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05 de Fevereiro de 2009
Incidência do ISS sobre a atividade notarial e de registro
Decisão do TJRJ reconhece que imposto incide somente sobre pessoa física do delegatário
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Anoreg/RJ contra Lei Municipal de Petrópolis, na esteira do acórdão do STF, julgou improcedente a ADIN.
No entanto, o TJRJ esclareceu que o ISS incide sobre a pessoa física do delegatório e não sobre o cartório, como pessoa jurídica.
Segundo Acórdão unânime do TJRJ, cartório não tem personalidade jurídica, nao é pessoa jurídica nem a ela equiparado. A decisão reconheceu que o artigo 3º da lei 8935/94 - ao classificar notários e registradores como profissionais do direito - definiu sua qualificação como contribuintes individuais, ensejando que a incidência do ISS só pode recair sobre a pessoa física do delegatório.
A decisão do Rio de Janeiro é altamente relevante para todos os notários e registradores do país, para que se consolide nacionalmente que cartório não é pessoa jurídica nem a ela pode ser equiparado.
Reproduzimos, a seguir, a íntegra do acórdão do TJRJ.
Helvécio Castello
Presidente do Irib
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
ÓRGÃO ESPECIAL
REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 04/2004
CLASSE REGIMENTAL: 05
RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS FAVER.
REPRESENTANTE: ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANOREG RJ
REPRESENTADO: CÂMARA MUNICIPAL DE PETRÓPOLIS
EMENTA: Representação por inconstitucionalidade. Itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6.009/2003 e arts. 1º, 2º 3° 4° e 5º do Decreto Regulamentar 769/03 do Município de Petrópolis. Incidência do ISS sobre serviços notariais e de registros. Suposta violação dos arts. 194, §2º e 196, IV, "a" da Constituição Estadual, em correspondência com o art. 195, VI, "a" da Constituição Federal. Constitucionalidade já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em questão análoga. Incidência exclusiva sobre as pessoas físicas dos delegatários. Cartórios que não ostentam qualidade de pessoa jurídica. ADIn nº 3089-2 DF que declarou constitucional os itens 21 e 21.01 da Lei Complementar nº 116, dispondo sobre a incidência do ISS sobre os serviços notariais e de registro. Serviços que se caracterizam como atividades estatais delegadas semelhantes à exploração de serviços públicos essenciais. Efeito vinculante. Eventual declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6009/2003 representaria afronta inconcebível e indireta à decisão proferida pelo STF, guardião da Constituição. Improcedência do pedido.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação por Inconstitucionalidade nº. 04/2004, em que é Representante ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANOREG RJ e Representado CÂMARA MUNICIPAL DE PETRÓPOLIS.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem o Egrégio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei 6009/2003, que alterou o Código Tributário do Município de Petrópolis bem como, por via de arrastamento, dos arts 1º, 2º, 3°, 4º e 5° do Decreto Regulamentar n° 769/2003 do Município de Petrópolis.
Adota-se como relatório a parte expositiva do parecer de fls. 507/512, acrescentando-se que a douta procuradoria de Justiça manifestou-se pela improcedência do pedido.
Julga-se improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01, incluídos no Código Tributário do Município de Petrópolis pela Lei nº. 6.009/2003, acompanhando o entendimento já manifestado pelo STF sobre a matéria.
Como se verifica, questão idêntica, relativa aos itens 21 e 21.01 da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116, já foi objeto de ADIn perante o Supremo Tribunal Federal, a qual veio a ser julgada improcedente, decidindo-se, na ocasião, pela incidência do ISS sobre a pessoa física dos delegatários dos mencionados serviços públicos, assim ementada:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUEL NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, §3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não ha diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente."(ADIn 3.089-2, Rel. Min. Carlos A. Britto, julgamento em 13/02/2008).
Sobre a questão e seus desdobramentos é importante reproduzir-se o voto do Min. Joaquim Barbosa (designado para relator) que explicitou, com precisão que:
"A tributação a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, recebidos por particulares como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro (art. 236, caput, da Constituição), não viola a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, "a", da Constituição.
Assim entendo, pois a tributação, nessas bases, é coerente com as garantias federativas que a Constituição busca assegurar com o implemento da imunidade recíproca.
Inicialmente, anoto que a atividade notarial é sempre exercida por entes privados, mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetida ao poder de polícia do Judiciário (art. 236, caput, e §§ 1º e 2º, da Constituição). A circunstância de a atividade ser remunerada, isto é, explorada com intuito lucrativo por seus delegados já atrairia, por si somente, a incidência do art. 150, §3º, da Constituição, que textualmente dispõe:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
[...]
§3º - As vedações do inciso VI, "a", e parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que havia contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação 'de pagar imposto relativamente ao bem imóvel'. (destaques originais)
Ademais, não há como conciliar a função a que se destina a imunidade recíproca com o efeito jurídico e pragmático pretendido pela requerente.
Observo que a imunidade tributária recíproca opera como mecanismo de ponderação e calibração do pacto federativo, destinado a assegurar que entes desprovidos de capacidade contributiva vejam diminuída a eficiência na consecução de seus objetivos definidos pelo sistema jurídico.
Por outro lado, a imunidade recíproca é uma clara salvaguarda contra o risco de utilização de tributos como instrumento de pressão econômica entre os membros do pacto federativo. McCulloch v. Maryland, conhecido "leading case" de 1819, é referência máxima na matéria.
Nesse sentido, tanto os objetivos como os efeitos do reconhecimento da aplicação da imunidade recíproca são passíveis de submissão ao crivo jurisdicional, em um exame de ponderação e proporcionalidade, não bastando a constatação objetiva de natureza pública do serviço que se está a tributar.
Assim, a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados."
Enfatizou, por outro lado, o insigne relator que:
"Reconhecer a aplicabilidade da imunidade recíproca à tributação de serviço público explorado com intuito lucrativo por particulares redundaria, em última análise, a privilegiar a exploração econômica particular, e não o pacto federativo.
Por fim, sob o ângulo da relevância do pacto federativo e da capacidade contributiva, a atividade notarial é em tudo semelhante aos demais serviços públicos concedidos, como o fornecimento de energia elétrica (art. 21, XII, b, da Constituição - incidência de ICMS), os serviços locais de fornecimento de gás canalizado (art. 25, §20, da Constituição - incidência de ICMS), a prestação de serviços de telecomunicação (art. 21, XI, da Constituição - incidência de ICMS), a manutenção e conservação de estradas de rodagem (incidência do ISSQN) etc.
Em todos os casos a presença de um agente com propósito de lucro, que deverá suportar inicialmente o ônus da tributação, afasta o risco ao equilíbrio entre os entes federados e confirma, objetivamente, que o tributo será suportado por quem demonstre capacidade contributiva.
A circunstância de o valor das taxas, e, conseqüentemente, do valor destinado ao notário como contraprestação pelo serviço, sujeitarem-se à definição pelo Poder Público não impressiona, já que os serviços concedidos, e normalmente tributados, também podem se submeter ao mesmo tipo de restrição.
As qualidades intrínsecas da Pessoa Política, em especial a imunidade tributária, não se comunicam ao delegatário. A imunidade recíproca só se aplica quando o ente político presta o serviço. Se este é prestado por permissionários, concessionários ou delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade.
Assim, as atividades notariais e de registro se subsumem à exceção prevista no art. 150, §3º, da Constituição, pelo que podem ser tributadas a título do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, tal como previsto nos itens 21 e 21.1 da lista anexa à Lei Complementar 116/2002".
Registre-se, ainda, que por ocasião do julgamento observou o Min. Carlos Ayres Britto que a jurisprudência do STF reconhece a índole estatal dos referidos serviços, bem como que tal materialidade constitui hipótese de incidência típica de taxa.
Contudo, como expôs o Min. Joaquim Barbosa, não ha diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. A tributação de ambos os tipos de atividade se justifica mediante o exame da capacidade contributiva tanto da atividade quanto dos agentes que a exploram com viés econômico. A Constituição comete expressamente aos municípios e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, ainda que públicos, quando desempenhados por particulares mediante remuneração.
Assim, declarar-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.009/2003 do Município de Petrópolis seria afrontar o julgamento da ADIn nº 3.089-2. Isso porque os itens 21 e 21.01 da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116 foram declarados constitucionais, com efeito vinculante nos termos do art. 102, § 2º da Constituição Federal.
Observe-se, finalmente, que, por via de arrastamento, declara-se a constitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Regulamentar nº 769/2003 do Município de Petrópolis.
Por tais razões, julga-se improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6.009/2003, que alterou o Código Tributário do Município de Petrópolis bem como, por via de arrastamento, dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Regulamentar nº 769/2003 do Município de Petrópolis.
Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2008.
Desembargador MARCUS FAVER
Relator
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Anoreg/RJ contra Lei Municipal de Petrópolis, na esteira do acórdão do STF, julgou improcedente a ADIN.
No entanto, o TJRJ esclareceu que o ISS incide sobre a pessoa física do delegatório e não sobre o cartório, como pessoa jurídica.
Segundo Acórdão unânime do TJRJ, cartório não tem personalidade jurídica, nao é pessoa jurídica nem a ela equiparado. A decisão reconheceu que o artigo 3º da lei 8935/94 - ao classificar notários e registradores como profissionais do direito - definiu sua qualificação como contribuintes individuais, ensejando que a incidência do ISS só pode recair sobre a pessoa física do delegatório.
A decisão do Rio de Janeiro é altamente relevante para todos os notários e registradores do país, para que se consolide nacionalmente que cartório não é pessoa jurídica nem a ela pode ser equiparado.
Reproduzimos, a seguir, a íntegra do acórdão do TJRJ.
Helvécio Castello
Presidente do Irib
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
ÓRGÃO ESPECIAL
REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 04/2004
CLASSE REGIMENTAL: 05
RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS FAVER.
REPRESENTANTE: ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANOREG RJ
REPRESENTADO: CÂMARA MUNICIPAL DE PETRÓPOLIS
EMENTA: Representação por inconstitucionalidade. Itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6.009/2003 e arts. 1º, 2º 3° 4° e 5º do Decreto Regulamentar 769/03 do Município de Petrópolis. Incidência do ISS sobre serviços notariais e de registros. Suposta violação dos arts. 194, §2º e 196, IV, "a" da Constituição Estadual, em correspondência com o art. 195, VI, "a" da Constituição Federal. Constitucionalidade já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em questão análoga. Incidência exclusiva sobre as pessoas físicas dos delegatários. Cartórios que não ostentam qualidade de pessoa jurídica. ADIn nº 3089-2 DF que declarou constitucional os itens 21 e 21.01 da Lei Complementar nº 116, dispondo sobre a incidência do ISS sobre os serviços notariais e de registro. Serviços que se caracterizam como atividades estatais delegadas semelhantes à exploração de serviços públicos essenciais. Efeito vinculante. Eventual declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6009/2003 representaria afronta inconcebível e indireta à decisão proferida pelo STF, guardião da Constituição. Improcedência do pedido.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação por Inconstitucionalidade nº. 04/2004, em que é Representante ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANOREG RJ e Representado CÂMARA MUNICIPAL DE PETRÓPOLIS.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem o Egrégio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei 6009/2003, que alterou o Código Tributário do Município de Petrópolis bem como, por via de arrastamento, dos arts 1º, 2º, 3°, 4º e 5° do Decreto Regulamentar n° 769/2003 do Município de Petrópolis.
Adota-se como relatório a parte expositiva do parecer de fls. 507/512, acrescentando-se que a douta procuradoria de Justiça manifestou-se pela improcedência do pedido.
Julga-se improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01, incluídos no Código Tributário do Município de Petrópolis pela Lei nº. 6.009/2003, acompanhando o entendimento já manifestado pelo STF sobre a matéria.
Como se verifica, questão idêntica, relativa aos itens 21 e 21.01 da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116, já foi objeto de ADIn perante o Supremo Tribunal Federal, a qual veio a ser julgada improcedente, decidindo-se, na ocasião, pela incidência do ISS sobre a pessoa física dos delegatários dos mencionados serviços públicos, assim ementada:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUEL NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, §3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não ha diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente."(ADIn 3.089-2, Rel. Min. Carlos A. Britto, julgamento em 13/02/2008).
Sobre a questão e seus desdobramentos é importante reproduzir-se o voto do Min. Joaquim Barbosa (designado para relator) que explicitou, com precisão que:
"A tributação a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, recebidos por particulares como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro (art. 236, caput, da Constituição), não viola a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, "a", da Constituição.
Assim entendo, pois a tributação, nessas bases, é coerente com as garantias federativas que a Constituição busca assegurar com o implemento da imunidade recíproca.
Inicialmente, anoto que a atividade notarial é sempre exercida por entes privados, mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetida ao poder de polícia do Judiciário (art. 236, caput, e §§ 1º e 2º, da Constituição). A circunstância de a atividade ser remunerada, isto é, explorada com intuito lucrativo por seus delegados já atrairia, por si somente, a incidência do art. 150, §3º, da Constituição, que textualmente dispõe:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
[...]
§3º - As vedações do inciso VI, "a", e parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que havia contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação 'de pagar imposto relativamente ao bem imóvel'. (destaques originais)
Ademais, não há como conciliar a função a que se destina a imunidade recíproca com o efeito jurídico e pragmático pretendido pela requerente.
Observo que a imunidade tributária recíproca opera como mecanismo de ponderação e calibração do pacto federativo, destinado a assegurar que entes desprovidos de capacidade contributiva vejam diminuída a eficiência na consecução de seus objetivos definidos pelo sistema jurídico.
Por outro lado, a imunidade recíproca é uma clara salvaguarda contra o risco de utilização de tributos como instrumento de pressão econômica entre os membros do pacto federativo. McCulloch v. Maryland, conhecido "leading case" de 1819, é referência máxima na matéria.
Nesse sentido, tanto os objetivos como os efeitos do reconhecimento da aplicação da imunidade recíproca são passíveis de submissão ao crivo jurisdicional, em um exame de ponderação e proporcionalidade, não bastando a constatação objetiva de natureza pública do serviço que se está a tributar.
Assim, a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados."
Enfatizou, por outro lado, o insigne relator que:
"Reconhecer a aplicabilidade da imunidade recíproca à tributação de serviço público explorado com intuito lucrativo por particulares redundaria, em última análise, a privilegiar a exploração econômica particular, e não o pacto federativo.
Por fim, sob o ângulo da relevância do pacto federativo e da capacidade contributiva, a atividade notarial é em tudo semelhante aos demais serviços públicos concedidos, como o fornecimento de energia elétrica (art. 21, XII, b, da Constituição - incidência de ICMS), os serviços locais de fornecimento de gás canalizado (art. 25, §20, da Constituição - incidência de ICMS), a prestação de serviços de telecomunicação (art. 21, XI, da Constituição - incidência de ICMS), a manutenção e conservação de estradas de rodagem (incidência do ISSQN) etc.
Em todos os casos a presença de um agente com propósito de lucro, que deverá suportar inicialmente o ônus da tributação, afasta o risco ao equilíbrio entre os entes federados e confirma, objetivamente, que o tributo será suportado por quem demonstre capacidade contributiva.
A circunstância de o valor das taxas, e, conseqüentemente, do valor destinado ao notário como contraprestação pelo serviço, sujeitarem-se à definição pelo Poder Público não impressiona, já que os serviços concedidos, e normalmente tributados, também podem se submeter ao mesmo tipo de restrição.
As qualidades intrínsecas da Pessoa Política, em especial a imunidade tributária, não se comunicam ao delegatário. A imunidade recíproca só se aplica quando o ente político presta o serviço. Se este é prestado por permissionários, concessionários ou delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade.
Assim, as atividades notariais e de registro se subsumem à exceção prevista no art. 150, §3º, da Constituição, pelo que podem ser tributadas a título do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, tal como previsto nos itens 21 e 21.1 da lista anexa à Lei Complementar 116/2002".
Registre-se, ainda, que por ocasião do julgamento observou o Min. Carlos Ayres Britto que a jurisprudência do STF reconhece a índole estatal dos referidos serviços, bem como que tal materialidade constitui hipótese de incidência típica de taxa.
Contudo, como expôs o Min. Joaquim Barbosa, não ha diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. A tributação de ambos os tipos de atividade se justifica mediante o exame da capacidade contributiva tanto da atividade quanto dos agentes que a exploram com viés econômico. A Constituição comete expressamente aos municípios e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, ainda que públicos, quando desempenhados por particulares mediante remuneração.
Assim, declarar-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.009/2003 do Município de Petrópolis seria afrontar o julgamento da ADIn nº 3.089-2. Isso porque os itens 21 e 21.01 da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116 foram declarados constitucionais, com efeito vinculante nos termos do art. 102, § 2º da Constituição Federal.
Observe-se, finalmente, que, por via de arrastamento, declara-se a constitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Regulamentar nº 769/2003 do Município de Petrópolis.
Por tais razões, julga-se improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº. 6.009/2003, que alterou o Código Tributário do Município de Petrópolis bem como, por via de arrastamento, dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Regulamentar nº 769/2003 do Município de Petrópolis.
Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2008.
Desembargador MARCUS FAVER
Relator