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Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte?
Dueto póstumo envolvendo Marília Mendonça e Cristiano
Araújo ilustra como instrumentos jurídicos podem preservar legado de artistas.
A preservação do legado de músicos falecidos envolve tanto
os direitos autorais quanto os direitos sucessórios. Embora a legislação
vigente ofereça mecanismos para proteger a "herança musical" deixada
pelos artistas, esses dispositivos nem sempre são suficientes para evitar
disputas, o que leva alguns casos a serem analisados pelo Judiciário. Entenda
como, ainda em vida, músicos podem planejar e antecipar soluções para minimizar
conflitos futuros.
Em setembro de 2024, o STJ condenou a marca de roupas
Reserva a indenizar o espólio do cantor Tim Maia pela utilização não autorizada
de letras de suas músicas em camisetas. Doze anos antes, o TJ/RJ decidiu contra
as sobrinhas de Noel Rosa, mantendo válidos contratos de cessão de direitos
autorais firmados pelo próprio artista em vida.
As decisões são divergentes, mas ressaltam a importância de
proteger os direitos autorais de músicos já falecidos, garantindo que suas
obras sejam respeitadas e valorizadas.
Agora, um novo lançamento suscita discussão parecida.
No último dia 20, a gravadora Som Livre anunciou o
lançamento de uma música inédita: um dueto entre Marília Mendonça e Cristiano
Araújo, ambos falecidos tragicamente em acidentes.
A canção, intitulada "Quem é a Culpa?", foi
originalmente gravada por Marília e lançada em 2017, mas, na realidade, foi
"dada" pela cantora ao amigo Cristiano. Ele também chegou a gravar a
faixa em estúdio antes de seu falecimento em 2015.
Planejamento
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXVII e
XXVIII, inclui os direitos autorais no rol de direitos fundamentais. Contudo, é
a lei de direitos autorais (lei 9.610/98) que detalha a aplicação desses
direitos, especialmente no que diz respeito à transmissão de direitos
patrimoniais e à proteção dos direitos morais.
Entre os direitos morais protegidos estão o direito de
reivindicar a autoria e o direito de assegurar a integridade da obra, impedindo
alterações que possam prejudicar a reputação ou honra do autor.
A advogada especialista em propriedade
intelectual, Luciana Minada, sócia do escritório Kasznar Leonardos |
Propriedade Intelectual, destaca a importância de planejamento para evitar
conflitos após o falecimento de artistas.
"O planejamento sucessório adequado é indicado para
garantir que a gestão e salvaguarda dos direitos autorais após o falecimento
ocorra de maneira apropriada", pontua.
Dupla natureza
Os direitos autorais, conforme explica a especialista,
possuem duas naturezas principais: direitos morais e direitos patrimoniais.
Enquanto os direitos morais, como o direito à autoria e à
integridade da obra, são intransmissíveis, os direitos patrimoniais podem ser
cedidos ou licenciados. Segundo a lei 9.610/98, os direitos patrimoniais são
transmitidos aos herdeiros e perduram por 70 anos, contados a partir de 1º de
janeiro do ano seguinte ao falecimento do autor.
Esse prazo reflete o princípio da temporalidade, consoante a
Convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário. Após esse período, as obras
entram em domínio público e deixam de estar sob controle dos sucessores.
Luciana Minada alerta, ainda, sobre os cuidados necessários
na celebração de contratos envolvendo direitos autorais:
"Negócios jurídicos sobre direitos autorais devem ser
interpretados restritivamente, conforme prevê o art. 4º da lei de direitos
autorais". Assim, qualquer transação envolvendo obras de um autor falecido
requer anuência de todos os herdeiros, garantindo a validade jurídica e o
respeito à vontade do autor.
A proteção do legado musical passa, portanto, por medidas
preventivas, como a formalização de um testamento, e pela observância rigorosa
das normas legais que regem os direitos autorais. Dessa forma, é possível não
apenas perpetuar a obra de grandes artistas, mas também preservar sua
integridade e a memória cultural que representam.
Este cenário reforça a necessidade de uma gestão consciente
e bem estruturada da herança musical, garantindo que a arte continue sendo
apreciada por gerações futuras sem comprometer os valores e os direitos de seus
criadores.
Fonte: Migalhas