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09 de Outubro de 2020
Artigo - Conjur - Multiparentalidade: direito personalíssimo, intransmissível e irrenunciável - por Marco Aurélio de Carvalho, Rachel Leticia Curcio Ximenes, Tiago de Lima Almeida e Patrícia Emi Taquicawa Kague
O instituto da multiparentalidade está estritamente ligado ao da paternidade socioafetiva, visto que ocorre quando um indivíduo que já tem em seu registro de nascimento o nome de ambos os pais acrescenta mais um nome ascendente em sua certidão.
A pluralidade dos laços familiares, a cada dia, ganha mais espaço na realidade brasileira, inclusive o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 622 de repercussão geral [1], fixou a seguinte tese para aplicação em casos semelhantes, segundo a qual "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
Logo após a publicação da referida tese do STF, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 63/2017 para dispor sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva, deixando claro, contudo, que o reconhecimento afetivo não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica, o que vem sendo bem aceito pela jurisprudência atual.
Tanto é que em recente decisão a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo houve por bem reconhecer o direito do filho (apelado) em retificar seu assento de nascimento para fazer constar o nome de seu pai biológico (apelante), apesar da existência de paternidade socioafetiva. Vejamos a ementa:
"RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL PARA CONSTAR PAI BIOLÓGICO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. MULTIPARENTALIDADE. POSSIBILIDADE, NÃO OBSTANTE EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Insurgência contra sentença de parcial procedência. Sentença mantida. Ação ajuizada pelo filho para que seu assento de nascimento reflita a verdade biológica. Possibilidade, a despeito da existência de paternidade socioafetiva. Multiparentalidade admissível, permitindo o assento de nascimento reflita a verdade biológica. Recurso desprovido" [2].
De acordo com o relator, desembargador Calos Alberto de Salles:
"É possível o ajuizamento de ação de retificação de assento de nascimento pelo filho para que seu registro oficial reflita sua verdade biológica, independentemente da existência de paternidade socioafetiva.
Esse entendimento se justifica na medida em que o estado de filiação é personalíssimo, sempre assistindo ao filho a possibilidade de fazer valer a sua verdade biológica em seus documentos oficiais".
Uma vez considerada como direito personalíssimo, a multiparentalidade passa a ser inerente à dignidade da pessoa humana, sendo intransmissível e irrenunciável, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária, nos termos do artigo 11 do Código Civil.
Antes dessa sólida jurisprudência, a doutrina já sustentava a ideia de multiparentalidade, com destaque para a teoria tridimensional do autor Pedro Belmiro Welter. Para ele, a condição humana é composta por três elementos essenciais, quais sejam, genética, afeto e ontologia. Nas palavras do renomado jurista:
"Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de todos os efeitos jurídicos é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que todas fazem parte da trajetória da vida humana" [3].
Entende-se, portanto, que negar a coexistência da verdade de fato com a verdade genética é a mesma coisa que negar a essência do ser humano, já que nem todas as pessoas possuem os laços afetivos com seus pais biológicos, mas, sim, com um padrasto ou uma madrasta, o que não pode ser um impeditivo para que o interessado tenha em seu registro a identificação da realidade fática, juntamente com a realidade biológica.
[1] RE 898060, Tribunal Pleno/STF, Ministro Relator Luiz Fux, Dje. 24/08/2017.
[2] Apelação nº 1001313-73.2018.8.26.0575, 3ª Câmara de Direito Privado/TJSP, Desembargador Relator CARLOS ALBERTO DE SALLES, Dje. 03/09/2020.
[3] WELTER, Pedro Belmiro, Teoria Tridimensional no Direito da Família, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre,2009, p. 279
A pluralidade dos laços familiares, a cada dia, ganha mais espaço na realidade brasileira, inclusive o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 622 de repercussão geral [1], fixou a seguinte tese para aplicação em casos semelhantes, segundo a qual "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
Logo após a publicação da referida tese do STF, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 63/2017 para dispor sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva, deixando claro, contudo, que o reconhecimento afetivo não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica, o que vem sendo bem aceito pela jurisprudência atual.
Tanto é que em recente decisão a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo houve por bem reconhecer o direito do filho (apelado) em retificar seu assento de nascimento para fazer constar o nome de seu pai biológico (apelante), apesar da existência de paternidade socioafetiva. Vejamos a ementa:
"RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL PARA CONSTAR PAI BIOLÓGICO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. MULTIPARENTALIDADE. POSSIBILIDADE, NÃO OBSTANTE EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Insurgência contra sentença de parcial procedência. Sentença mantida. Ação ajuizada pelo filho para que seu assento de nascimento reflita a verdade biológica. Possibilidade, a despeito da existência de paternidade socioafetiva. Multiparentalidade admissível, permitindo o assento de nascimento reflita a verdade biológica. Recurso desprovido" [2].
De acordo com o relator, desembargador Calos Alberto de Salles:
"É possível o ajuizamento de ação de retificação de assento de nascimento pelo filho para que seu registro oficial reflita sua verdade biológica, independentemente da existência de paternidade socioafetiva.
Esse entendimento se justifica na medida em que o estado de filiação é personalíssimo, sempre assistindo ao filho a possibilidade de fazer valer a sua verdade biológica em seus documentos oficiais".
Uma vez considerada como direito personalíssimo, a multiparentalidade passa a ser inerente à dignidade da pessoa humana, sendo intransmissível e irrenunciável, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária, nos termos do artigo 11 do Código Civil.
Antes dessa sólida jurisprudência, a doutrina já sustentava a ideia de multiparentalidade, com destaque para a teoria tridimensional do autor Pedro Belmiro Welter. Para ele, a condição humana é composta por três elementos essenciais, quais sejam, genética, afeto e ontologia. Nas palavras do renomado jurista:
"Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de todos os efeitos jurídicos é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que todas fazem parte da trajetória da vida humana" [3].
Entende-se, portanto, que negar a coexistência da verdade de fato com a verdade genética é a mesma coisa que negar a essência do ser humano, já que nem todas as pessoas possuem os laços afetivos com seus pais biológicos, mas, sim, com um padrasto ou uma madrasta, o que não pode ser um impeditivo para que o interessado tenha em seu registro a identificação da realidade fática, juntamente com a realidade biológica.
[1] RE 898060, Tribunal Pleno/STF, Ministro Relator Luiz Fux, Dje. 24/08/2017.
[2] Apelação nº 1001313-73.2018.8.26.0575, 3ª Câmara de Direito Privado/TJSP, Desembargador Relator CARLOS ALBERTO DE SALLES, Dje. 03/09/2020.
[3] WELTER, Pedro Belmiro, Teoria Tridimensional no Direito da Família, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre,2009, p. 279