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Justiça do Ceará reconhece família poliafetividade ao autorizar registro de filho com nome das duas mães e do pai
Uma família poliafetiva formada
por duas mulheres e um homem conseguiu na Justiça o direito de registrar o
filho com os nomes das mães na filiação. A multiparentalidade foi validada pela
6ª Vara de Família de Fortaleza, do Tribunal de Justiça do Ceará – TJCE, que
reconheceu a maternidade socioafetiva de uma das mães.
De acordo com os autos, os três
convivem em relação afetiva desde 2021. Em fevereiro de 2022, uma das mulheres
engravidou e, desde então, o trisal “exerce seu dever de cuidado do nascituro,
acompanhando todo o seu desenvolvimento uterino, restando portanto firmada a
relação de socioafetividade entre os requerentes e a criança desde o ventre”.
Diante disso, a família entrou
com o pedido de reconhecimento da maternidade socioafetiva, em caráter liminar,
com aceitação e consentimento dos pais registrais.
O processo constatou, por meio de
estudo técnico feito por equipe multidisciplinar, que a mãe socioafetiva “nutre
sentimento maternal pela criança e participa ativamente da criação e cuidados”.
“Não resta possível desconhecer e
descartar a maternidade socioafetiva desenvolvida na convivência entre autora e
a criança, vez que nesse período da vida dos mesmos, os laços e as amarras de
afeto se consolidaram entre eles, considerando ainda que os elementos dos autos
apontam que estes verdadeiramente devem ser considerados filho e mãe,
respectivamente”, diz um trecho da sentença.
Consistência do estudo
psicológico
Advogada do caso, Ana Zélia
Cavalcante Oliveira, Diretora de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Direito
de Família, seção Ceará – IBDFAM-CE, afirma que um dos destaques do processo
foi o estudo psicológico, cuja consistência fez com que o juízo dispensasse o
estudo por assistente social.
“Considerando a firmeza do estudo
psicológico, peticionei ao juízo a dispensa do estudo por assistente social, o
que foi deferido, e o julgamento foi feito já com as provas constantes nos
autos, sentenciado positivamente”, afirma.
“Desde o primeiro momento, senti
verdade na fala da família, o que me motivou a atuar na demanda. Creio no
direito à felicidade e foi daí que extrai a força necessária para atuar no
caso”, ela comenta.
Reconhecimento da família
Para ela, a decisão está balizada
nas mudanças da sociedade e merece destaque porque a Justiça tende a
acompanhá-las de forma gradual.
“O TJCE ainda é conhecido por ter
uma nuance mais conservadora. Inobstante a isso, percebo vontade e
sensibilidade, em alguns julgadores, sobretudo os que atuam em Varas de Família
e Sucessões, em aplicar o Direito de forma a acompanhar a evolução social e as
famílias contemporâneas”, aponta.
No caso em questão, a decisão
reconheceu a maternidade da mãe socioafetiva de uma família poliafetiva. “Há,
nele, o reconhecimento da instituição ‘família’, independente dos institutos do
casamento e da união estável”, observa.
Ana Zélia acredita que a decisão
servirá como precedente para casos semelhantes no Ceará e no Brasil. Para ela,
o parentesco socioafetivo, reconhecido pela Justiça somente agora, começou
muito antes disso.
“Ouso afirmar que o parentesco
socioafetivo pode vir a ocorrer desde o ventre da mãe biológica; tudo depende
do vínculo afetivo que se forma reciprocamente entre todos os envolvidos na
relação familiar”, pontua.
E celebra uma evolução que deve
ter reflexos importantes a longo prazo. “O Direito deve aproximar-se das
relações humanas; assim, chegaremos cada vez mais próximos do ideal de uma
sociedade livre, justa, inclusiva e solidária”.