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Justiça de São Paulo nega pedido para mulher retomar sobrenome do ex-marido após divórcio
A identidade familiar no Brasil, representada pelo sobrenome
comum, é uma tradição cultural. Atualmente, a legislação permite que ambos os
cônjuges alterem seus sobrenomes ao casar ou formar união estável, de forma
extrajudicial. Caso o vínculo chegue ao fim, é possível manter o sobrenome
alterado, mas não é permitido adicioná-lo novamente após retornar ao sobrenome
anterior, já que a relação familiar que justificava a mudança não existe mais.
Com esse entendimento, a Justiça de São Paulo negou o pedido
de alteração de uma mulher que desejava voltar a usar o sobrenome do ex-marido
após o divórcio. A decisão foi proferida pela 3ª Vara de Itapecerica da Serra e
confirmada pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado.
No pedido, a requerente alegou que o sobrenome do ex-marido
era parte de sua identidade tanto no âmbito profissional quanto no social. Ela
também afirmou que seus filhos não possuem seu sobrenome de solteira, o que tem
causado dificuldades, como problemas no acesso a benefícios assistenciais,
segundo informações do TJSP.
No entanto, o desembargador-relator concluiu que o pedido
não se enquadra nas situações permitidas pela legislação para alteração de
nome.
“A Lei de Registros Públicos permite retificações apenas em
situações específicas, como nos casos relacionados à filiação. No presente
caso, não há erro ou equívoco no registro, mas sim um pedido para reintegrar o
nome de casada, o que não é permitido na condição de divorciada. Embora a
intenção da mãe seja legítima, a solicitação carece de amparo legal, cabendo
aos filhos realizar a alteração necessária conforme previsto na legislação”,
afirmou o magistrado.
Debate
A registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão
Nacional de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família –
IBDFAM, avalia como legítima a manutenção do sobrenome conjugal, que pode ser
mantido com o fim do casamento ou da união estável. No entanto, a legislação
não permite que seja feita uma nova alteração caso se opte pela retomada do
sobrenome anterior.
“O que deu ensejo a esse direito – o direito à identidade
familiar – não existe mais. E é justamente esse o ponto em debate. Como não
existe mais casamento ou união estável e a pessoa já voltou ao nome anterior,
não há mais o que justifique o uso do sobrenome do outro”, afirma.
Segundo ela, a comprovação de vínculo de parentesco não se
dá por meio do uso de sobrenome, tanto que não é obrigatório o uso de sobrenome
dos pais pelos filhos.
“A lei permite que se dê aos descendentes sobrenomes de
ascendentes, mesmo de distante grau de parentesco e independentemente desse
sobrenome escolhido compor o nome do pai e/ou da mãe. Assim, é legítimo que um filho tenha
sobrenomes totalmente diferentes dos sobrenomes de seus ascendentes de primeiro
grau e isso não reflete no reconhecimento jurídico do parentesco, já que a
filiação é comprovada pela apresentação da certidão de nascimento, nos termos
do artigo 1.603, do Código Civil”, pontua.
Nesses casos, a especialista afirma que pode ocorrer um
estranhamento social quando se constata sobrenomes muito diferentes em um mesmo
núcleo familiar.
“Justamente por ainda estar bastante arraigado na nossa
cultura o uso de sobrenome comum para identificar o núcleo familiar. No
entanto, essa percepção é puramente social, não havendo fundamento jurídico
para questionamento de parentesco em função da diversidade de sobrenomes”,
argumenta.
Tecnologia
Márcia Fidelis defende o equilíbrio entre a autonomia da
vontade e a segurança jurídica, enfatizando, como registradora pública, sua
responsabilidade em garantir a segurança nas relações jurídicas. Ela observa,
entretanto, que atualmente existem mecanismos tecnológicos eficientes para a
identificação das pessoas, que não dependem exclusivamente do nome.
“Hoje se pode priorizar a função privada do nome, garantindo
a formalização da autopercepção do cidadão em relação à sua identidade, sem
fragilizar a segurança jurídica”, esclarece.
A especialista acredita que há vantagens na positivação
legislativa da possibilidade de retomar o nome de casada ou casado, mesmo após
o divórcio ou falecimento, em situações justificáveis, como o arrependimento de
ter voltado ao nome anterior em momentos de fragilidade emocional, como ocorre
durante o divórcio ou após a morte do cônjuge.
“Essas seriam mudanças relevantes, no sentido de ampliar a
autonomia da vontade e de desburocratizar o alcance da liberdade de identidade,
reforçando a função do nome como elemento fundamental entre os atributos da
personalidade”, acrescenta.
Fonte: Ibdfam