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Artigo - A responsabilidade civil dos cartórios extrajudiciais por fraudes documentais
Por Gabriel de Sousa Pires
A evolução da responsabilidade civil dos cartórios por
fraudes documentais, da objetiva à subjetiva, com análise legal,
jurisprudencial e estratégias para maior segurança jurídica.
1. Introdução
Os cartórios extrajudiciais desempenham um papel central na
estrutura do sistema jurídico brasileiro. Como delegados do poder público, os notários
e registradores garantem a segurança, autenticidade e publicidade dos atos
jurídicos. Contudo, sua responsabilidade civil tem sido objeto de intensos
debates, especialmente no que se refere a fraudes documentais.
A evolução normativa e jurisprudencial delineou diferentes
formas de responsabilização desses profissionais, oscilando entre a
responsabilidade objetiva e subjetiva. Este artigo visa oferecer uma análise
aprofundada sobre o tema, abordando a legislação vigente, os principais
posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, além de discutir boas práticas
para prevenção de fraudes.
2. O papel dos cartórios extrajudiciais e a necessidade
de responsabilização
O notariado brasileiro é regido pelo sistema do notário de
fé pública, que impõe a esses profissionais a obrigação de garantir a
veracidade dos atos praticados perante sua serventia. Os registradores, por sua
vez, devem zelar pela legalidade dos documentos apresentados para registro.
Entretanto, fraudes documentais são uma realidade que
desafia a credibilidade desses serviços. A responsabilidade civil dos cartórios
surge como um mecanismo essencial para assegurar a proteção das partes
envolvidas nos negócios jurídicos e garantir a confiabilidade do sistema.
3. Fundamentos legais da responsabilidade civil dos
cartórios
A CF/88, no art. 236, § 1º, delega à legislação
infraconstitucional a regulamentação das atividades dos cartórios, incluindo
sua responsabilidade civil e criminal.
A regulamentação normativa está assentada nas seguintes
leis:
Lei 6.015/73 (lei de registros públicos) - Art. 28: Os
oficiais de registro são civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos
interessados, desde que haja dolo ou culpa.
Lei 8.935/94 (lei dos cartórios) - Art. 22: Os notários e
registradores respondem pelos danos que eles e seus prepostos causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa dos
prepostos.
Lei 13.286/16: Alterou a natureza da responsabilidade dos
notários e registradores, exigindo comprovação de dolo ou culpa, afastando a
presunção de responsabilidade objetiva que anteriormente recaía sobre esses
profissionais.
Essa alteração legislativa provocou um intenso debate na
doutrina. Se por um lado se entende que a subjetivação da responsabilidade
protege os notários contra abusos, por outro, há o temor de que isso reduza a
segurança jurídica e dificulte a reparação de danos para terceiros
prejudicados.
4. Responsabilidade civil: Objetiva ou subjetiva?
Historicamente, a responsabilidade dos cartórios era
interpretada como objetiva, ou seja, bastava a existência do dano e do nexo de
causalidade para que houvesse obrigação de indenizar. Com a entrada em vigor da
lei 13.286/16, a responsabilidade passou a ser subjetiva, exigindo a
comprovação de culpa ou dolo.
A principal justificativa para essa mudança legislativa foi
a impossibilidade de os notários e registradores controlarem todas as variáveis
de um documento público, especialmente no caso de falsificações sofisticadas.
Contudo, a responsabilidade subjetiva gera um ônus probatório maior para os
prejudicados, que precisam demonstrar a negligência do cartório no caso
concreto.
5. Análise da jurisprudência e evolução do entendimento
judicial
A jurisprudência brasileira demonstra uma evolução
significativa quanto à responsabilidade civil dos cartórios. Antes da lei
13.286/16, os tribunais aplicavam predominantemente a responsabilidade
objetiva, conforme evidenciado em decisões anteriores a essa mudança
legislativa
TJ/SC - AC 84131/07: Notário responsabilizado por
negligência ao não verificar a autenticidade dos documentos apresentados para
lavratura de escritura. O tribunal adotou o entendimento de que a fé pública do
notário gerava a presunção de veracidade do ato, mas que, caso ocorresse um
erro, a responsabilidade seria objetiva.
TJ/MG - AC 10647091032456003/13: Reconhecimento da
responsabilidade solidária do tabelião, corretora e imobiliária em transação
fraudulenta. A decisão reforçou o entendimento de que o tabelião deveria
responder independentemente da verificação de culpa.
Com a entrada em vigor da lei 13.286/16, a jurisprudência
passou a exigir a comprovação de culpa ou dolo para a responsabilização dos
notários e registradores, conforme demonstram decisões mais recentes:
STJ - AgRg no AREsp 491976/RJ: Excludente de
responsabilidade aplicada quando a falsidade documental não era perceptível a
olho nu. O tribunal reforçou que a atuação do notário deve ser avaliada caso a
caso, considerando se havia meios razoáveis para detectar a fraude.
TJ/DF - AC 682241620038070001/05: Exclusão da
responsabilidade do tabelião por não ter participado da falsificação da
procuração. O entendimento atual considera que o tabelião só pode ser
responsabilizado se ficar comprovada sua omissão ou falta de diligência.
A tendência jurisprudencial mais recente aponta para um
equilíbrio entre as abordagens, impondo a responsabilidade civil dos cartórios
nos casos em que há falha na verificação de autenticidade dos documentos, mas
afastando a condenação quando os mecanismos de conferência adotados foram
adequados e o erro não era identificável.
6. Medidas preventivas e boas práticas
Diante da complexidade do tema, é fundamental que os
cartórios adotem medidas rigorosas para mitigar riscos e reduzir fraudes.
Algumas boas práticas incluem:
Verificação biométrica e certificação digital para garantir
autenticidade dos atos notariais.
Aprimoramento dos mecanismos de controle documental,
incluindo a exigência de mais certidões complementares em operações de risco
elevado.
Uso de blockchain para criar um banco de dados inviolável
sobre atos notariais, garantindo rastreabilidade e maior segurança.
Treinamento contínuo dos prepostos para identificação de
fraudes sofisticadas e aprimoramento da segurança nos processos de verificação
documental.
A implementação dessas medidas não apenas protege os
cartórios contra eventuais ações judiciais, mas também reforça sua
credibilidade e a segurança dos atos praticados.
7. Conclusão
A responsabilidade civil dos cartórios extrajudiciais por
fraudes documentais é um tema que exige um olhar minucioso sobre a interação
entre normas jurídicas, prática cartorária e novas tecnologias. A evolução
legislativa tem buscado equilibrar a proteção dos usuários e a limitação dos
riscos enfrentados pelos notários e registradores.
A jurisprudência tem consolidado um modelo híbrido de
responsabilização, exigindo análise criteriosa dos casos concretos para definir
se houve negligência ou se o cartório adotou as melhores práticas disponíveis.
O futuro da atividade notarial dependerá do contínuo
aprimoramento de suas práticas e da modernização dos mecanismos de controle
documental. Somente assim será possível garantir a segurança jurídica dos atos
praticados e a proteção dos cidadãos contra fraudes, sem comprometer a
eficiência do serviço notarial e registral no Brasil.
Fonte: Migalhas