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Artigo - Da comunicação do FGTS no regime de comunhão parcial de bens – Por Felipe Monteiro Mello
Compreendemos que existe uma
confusão legislativa ou uma formulação simplista sobre a comunhão parcial e
universal de bens.
A divisão dos bens provenientes
dos proventos do trabalho, seja em um casamento ou união estável com o regime
de Comunhão Parcial de Bens escolhido, ainda gera controvérsias na sociedade.
(A explicação a seguir valerá para o regime de Comunhão Universal, que abrange
todo o patrimônio do casal em um único conjunto).
Faz-se necessário esclarecer
esse assunto, uma vez que ainda persiste certa confusão a respeito. Quando o
regime de comunhão parcial é eleito pelo casal, significa que durante a
vigência dessa relação, ocorrerá a comunicação dos bens adquiridos e
construídos durante a união, os quais serão considerados como pertencentes ao
casal.
Esclareço com base nos artigos
da própria lei:
Art. 1.658, Código Civil - No
regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Art. 1.725, Código Civil - Na
união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.1
A princípio, pode parecer
simples; no entanto, quando o Código Civil de 2002 abordou a comunhão parcial
de bens, incluiu um inciso no artigo que trata do tema, gerando toda essa
incerteza, a saber, o inciso VI do artigo 1.659 (comunhão parcial) e o artigo
1.668 (comunhão universal):
Art. 1.659, Código Civil -
Excluem-se da comunhão:
VI - os proventos do
trabalho pessoal de cada cônjuge;
Art. 1.668, , Código Civil - São
excluídos da comunhão:
V - Os bens referidos nos
incisos V a VII do art. 1.659.
A leitura literal poderia
levar-nos a entender que não haveria comunicação dos bens provenientes do
trabalho pessoal de cada indivíduo, seja em casamento ou união estável.
No entanto, para resolver essa
contradição da lei, atualmente prevalece o entendimento dos julgadores, que
utilizam como fundamento a essência do regime de comunhão parcial de bens.
Afinal, se fosse de outra forma, poder-se-ia interpretar que o regime de
comunhão parcial e o de comunhão universal de bens seriam anulados, uma vez que
ambos excluem os proventos do trabalho pessoal.
No que diz respeito ao depósito
do FGTS, este tem sua origem no trabalho do empregado, sendo obrigação do
empregador depositar o equivalente a 8% do salário. Com o tempo, esse valor
acumula-se e torna-se significativo para o funcionário, que pode sacá-lo nas
hipóteses legais, como demissão sem justa causa ou para aquisição da casa
própria, por exemplo.
Por ser proveniente do trabalho
de cada pessoa, parece natural que pertença a cada indivíduo individualmente,
como um direito personalíssimo do trabalhador. No entanto, o Superior Tribunal
de Justiça, seguindo um entendimento já consolidado, afirma que haveria uma
negação do regime de comunhão parcial de bens se os proventos de cada cônjuge
não fossem comunicados, incluindo-se os proventos do trabalho e a meação dos
valores oriundos do FGTS.
"não se pode olvidar que o
art. 1.659, VI, do CC/02, é fruto de profunda discussão no âmbito doutrinário e
jurisprudencial, especialmente porque, se fosse a regra interpretada
literalmente, o resultado seria a incomunicabilidade quase integral dos bens
adquiridos na constância da sociedade conjugal, desnaturando-se por completo o
regime da comunhão parcial ou total de bens" (STJ, REsp 1.651.292/RS,
Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/05/2020, DJe
25/05/2020)." (grifo pessoal do autor).
Em outras palavras, a essência
desse regime comum de casamento ou união estável é a divisão do patrimônio e
dos bens conquistados durante o relacionamento. A dedicação conjunta para o
desenvolvimento da família é maior do que aparenta, e o direito que era
exclusivo do trabalhador torna-se compartilhado entre os cônjuges.
Caso contrário, não apenas os
regimes, mas também a finalidade do casamento estaria comprometida:
Art. 1.511, Código Civil - O
casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos
e deveres dos cônjuges.
Não podemos esquecer das
situações que ainda existem entre os casais, como a diferença de renda (em que
um ganha mais que o outro) ou quando optam por um dos cônjuges dedicar-se
integralmente ao cuidado dos filhos e da casa. A discrepância na arrecadação
financeira pode prejudicar a pessoa que aufere menos ou não possui renda
alguma. No entanto, essa escolha por parte de um casal não significa falta de
esforço ou dedicação do cônjuge que permanece em casa.
Para ilustrar melhor essas duas
hipóteses, utilizo o conhecimento de Maria Berenice Dias2:
Quando um dos cônjuges adquire
bens para o lar, enquanto o outro acumula reservas pessoais provenientes de seu
trabalho, a interpretação literal da norma não permitiria a comunicação do
valor acumulado por um dos cônjuges. No entanto, seria partilhável o que foi
adquirido em benefício do casal.
Na outra situação, ocorreria uma
premiação de um cônjuge em relação ao outro, causando desigualdade entre eles.
Normalmente, a mulher acaba desempenhando as tarefas domésticas, sem
remuneração, que não são desprovidas de valor econômico. Na verdade, elas
contribuem, seja reduzindo custos materiais ou com a contratação de serviços
para a manutenção do lar.
Portanto, compreendemos que
existe uma confusão legislativa ou uma formulação simplista sobre a comunhão
parcial e universal de bens.
Com base no entendimento
aperfeiçoado pela doutrina e pela jurisprudência, chegamos ao resultado da
interpretação e à possibilidade de partilhar tanto as verbas trabalhistas
quanto o FGTS, comunicando os bens durante o casamento, no caso da comunhão
parcial de bens, ou tudo quando a opção escolhida for a comunhão universal.
No caso da comunhão parcial, os
bens adquiridos durante a existência dessa relação são de propriedade exclusiva
dos cônjuges e, quando o casamento chegar ao fim, cada um terá direito à sua
meação ao requerer a partilha dos bens.
Para os casos relacionados às
verbas trabalhistas, o Superior Tribunal de Justiça já prevê que as indenizações
originadas e solicitadas durante o casamento serão objeto de partilha quando
ocorrer o divórcio.
"A orientação firmada nesta
corte é no sentido de que, nos regimes de comunhão parcial ou universal de
bens, comunicam-se as verbas trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos
na constância do casamento, devendo ser partilhadas quando da separação do
casal".3
Da mesma forma, quando analisado
sobre o FGTS o STJ entendeu de maneira favorável à partilha dos valores
depositados em conta do FGTS durante a vigência do casamento, mesmo que não
seja sacado imediatamente após a separação (casamento e união estável sob o
regime da comunhão parcial), A decisão afirmou:
"[...] o
reconhecimento da incomunicabilidade daquela rubrica apenas quando percebidos
os valores em momento anterior ou posterior ao casamento. Na constância da
sociedade os proventos reforçam o patrimônio comum e o que deles advier, ou
mesmo considerados em espécie, devendo ser divididos em eventual partilha de
bens." (Resp n° 1.399.199/RS).
Valendo-se do depósito anterior
ou posterior ao casamento, o valor não será dividido pela força da meação do
casamento, exceto quando for adotado o regime de comunhão universal de bens.
E, para concluir, protegendo o
regime de comunhão parcial, trago as palavras do artigo de Flávio Tartuce, que
destaca a rejeição de uma explicação simplista sobre o assunto. Esse é o
enfoque que busquei elaborar neste artigo, fornecendo uma análise aprofundada
da lei, da jurisprudência e da doutrina. O autor mencionou uma figura
importante que participou da elaboração do Código Civil de 2002:
Segundo Alexandre Guedes
Alcoforado Assunção, jurista que participou da última fase do processo de
elaboração do Código Civil de 2002, "a previsão da exclusão dos proventos
do trabalho de cada cônjuge, indicada no inciso VI, gera uma situação que se
opõe à própria essência do regime. Ora, se os rendimentos do trabalho não são
comunicados, os bens resultantes desses rendimentos também não são comunicados,
conforme o inciso II, e, consequentemente, quase nada se comunica nesse regime,
considerando que a maioria dos cônjuges vive dos rendimentos do seu trabalho. A
comunhão parcial de bens tem como objetivo comunicar todos os bens adquiridos
onerosamente durante o casamento, incluindo aqueles adquiridos com os frutos do
trabalho" (Código Civil comentado. Coordenador Deputado Ricardo Fiuza. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 1519)4.
Agora, informado desse direito e
buscando a partilha, como proceder?
O valor somente será partilhado
quando surgir uma das situações que permite o saque do FGTS, conforme
estabelecido na lei 8.036/90. Enquanto isso não ocorrer, você assegura o seu
direito, comprovando o divórcio e a partilha, informando à Caixa Econômica
Federal, que deverá reservar a quantia a ser recebida por você ou pelo cônjuge.
___________
1 In:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em:
18/07/2023.
2 DIAS, Maria Berenice. Manual
de Direito das Famílias. 15° ed. Salvador. Editora JusPodivm, 2022.
3 In:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/27092020-De-meu-bem-a-meus-bens-a-discussao-sobre-partilha-do-patrimonio-ao-fim-da-comunhao-parcial.aspx.
Acesso em: 18/07/2023.
4 In: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/340711/da-comunicacao-do-fgts-no-regime-da-comunhao-parcial-de-bens.
Acesso em: 16/07/2023.
Felipe Monteiro Mello: Advogado, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e membro do IBDFAM.
Fonte: Migalhas