté - Unitau) e em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra - Portugal).

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