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G1 - Certidão de óbito de Rubens Paiva é corrigida em SP; documento informa que morte foi 'violenta' e 'causada pelo Estado brasileiro'
Mudança atende a uma resolução
do CNJ de 13 de dezembro do ano passado, que determinas que as certidões de
óbito de 202 mortos durante a ditadura têm que ser corrigidas.
A certidão de óbito do engenheiro e
ex-deputado federal Rubens Paiva foi corrigida nesta quinta-feira (23). Na nova
versão do documento, emitida pelo Cartório da Sé, na capital paulista, consta a
informação de que ele desapareceu em 1971 e teve morte violenta causada pelo
Estado. A mudança atende a uma resolução do CNJ de 13 de dezembro do ano
passado.
“Procedo a retificação para constar
como causa da morte de RUBENS BEYRODT PAIVA, o seguinte: não natural, violenta,
causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à
população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado
em 1964 e para constar como atestante do óbito: Comissão Especial sobre Mortos
e Desaparecidos Políticos (CEMDP)”, diz o trecho do novo documento.
Na versão anterior, de 1996, após
uma luta judicial da esposa, Eunice Paiva, a vítima era considerada apenas como
desaparecida desde 1971.
O assassinato de Rubens Paiva pela
ditadura e a transformação de sua esposa de dona de casa em uma das maiores
ativistas dos direitos humanos do país é o mote do filme
"Ainda Estou Aqui", que foi indicado a três categorias do Oscar
também nesta quinta (melhor filme, atriz e filme internacional).
Os cartórios estão cumprindo a
resolução aprovada por unanimidade pelo CNJ. As certidões de óbito de 202
mortos durante a ditadura têm que ser corrigidas. Já os 232 desaparecidos
durante o regime militar terão finalmente direito a um atestado de óbito. E
todos os registros terão que informar que essas pessoas foram vítimas da
violência cometida pelo Estado. A Comissão Nacional da Verdade foi quem
reconheceu o número total de 434 mortos e desaparecidos na ditadura.
A entrega de certidões retificadas
não será realizada pelos cartórios. O Ministério dos Direitos Humanos e da
Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP) deverá providenciar as entregas dos documentos em solenidade
com pedidos de desculpas e homenagens.
Novas certidões
Um mapa mostra a quantidade de
documentos e os locais onde foram indicadas as mortes ou desaparecimentos (veja
abaixo).
No entanto, a entrega de certidões
retificadas não será realizada pelos cartórios. O Ministério dos Direitos
Humanos e da Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) deverá providenciar as entregas dos documentos
em solenidade com pedidos de desculpas e homenagens.
"Elas não precisam vir ao
cartório. Elas serão contactadas no momento oportuno já com as certidões em
mãos para que elas possam ter seu direito de reparação consagrado”, afirma
Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente do Operador Nacional do Registro
Civil.
Segundo os dados, os estados que
puxam o topo da lista das vítimas são São Paulo, Rio de Janeiro, Pará,
Pernambuco e a região onde atualmente está o Tocantins.
O documento em nome de Ari Lopes de
Macedo é um dos novos. O estudante foi morto em Brasília (DF) aos 20 anos após
ter sido detido pelo 26º Batalhão de Caçadores de Belém (PA), em 1963. A versão
oficial apresentada foi a de suicídio, de acordo com o Memorial da Resistência
de São Paulo.
O alfaiate Geraldo da Rocha
Gualberto, nascido em Minas Gerais, era o mais velho de uma família de 11
filhos. Ainda segundo o Memorial, ele morreu em 7 de outubro de 1963 no
“Massacre de Ipatinga”, que foi uma operação policial contra uma multidão de
trabalhadores grevistas, que manifestavam contra as condições de trabalho
impostas por uma siderúrgica. Ao menos oito pessoas morreram e 90 ficaram
feridas.
Em Recife (PE), o padre Antônio
Henrique Pereira da Silva Neto era Coordenador da Pastoral da Juventude,
desenvolvia atividades de inclusão social e recuperação de jovens, promovia
reuniões com a juventude e com pais para discussão de problemas sociais, de
acordo com o Memorial.
Conforme os registros, ele foi
sequestrado na noite de 26 maio de 1969, torturado e morto na madrugada do dia
27 de maio de 1969 por um grupo do Comando de Caça aos Comunistas e por agentes
da polícia civil de Pernambuco. A última vez em que foi visto, o padre havia
participado de duas reuniões com jovens e pais na noite do dia 26.
Certidão emitida em SP
Nesta semana, as irmãs Crimeia
Almeida e Amélia Teles foram as primeiras a emitirem a certidão de um óbito de
um amigo após a resolução do CNJ.
"Eu sempre tive esperança. A
verdade sempre vence. E esse atestado anterior aqui era mentira”, afirma a
enfermeira aposentada Crimeia Almeida.
Crimeia Almeida e Amélia Teles
foram presas, torturadas e testemunharam a morte sob tortura de Carlos Nicolau
Danielli no DOI-CODI, na capital paulista, em 1972. Na certidão de óbito do
amigo constava como causa da morte "anemia aguda traumática". Na
terça-feira (7), o documento foi retificado e passou a informar que a morte de
Carlos não foi natural e sim violenta, causada pelo Estado.
“A violência que ele sofreu foi
causada pelo Estado autoritário, um Estado ditatorial. Está escrito aqui. Isso
é uma questão de justiça”, diz a professora aposentada Amelinha Teles.
Até agora, as certidões de óbito de
mortos na ditadura só eram corrigidas depois de longas batalhas na Justiça. Só
há 5 anos, a aposentada Angela Mendes de Almeida conseguiu retificar a causa da
morte do companheiro, o jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em
1971.
"Fique, claro, nacionalmente
que houve pessoas que enfrentaram a ditadura militar e que por causa disso
morreram em condições atrozes”, diz.
A advogada e ativista Eunice Paiva,
retratada no filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, no qual foi
interpretada por Fernanda Torres, lutou pelo reconhecimento do assassinato de
seu marido, Rubens Paiva. Após 25 anos, em 23 de fevereiro de 1996, Eunice
recebeu a certidão de óbito do seu marido, desaparecido desde 1971.
Já a família do jornalista Vladimir
Herzog conseguiu só em 2012 a alteração da causa da morte de suicídio para
lesões e maus tratos nas dependências do Exército. A coordenadora do instituto
que leva o nome de Herzog diz que a resolução do CNJ corrige um erro histórico.
"É reconhecer que o Estado
brasileiro faz parte desse processo e que ele precisa se responsabilizar também
por isso", afirma Lorrane Rodrigues, coordenadora de Memória, Verdade e
Justiça do Instituto Vladimir Herzog.
Fonte: G1