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Artigo - Utilização indispensável pelo Judiciário do serviço extrajudicial para conciliações e mediações
Por Alberto Gentil
de Almeida Pedroso
A existência de mais de 84 milhões de processos em
andamento no país (conforme publicamente noticiado, em maio de 2024, pelo
Conselho Nacional de Justiça) é um dado significativo da grande litigiosidade
nacional, situação posta que exige de todo Poder Judiciário grande concentração
de esforços para solução dos múltiplos processos.
São inúmeras as
frentes sociais em que o Estado deve atuar para que se possa evoluir como nação
— diminuição de conflitos, atuação leal em prestígio à boa-fé objetiva nas mais
diversas relações jurídicas, tolerância com a diversidade, respeito ao próximo,
dentre outros nortes igualmente nobres.
Limitando-se o campo de análise à problemática dos
milhões de processos em andamento — ciente que a cada novo dia milhares de
novas ações são distribuídas perante o Poder Judiciário —, o quadro tradicional
de solução de conflito, na visão do CPC/1973, sempre foi a imposição unilateral
de resposta por parte do Estado-juiz (mediante sentença) aos litigantes, após
exaustivo processo judicial e o exaurimento do infindável sistema recursal
brasileiro.
Resposta
impositiva não é única oferta da Justiça
O prestígio da
conciliação e da mediação surgem exatamente da identificação pela doutrina
(capitaneada pela professora Ada Grinover e pelo desembargador paulista Kazuo
Watanabe) e posteriormente pelo legislador (CPC/2015) de que a resposta
judicial impositiva não é a única forma de prestação jurisdicional possível a
ser oferecida pelo Estado. Afinal o modelo tradicional, por diversas vezes, em
que pese solucionar o processo judicial não proporciona a solução dos
conflitos. Não são poucas as situações em que a prolação da sentença, na ação
judicial em curso, pelo Estado-juiz, com a fixação de culpas e
responsabilidades, apesar de encerrar o processo, contribui para o aumento da
tensão social, inflamando vencidos e vencedores a veladamente (ou não)
prometerem novos embates.
Mauro Cappelletti
e Bryant Garth salientam que:
O sistema jurídico japonês oferece exemplo conspícuo
do uso largamente difundido da conciliação. Cortes de conciliação, composta por
dois membros leigos e (ao menos formalmente) por um juiz, existe há muito tempo
em todo o Japão, para ouvir as partes informalmente e recomendar uma solução
justa. A conciliação pode ser requerida por uma das partes, ou um juiz pode
remeter um caso judicial à conciliação[1].
A conciliação e a
mediação objetivam findar a demanda (ou obstar a sua propositura), bem com
pacificar o conflito, agindo na permanência de laços sociais ou afetivos.
Sobre a
importância da conciliação e da mediação, o Conselho Nacional de Justiça, em
oportunidade anterior, asseverou que:
Esse procedimento se constitui em um método de
prevenção de litígios e funciona como opção alternativa ao ingresso na via
judicial, objetivando evitar o alargamento do número de demandas nos foros e a
abreviação de tempo na solução das pendências, sendo acessível a qualquer
interessado em um sistema simples ao alcance de todos. […] A principal característica dessa modalidade de
conciliação é a promoção de encontros entre os interessados, nos quais um
conciliador buscará obter o entendimento e a solução das divergências por meio
da composição não adversarial e, pois, ainda antes de deflagrada a ação
(Projeto Movimento pela Conciliação, 2006, p. 4).
Novidade no
CPC de 2015
O Código de
Processo Civil de 2015 — Lei 13.105/2015 —, fortemente apoiado nos preceitos da
Resolução nº 125/2010 do CNJ (sobre a política nacional de tratamento adequado
de conflitos de interesses), prestigiou a conciliação e a mediação de maneira
significativa — pois, além de dedicar inúmeros artigos aos institutos, também
tornou regra obrigatória a realização de sessão de conciliação/mediação em
todas as demandas judiciais, ressalvadas as hipóteses de dispensa de todas as
partes para realização do ato conciliatório e de não admissão da autocomposição
para o caso em julgamento.
É exatamente
dentro do breve contexto fático e legal apresentados que o Conselho Nacional de
Justiça, identificando a indispensabilidade do desenvolvimento da conciliação e
mediação no país e reconhecendo a capilaridade e qualidade profissional do
serviço extrajudicial, editou o Provimento n° 67/2018, em 26 de março de 2018,
dispondo sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços
notariais e de registro do Brasil — consolidando, a posteriori, o tema no
Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial (Prov. 149/2023) a partir do
artigo 18 e seguintes (vale salientar que o tema também é disciplinado
integralmente pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de
São Paulo, em seu Capítulo XIII, itens 84 e seguintes).
A regra
administrativa referida, em que pese sua pouca adesão prática até então,
recebeu contundente incentivo legislativo para prática da conciliação e
mediação pela atividade extrajudicial, reforce-se, sob os argumentos da
expressiva capilaridade do serviço (presente em todos os municípios do país) e
altíssima qualidade técnica dos profissionais (afinal, os delegatários do
serviço extrajudicial brasileiros são selecionados em concursos públicos de
provas e títulos realizados pelo próprio Poder Judiciário). A Lei nº 14.711/23
incluiu o artigo 7º-A na Lei n° 8.935/94 e estabeleceu a competência notarial
(não exclusiva) para prática da conciliação e mediação, bem como incrementou o
sistema com a viabilidade da feitura de convênios e remuneração condigna para
os notários (§ 3º, do artigo 7º-A, da Lei 8.935/94).
Assim, diante de
todo quadro normativo administrativo e legal apresentado, mostra-se
indispensável a reflexão sobre inúmeros aspectos (financeiro, gestão pública,
atendimento do cidadão-litigante, rápida e eficiente multiplicação de centros
de conciliação e mediação pelo país, dentre outros) quanto à real eficiência da
mantença do modelo único de prestação do serviço de conciliações e mediações
realizada pelos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (artigo
165 do CPC), normalmente custeados integralmente pelo Poder Judiciário e ainda
em número insuficiente de unidades implantadas no País.
Convênio com
cartórios para serviços extrajudiciais
Em breve
compartilhamento de pensamento, sem embargos de posição em sentido contrário,
acredita-se que é chegado o momento de os tribunais do país firmarem convênios
sólidos com o serviço extrajudicial para que os cartórios brasileiros
protagonizem o serviço de conciliação e mediação dos processos judiciais (por
meio de conciliadores e mediadores capacitados, em serventias credenciadas e
fiscalizadas pelo Poder Judiciário). A providência ventilada objetiva auxiliar
o Estado e principalmente os jurisdicionados das mais diversas formas
(aumentando a capilaridade do serviço, diminuindo o custo operacional do
Estado, proporcionando maior proximidade do jurisdicionado com os locais de
conciliação e mediação, dentre outras benesses), colocando em prática o modelo
já criado pelos referidos textos administrativos (do CNJ e da própria CGJ/SP) e
legislativo (artigo 7º-A, da Lei nº 8.935/94) em plena vigência.
Como é sabido, dispõe o Código de Processo Civil em
seu artigo 165 que “os tribunais criarão centros judiciários de solução
consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências
de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a
auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.
O comando legal
imposto no artigo 165 do Código de Processo Civil exigiu de todos os tribunais
do país a criação, manutenção e custeio de uma estrutura estatal de grande
porte para realização das sessões de conciliação e mediação.
Partindo-se da
premissa que a conciliação e a mediação podem ser realizadas pelos delegatários
do serviço extrajudicial (habilitada a serventia e capacitados os
escreventes/conciliadores/mediadores e os próprios delegatários, nos moldes do
regramento administrativo vigente da E. CGJ/SP, Cap. XII, Tomo II, com
participação indispensável do Nupemec), conforme dispõe a Lei 8.935/94 e o
Prov. 149/2023 do CNJ, bastaria a confecção de convênio institucional com o
estabelecimento de rotinas e fluxos de trabalho para que todos os juízos dos
respectivos tribunais encaminhassem os processos para fins de conciliação e
mediação para prestação do serviço pelas serventias extrajudiciais habilitadas.
A proposta de
reflexão apresentada almeja reduzir os custos fixos das despesas públicas dos
tribunais com o serviço das conciliações e mediações, propiciando a realocação
de recursos e pessoal para outras necessidades da gestão pública, aumentar
significativamente o número de locais que prestam o serviço atualmente, ante a
vasta capilaridade extrajudicial e ainda possibilitar que os jurisdicionados
sejam atendidos mais rapidamente e em lugares mais próximos de suas residências
(observando-se para tanto o domicílio indicado pelas partes na ação judicial) —
sem qualquer prejuízo do poder de fiscalização do Poder Judiciário sobre a
qualidade do serviço, como disciplinado no artigo 236, parágrafo 1º da
Constituição.
[1] CAPPELLETTI,
Mauro; GARTH, Brian. Acesso à justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 84.
Fonte: Conjur