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CNJ realiza sessão solene para entrega de registros civis com sobrenomes indígenas e lançamento da Cartilha de Registro Indígena, produzida pela Arpen-Brasil
Cerimônia que aconteceu no último dia 8 foi marcada
por resgate histórico e reconhecimento de direitos
Em
uma solenidade marcada por emoção, reconhecimento e afirmações históricas, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou nesta terça-feira (8) um evento
simbólico de entrega de novos registros civis com sobrenomes indígenas. A
cerimônia aconteceu no plenário do CNJ e contou com a presença de diversas
autoridades, lideranças indígenas e representantes do registro civil.
O
evento celebrou a implementação da Resolução Conjunta nº 12, editada em 13 de
dezembro de 2024 pelo CNJ, em parceria com o Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP), que facilita a retificação de registros civis para a inclusão
de nomes tradicionais indígenas, bem como outras informações culturais, como
etnia, clã, aldeia de origem e idioma.
O
presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto
Barroso, abriu a sessão cumprimentando os conselheiros presentes, incluindo o
corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, além de
representantes do Ministério Público, da OAB e de entidades da magistratura.
Também participaram da cerimônia a ministra dos Povos Indígenas, Sônia
Guajajara, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, o presidente da
Arpen-Brasil, Devanir Garcia, e o secretário nacional da entidade, Gustavo
Fiscarelli.
“É
com grande satisfação e alegria que anunciamos essa solenidade que busca dar
visibilidade à resolução que simplifica a alteração do nome civil indígena,
alinhando o registro civil aos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana, do respeito à diversidade cultural e à autodeterminação dos
povos originários”, afirmou Barroso. “Não há democracia sem respeito às
identidades. E não há respeito às identidades sem o reconhecimento do nome, da
origem e da história dos povos indígenas. Essa resolução é um símbolo do nosso
compromisso com a dignidade humana e com a justiça social.”
Entregas
simbólicas e mudanças históricas
Foram
entregues simbolicamente os novos registros civis de Joênia Guapixana Batista
da Silva, presidente da Funai; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; o
escritor e vereador de Lorena (SP), Daniel Munduruku; a estagiária do CNJ,
Paola Maya Tukano; a secretária nacional de Gestão Ambiental do Ministério dos
Povos Indígenas (MPI), Ceiça Pitaguary; o secretário-executivo do MPI, Eloy
Terena; e o diretor do Departamento de Políticas Indígenas do MPI, Uilton Tuxá
Kanãnahá.
A
nova regulamentação permite que a alteração do nome seja feita diretamente nos
cartórios, com base em documentos simplificados, como declarações da comunidade
ou de organizações indígenas. Além disso, é possível registrar a aldeia ou
território de origem, incluir informações na língua indígena e definir a ordem
dos sobrenomes conforme os costumes da etnia.
"Este
é um momento de celebração dos direitos dos povos indígenas, que agora podem
adotar, como nome ou sobrenome, referências à sua origem, à sua etnia e à sua
ancestralidade. É, sem dúvida, uma grande responsabilidade para nós,
registradores civis, que participamos ativamente da construção e formatação da
Resolução Conjunta entre o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional
do Ministério Público.
Temos
pela frente um trabalho enorme, especialmente junto às comunidades indígenas, e
os registradores civis do Brasil, aqui representados, sobretudo pelos estados
que compõem a Amazônia Legal — onde se concentra uma expressiva população
indígena —, demonstram que estamos plenamente capacitados e legalmente
incumbidos de realizar essa missão. É nosso dever garantir aos povos indígenas
o direito à mudança de nome e à adoção de suas origens históricas. Esses povos
originários, que agora têm esse direito formalmente reconhecido, contam com os
cartórios de Registro Civil como a instituição encarregada de dar forma legal a
essa conquista.
A
nossa participação é fundamental. Sem o trabalho dos registradores civis, não
haveria a materialização deste direito, que já está consagrado na Constituição
Federal. É por isso que estamos aqui: para assegurar que esse direito dos povos
indígenas não fique apenas no papel, mas se torne realidade na vida de cada
cidadão indígena deste país", ressaltou o presidente da Arpen-Brasil,
Devanir Garcia.
Um
resgate de 268 anos
A
ministra Sônia Guajajara destacou o impacto histórico da medida: “Chegou o
tempo da colheita. Agora, vamos colher aquilo que é o resgate e a reparação
histórica para os povos indígenas. O direito ao nome, à etnia e à
ancestralidade em nossos documentos oficiais, sem tutela e sem racismo.”
Guajajara
também fez um forte discurso de resgate histórico, mencionando o apagamento
forçado da identidade indígena promovido desde o período colonial, por meio do
Diretório Pombalino, lei que proibiu o uso de línguas e nomes indígenas por
mais de dois séculos.
“A
chamada civilização que veio a bordo dos navios portugueses foi, na verdade, um
projeto de poder voltado à escravidão e à anexação territorial. Toda uma
estrutura legal foi criada para escravizar, evangelizar à força e apagar os
modos de vida dos nossos ancestrais. Hoje, dizemos: não conseguiram. Nós
estamos aqui”, declarou.
Registro
Indígena: um guia para facilitar o acesso ao direito
Durante
a cerimônia, foi lançada a cartilha “Registro Civil Indígena: Guia
Explicativo sobre as normas de Registro Civil de Nascimento de Pessoas
Indígenas”, material elaborado pela Arpen-Brasil com o objetivo de
orientar povos indígenas, lideranças, cartórios e servidores públicos sobre os
procedimentos estabelecidos pela nova norma.
A
publicação reforça que, a partir da Resolução nº 12, não é mais necessária a
intermediação da Funai, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão do
Estado para que pessoas indígenas realizem alterações em seus registros civis.
A declaração da comunidade e o testemunho de terceiros passam a ser documentos
válidos, inclusive nos casos de registro tardio de nascimento.
A
presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana,
também celebrou a conquista. “Os nomes indígenas conectam-nos à língua, à
tradição, à espiritualidade, à nossa relação com a terra e os ancestrais. Eles
são parte de nossa história e cultura”, afirmou, enfatizando que a resolução
representa um avanço na reparação histórica e no respeito à autodeterminação
dos povos indígenas. “É tempo de mudanças, de reafirmações. O Estado brasileiro
tem uma dívida com os povos indígenas, e começa a quitá-la com ações como
essa.”
A
cerimônia, além de marcar oficialmente o início da importante Semana de
Comemorações dos Povos Indígenas, possui uma simbologia muito especial. Ela
materializa o que pode ser considerado o mais recente grande avanço normativo
em prol dos povos indígenas: a Resolução Conjunta nº 12, publicada em 13 de
dezembro de 2024. Com a colaboração ativa do Registro Civil — que integrou o
grupo de trabalho ao lado do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional
do Ministério Público, da Funai e da Defensoria Pública —, foi possível não
apenas atualizar a Resolução nº 3, mas também efetivar direitos já garantidos
aos povos não indígenas, sempre com um olhar humanizado, inclusivo e respeitoso
às tradições e à autodeterminação dos povos indígenas.
Vivenciamos
a concretização prática dessa resolução: foram realizadas alterações de nomes e
sobrenomes com a inclusão de referências ancestrais, em atos que contaram com a
participação de membros da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas e até mesmo
do CNJ. Pessoas com ascendência indígena puderam resgatar e reafirmar sua
ancestralidade por meio do nome — um elemento de enorme importância simbólica
para os povos indígenas.
O
Registro Civil não apenas participou ativamente da concepção desse marco
normativo, como também ficou responsável pela elaboração e entrega de todo o
material orientativo que subsidia a aplicação da resolução. Este material foi
reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro, sendo acolhido pelos Poderes
Executivo e Judiciário como referência para a divulgação dos serviços.
Sem
dúvida, este é um momento de grande honra para nós, registradores civis.
Trata-se de uma contribuição sólida e consolidada, que nos enche de orgulho por
tudo o que conseguimos entregar até aqui. E seguimos firmes, integrando o grupo
de trabalho que tem metas ainda mais ambiciosas para o futuro, com outros temas
igualmente relevantes para avançarmos ainda mais. Já podemos afirmar que este
resultado nos traz imensa satisfação, por tudo o que representa”, declarou o
secretário nacional da Arpen-Brasil, Gustavo Renato Fiscarelli.
Reconhecimento
e cidadania
O
evento reafirma o compromisso do Poder Judiciário com o reconhecimento dos
direitos dos povos indígenas, conforme estabelecido no artigo 231 da Constituição
Federal de 1988, que reconhece suas organizações sociais, costumes, línguas,
crenças e tradições.
“A
Resolução Conjunta nº 12 representa um marco no processo de reconstrução da
cidadania indígena, combatendo séculos de invisibilização e assegurando o
direito à identidade”, concluiu o ministro Luís Roberto Barroso.
A
solenidade foi encerrada com a exibição de um vídeo institucional que destacou
o significado do nome indígena como expressão de história, espiritualidade e
pertencimento.