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17 de Agosto de 2020
Clipping – Nexo - Como o impacto da covid aparece na conta de excesso de mortes
Na busca pelo entendimento do real impacto da covid-19 no Brasil, pesquisadores têm voltado a atenção para um dado conhecido como “excesso de mortes”.
Há excesso de mortes ou de mortalidade quando os números de óbitos por causas naturais ficam acima da média histórica desse tipo de ocorrência. Segundo a definição usada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), um excedente de óbitos está sempre relacionado a uma situação de crise.
A morte por causas naturais é definida como aquela que aconteceu em decorrência de doença ou problema interno do corpo. As mortes por covid-19 fazem parte dessa categoria. Óbitos causados por fatores externos, como acidente de trânsito ou assassinato, não entram nessa conta.
De acordo com o site Mortalidade, iniciativa de que reúne gráficos sobre o excesso de mortes, feitos a partir de dados do Registro Civil com consultoria de especialistas, o número de óbitos naturais cresceu muito no país durante os meses da pandemia, na comparação com o mesmo período de 2018 e 2019.
Segundo os autores do site, não é possível cravar que todas as mortes excedentes são relacionadas à covid-19, “mas é razoável presumir”.
O motivo é que “de um ano para outro, em geral, há pouca variação entre as mortes – a não ser que ocorra um fator novo provocando alta letalidade, como é o caso da covid-19”.
Dados de mortes naturais são obtidos junto ao Portal de Transparência do Registro Civil e contabilizam as declarações de óbito emitidas por cartórios de todo o país. A compilação desses dados toma tempo, uma vez que os cartórios enviam as informações em ritmos e prazos diferentes. No caso do site Mortalidade, os dados de excesso de mortes estão disponíveis até 31 de julho.
“O maior desafio é ter o dado em tempo real, nenhum país praticamente consegue ter isso tão rapidamente”, afirmou ao Nexo o epidemiologista Otávio Ranzani, do Instituto para Saúde Global de Barcelona, e consultor técnico do site Mortalidade. Segundo ele, os dados do registro civil, especialmente do interior, podem demorar por motivos que vão desde a demora da família em notificar o óbito até a falta de registro de pessoas sem parentes vivos.
O aumento dos registros de mortes
De acordo com as comparações feitas pela página, a mortalidade por causas naturais chegou a crescer quase 25% no país durante a pandemia. Em alguns dos estados mais atingidos pela covid-19, como Amazonas, Ceará, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro, o número cresce de maneira vertiginosa em relação ao período anterior.
No Amazonas, foram contabilizadas 159 mortes no dia 29 de abril, em comparação com 39 óbitos na mesma data em 2018. Em 10 de maio, o Rio de Janeiro totalizou 747 mortes. No mesmo dia, um ano antes, 404 pessoas morreram. Em cada dia, o número se refere à média móvel dos últimos sete dias, procedimento utilizado para evitar distorções trazidas pela contagem apenas de casos das últimas 24 horas.
Um estudo de diversos autores publicado em maio de 2020 descobriu que, nas cinco capitais brasileiras com maior incidência de covid-19 na pandemia até então (Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Recife), foi registrado excesso de mortes. Na única capital analisada pelo trabalho com baixa incidência de covid-19 (Porto Alegre), não foi contabilizado excesso.
O trabalho traz também recortes demográficos dos excedentes. Por exemplo, um terço do excesso de mortes nas cidades estudadas ocorreu com pessoas entre 20 e 59 anos.
As suspeitas de subnotificação
Para muitos especialistas, os dados baseados em notificações individuais, como os compilados pelas secretarias estaduais ou divulgados pelo Ministério da Saúde, não retratam a real dimensão da mortandade que a covid-19 impôs ao país.
“O amplo espectro clínico da doença, que pode dificultar o diagnóstico clínico, somado à escassez de recursos laboratoriais e à sobrecarga da rede de saúde, não permitirá que os sistemas de vigilância epidemiológica detectem todos os casos e mortes”, afirmaram os autores do estudo realizado nas seis capitais.
Segundo os pesquisadores, apenas metade (52%) dos que morreram por covid-19 nas cidades avaliadas pelo trabalho entram no radar das atividades e serviços de saúde.
Por exemplo, de acordo o site Mortalidade, o pico de mortes em 2020 no Brasil ocorreu no dia 13 de maio, quando ocorreram 4.361 ocorrências. Em comparação, o mesmo dia em 2019 registrou 3.251 mortes.
Se o número do dia de 2019 for subtraído do total do mesmo dia em 2020, chega-se ao excedente de mortes, que dá 1.110. De acordo com dados do Ministério da Saúde para a mesma data, foram registrados 749 mortes por covid-19. A diferença entre os totais sugere então uma subnotificação expressiva.
Ainda que outros motivos gerados pela pandemia devam ser considerados, como mortes advindas de falta de atendimento em um sistema de saúde sobrecarregado, especialistas acreditam que a infecção pelo novo coronavírus tem grande responsabilidade.
“Quando o excesso de óbitos está maior que o número de óbitos por covid-19 confirmados podemos atribuir que parte deles foi dado à falta de diagnóstico do óbito”, afirmou Ranzani, do Instituto para Saúde Global de Barcelona, ao Nexo. “Podemos ver isso de maneira bem clara no Amazonas e Maranhão. No Rio de Janeiro, um pouco. Em São Paulo, isso ocorreu mais no início da pandemia.”
A desconfiança com relação a números oficiais cresceu depois de tentativas do governo de ocultar ou manipular dados para oferecer um quadro mais favorável. Em junho, o Ministério da Saúde retirou números acumulados de infectados e mortos por covid-19 de seu site. Depois de uma onda de indignação, as informações voltaram à página.
Sites bolsonaristas que publicam notícias falsas divulgaram em julho que a pandemia estaria sendo controlada no país pois o Brasil havia “zerado o excesso de mortes” em junho. Na verdade, o veículo se baseou em dados incompletos do Portal de Transparência, pois ainda não estavam disponíveis números do período mais próximo à publicação da notícia falsa. A ausência dessas informações foi usada para afirmar que havia ocorrido uma queda no índice que mensura o excedente de óbitos.
A contagem em outros países
O excedente de mortes identificado durante a pandemia varia consideravelmente dependendo do país.
Segundo levantamento realizado pela BBC, nos Estados Unidos, entre 16 de fevereiro e 2 de maio, o número de mortes foi 16% maior que a média. Esse aumento foi equivalente a 97.300 óbitos acima do normal.
No Reino Unido, entre 7 de março e 5 de junho, o número de mortes ultrapassou a média em 43%, com 64.500 ocorrências além do normal.
Na Coreia do Sul, país que teve número baixo de mortes por covid-19, o excedente de óbitos foi de apenas 5% entre 1 de fevereiro e 30 de março.
Há excesso de mortes ou de mortalidade quando os números de óbitos por causas naturais ficam acima da média histórica desse tipo de ocorrência. Segundo a definição usada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), um excedente de óbitos está sempre relacionado a uma situação de crise.
A morte por causas naturais é definida como aquela que aconteceu em decorrência de doença ou problema interno do corpo. As mortes por covid-19 fazem parte dessa categoria. Óbitos causados por fatores externos, como acidente de trânsito ou assassinato, não entram nessa conta.
De acordo com o site Mortalidade, iniciativa de que reúne gráficos sobre o excesso de mortes, feitos a partir de dados do Registro Civil com consultoria de especialistas, o número de óbitos naturais cresceu muito no país durante os meses da pandemia, na comparação com o mesmo período de 2018 e 2019.
Segundo os autores do site, não é possível cravar que todas as mortes excedentes são relacionadas à covid-19, “mas é razoável presumir”.
O motivo é que “de um ano para outro, em geral, há pouca variação entre as mortes – a não ser que ocorra um fator novo provocando alta letalidade, como é o caso da covid-19”.
Dados de mortes naturais são obtidos junto ao Portal de Transparência do Registro Civil e contabilizam as declarações de óbito emitidas por cartórios de todo o país. A compilação desses dados toma tempo, uma vez que os cartórios enviam as informações em ritmos e prazos diferentes. No caso do site Mortalidade, os dados de excesso de mortes estão disponíveis até 31 de julho.
“O maior desafio é ter o dado em tempo real, nenhum país praticamente consegue ter isso tão rapidamente”, afirmou ao Nexo o epidemiologista Otávio Ranzani, do Instituto para Saúde Global de Barcelona, e consultor técnico do site Mortalidade. Segundo ele, os dados do registro civil, especialmente do interior, podem demorar por motivos que vão desde a demora da família em notificar o óbito até a falta de registro de pessoas sem parentes vivos.
O aumento dos registros de mortes
De acordo com as comparações feitas pela página, a mortalidade por causas naturais chegou a crescer quase 25% no país durante a pandemia. Em alguns dos estados mais atingidos pela covid-19, como Amazonas, Ceará, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro, o número cresce de maneira vertiginosa em relação ao período anterior.
No Amazonas, foram contabilizadas 159 mortes no dia 29 de abril, em comparação com 39 óbitos na mesma data em 2018. Em 10 de maio, o Rio de Janeiro totalizou 747 mortes. No mesmo dia, um ano antes, 404 pessoas morreram. Em cada dia, o número se refere à média móvel dos últimos sete dias, procedimento utilizado para evitar distorções trazidas pela contagem apenas de casos das últimas 24 horas.
Um estudo de diversos autores publicado em maio de 2020 descobriu que, nas cinco capitais brasileiras com maior incidência de covid-19 na pandemia até então (Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Recife), foi registrado excesso de mortes. Na única capital analisada pelo trabalho com baixa incidência de covid-19 (Porto Alegre), não foi contabilizado excesso.
O trabalho traz também recortes demográficos dos excedentes. Por exemplo, um terço do excesso de mortes nas cidades estudadas ocorreu com pessoas entre 20 e 59 anos.
As suspeitas de subnotificação
Para muitos especialistas, os dados baseados em notificações individuais, como os compilados pelas secretarias estaduais ou divulgados pelo Ministério da Saúde, não retratam a real dimensão da mortandade que a covid-19 impôs ao país.
“O amplo espectro clínico da doença, que pode dificultar o diagnóstico clínico, somado à escassez de recursos laboratoriais e à sobrecarga da rede de saúde, não permitirá que os sistemas de vigilância epidemiológica detectem todos os casos e mortes”, afirmaram os autores do estudo realizado nas seis capitais.
Segundo os pesquisadores, apenas metade (52%) dos que morreram por covid-19 nas cidades avaliadas pelo trabalho entram no radar das atividades e serviços de saúde.
Por exemplo, de acordo o site Mortalidade, o pico de mortes em 2020 no Brasil ocorreu no dia 13 de maio, quando ocorreram 4.361 ocorrências. Em comparação, o mesmo dia em 2019 registrou 3.251 mortes.
Se o número do dia de 2019 for subtraído do total do mesmo dia em 2020, chega-se ao excedente de mortes, que dá 1.110. De acordo com dados do Ministério da Saúde para a mesma data, foram registrados 749 mortes por covid-19. A diferença entre os totais sugere então uma subnotificação expressiva.
Ainda que outros motivos gerados pela pandemia devam ser considerados, como mortes advindas de falta de atendimento em um sistema de saúde sobrecarregado, especialistas acreditam que a infecção pelo novo coronavírus tem grande responsabilidade.
“Quando o excesso de óbitos está maior que o número de óbitos por covid-19 confirmados podemos atribuir que parte deles foi dado à falta de diagnóstico do óbito”, afirmou Ranzani, do Instituto para Saúde Global de Barcelona, ao Nexo. “Podemos ver isso de maneira bem clara no Amazonas e Maranhão. No Rio de Janeiro, um pouco. Em São Paulo, isso ocorreu mais no início da pandemia.”
A desconfiança com relação a números oficiais cresceu depois de tentativas do governo de ocultar ou manipular dados para oferecer um quadro mais favorável. Em junho, o Ministério da Saúde retirou números acumulados de infectados e mortos por covid-19 de seu site. Depois de uma onda de indignação, as informações voltaram à página.
Sites bolsonaristas que publicam notícias falsas divulgaram em julho que a pandemia estaria sendo controlada no país pois o Brasil havia “zerado o excesso de mortes” em junho. Na verdade, o veículo se baseou em dados incompletos do Portal de Transparência, pois ainda não estavam disponíveis números do período mais próximo à publicação da notícia falsa. A ausência dessas informações foi usada para afirmar que havia ocorrido uma queda no índice que mensura o excedente de óbitos.
A contagem em outros países
O excedente de mortes identificado durante a pandemia varia consideravelmente dependendo do país.
Segundo levantamento realizado pela BBC, nos Estados Unidos, entre 16 de fevereiro e 2 de maio, o número de mortes foi 16% maior que a média. Esse aumento foi equivalente a 97.300 óbitos acima do normal.
No Reino Unido, entre 7 de março e 5 de junho, o número de mortes ultrapassou a média em 43%, com 64.500 ocorrências além do normal.
Na Coreia do Sul, país que teve número baixo de mortes por covid-19, o excedente de óbitos foi de apenas 5% entre 1 de fevereiro e 30 de março.