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08 de Outubro de 2020
IBDFAM - Quem "devolve" uma criança para adoção deve ser responsabilizado civilmente? Especialista opina
Ações de responsabilização civil por conta da desistência no processo de adoção após o início do estágio de convivência têm chegado com frequência à Justiça. O tema divide atenção entre especialistas. Há quem admita a necessidade de indenização pelo dano moral sofrido pela criança ou adolescente. Por outro lado, tais decisões judiciais podem distanciar ou mesmo amedrontar adultos que desejam ingressar em um processo de adoção.
O caso mais recente de grande repercussão foi noticiado em setembro pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Por desistir de um processo de adoção, uma mulher foi condenada pela Justiça do Ceará a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais à criança, defendida pela Defensoria Pública-Geral do estado.
Já vinculada à menina de 7 anos, em 2010, a mãe adotiva alegou que a filha era desobediente ao reencaminhá-la para um abrigo público. Além do trauma do abandono de quem se propôs a ser mãe, a pequena também encarou a frustração de não ter sido adotada por outra família, como ressaltou o juiz. A decisão foi da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza.
Desistência pode acarretar danos morais
O ocorrido é uma situação isolada, segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, que opina sobre o tema. “Quando o processo já passou do estágio de convivência, ou seja, quando já concedida a guarda provisória para fins de adoção, a desistência acarreta danos morais, os quais devem ser tempestivos”, defende.
Ela comenta a decisão da Justiça do Ceará e ressalta a importância de se observar cada caso, dando atenção às controvérsias da discussão. “A criança foi entregue com questões psicológicas e emocionais, à justiça, através do MP, que deveria ter obrigado a ex-adotante a arcar com psicóloga e/ou psiquiatra para a criança. Criança tem pressa, ela precisava do apoio aos 7 anos e não de R$ 15 mil aos 17”, pontua.
“Essa falta de prioridade da infância, além de desrespeito ao artigo 227 da Constituição Federal, torna cristalino o princípio da perda de uma chance. Por que essa criança, dos 7 aos 12, não recebeu novas indicações, eis que plenamente adotável? Qual a responsabilização da justiça com essa perda da chance de tornar-se filha?”, indaga a advogada.
Punir adotante gera desincentivo, diz especialista
Para Silvana, decisões como essa afastam possíveis adotantes. “O estágio de convivência é o momento do flerte, do namoro, do encontro e pode ou não prosperar em adoção por decisão de todos, mediante laudo da equipe técnica que respaldará a transformação do estágio em guarda para fins de adoção.”
“Punir o adotante no início do estágio, que pode ser de 90 dias, cumpridos 1/3 desse período não é nem um pouco estimulante, e sim um desincentivo a busca por crianças maiores, grupos de irmãos, e perfis menos buscados”, acrescenta a advogada.
Crianças e adolescentes podem desenvolver traumas ao voltar para acolhimento
Por outro lado, a especialista não perde de vista os prejuízos e traumas a que estão expostas crianças ou adolescentes que vivem a experiência de voltar para o acolhimento. “Viver em abrigo é traumático para qualquer criança, além de trazer a pecha do abandono, do desamor, do não querer”, diz.
“Ninguém assume ser abrigado. Crianças não dizem que moram em abrigos, pois, para elas, doi essa verdade. Voltar ao acolhimento – pois mudou a nomenclatura, mas não a filosofia – é uma derrota. A instituição, que tem sua própria equipe técnica, deve trabalhar esse fato não culpando a criança, mas preparando-a para uma nova colocação”, destaca.
Identificar o que deu errado no processo de adaptação à família deve ser preocupação de todos os profissionais envolvidos. “A obrigação do acolhimento é preparar a criança para a adoção. Essa criança foi preparada? Estava apta a ser adotada? Não se trata de minimizar o papel da pessoa que entregou a criança de volta, mas sim de sopesar as responsabilidades e descobrir onde está a falha”, aponta Silvana.
Analogia com relações amorosas
O devido enfrentamento do problema, segundo Silvana, consiste em coibir os desencontros. Outro passo é banir o termo “devolução”, pois coisifica a criança. “No estágio de convivência existe a possibilidade de não dar certo. Imaginem-se namorando, noivando, casando: o namoro é o estágio de convivência e dura até 90 dias; o noivado é a guarda para fins de adoção e já atuei em alguns que duraram 4, 6 meses e outros de 6, 8 e 10 anos”, compara a advogada.
“O namoro pode acabar, não rolar, a noiva não era o que o noivo pensava e vice versa. Acabou, cada um segue sua vida. No noivado já ocorre um compromisso formal, a dissolução ocasiona danos morais e, eventualmente materiais. Nessa fase, da guarda provisória para fins de adoção, as expectativas frustradas da criança com relação a ocupação de seu lugar de filha, deve sim ser reparada com o pagamento de alimentos in natura como psicólogo, educação, saúde e indenização por danos morais/afetivos.”
Seguindo a analogia, o “divórcio” ocorre com “uma nova ação de destituição do poder familiar por abandono material e emocional, cabendo alimentos e indenização, com manutenção dos direitos sucessórios da criança”, de acordo com a advogada.
“É assim que entendo aproximarmo-nos, um pouco, da justiça para a criança. O adulto da relação é o adotante e não pode aventurar-se no mundo da adoção, pois não é uma filiação de segunda categoria ou um tapa-buracos afetivo para os que não conseguiram gerar. Gerar ou adotar tem o mesmo peso perante a lei”, frisa Silvana.
O caso mais recente de grande repercussão foi noticiado em setembro pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Por desistir de um processo de adoção, uma mulher foi condenada pela Justiça do Ceará a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais à criança, defendida pela Defensoria Pública-Geral do estado.
Já vinculada à menina de 7 anos, em 2010, a mãe adotiva alegou que a filha era desobediente ao reencaminhá-la para um abrigo público. Além do trauma do abandono de quem se propôs a ser mãe, a pequena também encarou a frustração de não ter sido adotada por outra família, como ressaltou o juiz. A decisão foi da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza.
Desistência pode acarretar danos morais
O ocorrido é uma situação isolada, segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, que opina sobre o tema. “Quando o processo já passou do estágio de convivência, ou seja, quando já concedida a guarda provisória para fins de adoção, a desistência acarreta danos morais, os quais devem ser tempestivos”, defende.
Ela comenta a decisão da Justiça do Ceará e ressalta a importância de se observar cada caso, dando atenção às controvérsias da discussão. “A criança foi entregue com questões psicológicas e emocionais, à justiça, através do MP, que deveria ter obrigado a ex-adotante a arcar com psicóloga e/ou psiquiatra para a criança. Criança tem pressa, ela precisava do apoio aos 7 anos e não de R$ 15 mil aos 17”, pontua.
“Essa falta de prioridade da infância, além de desrespeito ao artigo 227 da Constituição Federal, torna cristalino o princípio da perda de uma chance. Por que essa criança, dos 7 aos 12, não recebeu novas indicações, eis que plenamente adotável? Qual a responsabilização da justiça com essa perda da chance de tornar-se filha?”, indaga a advogada.
Punir adotante gera desincentivo, diz especialista
Para Silvana, decisões como essa afastam possíveis adotantes. “O estágio de convivência é o momento do flerte, do namoro, do encontro e pode ou não prosperar em adoção por decisão de todos, mediante laudo da equipe técnica que respaldará a transformação do estágio em guarda para fins de adoção.”
“Punir o adotante no início do estágio, que pode ser de 90 dias, cumpridos 1/3 desse período não é nem um pouco estimulante, e sim um desincentivo a busca por crianças maiores, grupos de irmãos, e perfis menos buscados”, acrescenta a advogada.
Crianças e adolescentes podem desenvolver traumas ao voltar para acolhimento
Por outro lado, a especialista não perde de vista os prejuízos e traumas a que estão expostas crianças ou adolescentes que vivem a experiência de voltar para o acolhimento. “Viver em abrigo é traumático para qualquer criança, além de trazer a pecha do abandono, do desamor, do não querer”, diz.
“Ninguém assume ser abrigado. Crianças não dizem que moram em abrigos, pois, para elas, doi essa verdade. Voltar ao acolhimento – pois mudou a nomenclatura, mas não a filosofia – é uma derrota. A instituição, que tem sua própria equipe técnica, deve trabalhar esse fato não culpando a criança, mas preparando-a para uma nova colocação”, destaca.
Identificar o que deu errado no processo de adaptação à família deve ser preocupação de todos os profissionais envolvidos. “A obrigação do acolhimento é preparar a criança para a adoção. Essa criança foi preparada? Estava apta a ser adotada? Não se trata de minimizar o papel da pessoa que entregou a criança de volta, mas sim de sopesar as responsabilidades e descobrir onde está a falha”, aponta Silvana.
Analogia com relações amorosas
O devido enfrentamento do problema, segundo Silvana, consiste em coibir os desencontros. Outro passo é banir o termo “devolução”, pois coisifica a criança. “No estágio de convivência existe a possibilidade de não dar certo. Imaginem-se namorando, noivando, casando: o namoro é o estágio de convivência e dura até 90 dias; o noivado é a guarda para fins de adoção e já atuei em alguns que duraram 4, 6 meses e outros de 6, 8 e 10 anos”, compara a advogada.
“O namoro pode acabar, não rolar, a noiva não era o que o noivo pensava e vice versa. Acabou, cada um segue sua vida. No noivado já ocorre um compromisso formal, a dissolução ocasiona danos morais e, eventualmente materiais. Nessa fase, da guarda provisória para fins de adoção, as expectativas frustradas da criança com relação a ocupação de seu lugar de filha, deve sim ser reparada com o pagamento de alimentos in natura como psicólogo, educação, saúde e indenização por danos morais/afetivos.”
Seguindo a analogia, o “divórcio” ocorre com “uma nova ação de destituição do poder familiar por abandono material e emocional, cabendo alimentos e indenização, com manutenção dos direitos sucessórios da criança”, de acordo com a advogada.
“É assim que entendo aproximarmo-nos, um pouco, da justiça para a criança. O adulto da relação é o adotante e não pode aventurar-se no mundo da adoção, pois não é uma filiação de segunda categoria ou um tapa-buracos afetivo para os que não conseguiram gerar. Gerar ou adotar tem o mesmo peso perante a lei”, frisa Silvana.