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O STJ diante dos pedidos de homologação de sentença estrangeira no direito de família
Em um mundo globalizado, em que as relações sociais – e seus
conflitos – frequentemente ultrapassam fronteiras, é indispensável que as
decisões judiciais de um país possam ser validadas para ter efeitos no
exterior. O artigo 105 da Constituição Federal atribui com exclusividade ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) a competência para homologar as sentenças
estrangeiras, assegurando que respeitem a legislação e os princípios do
ordenamento jurídico brasileiro.
O processo de homologação exige o cumprimento de requisitos
legais, como a validade da decisão no país de origem, a ausência de ofensa à
ordem pública brasileira e o respeito à soberania nacional e à dignidade da
pessoa humana. Esses e outros critérios estão previstos no artigo 963 do Código
de Processo Civil (CPC) e nos artigos 216-A a 216-X do Regimento Interno do
STJ.
Os pedidos de homologação de decisão estrangeira (HDE)
abrangem as mais diversas áreas jurídicas. Entre todas, ainda que o STJ não
possa reexaminar o mérito das causas julgadas no exterior, as questões
relacionadas ao direito de família merecem especial atenção, sobretudo quando
envolvem crianças e adolescentes.
Homologação de decisão estrangeira é ato meramente formal
O ministro Raul Araújo foi relator do pedido de homologação
de uma sentença proferida pelo Tribunal Ordinário de Milão, na Itália, sobre a
dissolução de um casamento, a guarda da filha menor, o direito de visitas e
alimentos.
Embora não se opusesse ao pedido de homologação da separação
nem à fixação do local de residência da menor, o pai questionou o valor da
pensão alimentícia e a obrigação de visitar a filha, estabelecidos pelo
tribunal italiano. Segundo informou, sua condição financeira era incompatível
com o valor arbitrado.
A Corte Especial do STJ, no entanto, homologou o pedido por
unanimidade. Em seu voto, o relator ressaltou que não era possível analisar as
alegações relativas à falta de condição financeira no âmbito do pedido
homologatório.
"A homologação de decisão estrangeira é ato meramente
formal, por meio do qual o STJ exerce tão somente um juízo de delibação",
explicou o relator.
Em outro pedido de homologação, o ministro Antonio Carlos
Ferreira reafirmou que esse procedimento se limita à análise de requisitos
formais. Em agravo interno interposto contra decisão monocrática que homologou
a sentença do Tribunal de Família e Menores do Funchal, em Portugal, a qual
determinava o pagamento de pensão alimentícia, o pai alegou que não houve
comprovação da paternidade e que ele nem mesmo foi citado no processo de
regulação das responsabilidades parentais.
Como a decisão combatida no agravo não tratou da paternidade
nem de qualquer outra questão de mérito da demanda original, apenas
reconhecendo os requisitos formais do pedido de homologação da sentença
portuguesa, o STJ negou provimento ao recurso. Segundo a corte, questões de
mérito não podem ser analisadas nesse tipo de procedimento.
Pensão alimentícia: homologação não exclui possibilidade de
ação revisional
Em dois outros pedidos de homologação de decisões sobre
pensão alimentícia, o STJ reiterou a importância de cumprir os requisitos
formais e respeitar o ordenamento jurídico brasileiro.
Em um desses processos, buscava-se a homologação de decisão
da Justiça da Áustria que mandara o pai pagar pensão ao filho. O homem, no entanto,
alegou que o valor estabelecido na sentença estrangeira era excessivo e
superava suas possibilidades econômicas. A Defensoria Pública da União (DPU),
que o assistia, argumentou que a decisão da corte austríaca violava princípios
basilares do ordenamento jurídico brasileiro e ignorava a realidade
socioeconômica do país e do alimentante, que exercia a profissão de pedreiro.
A Corte Especial do STJ, porém, deferiu a homologação da
decisão estrangeira. O relator, ministro Raul Araújo, destacou que a sentença
havia cumprido todos os requisitos previstos na legislação para ser homologada
e acrescentou que, embora os argumentos da defesa suscitassem questões
importantes, a análise do mérito da decisão não era cabível. O relator
acrescentou que a homologação não retirava do devedor a possibilidade de
ajuizar ação revisional do valor da pensão, tendo em vista a disparidade entre as
realidades econômicas brasileira e austríaca.
Em outro caso envolvendo obrigação de alimentos para menor
de idade, a parte requerente pediu a homologação da sentença da Justiça
portuguesa que reconheceu uma dívida em seu favor, decorrente do acúmulo de
pensões não pagas entre outubro de 2013 e setembro de 2015. Em contestação, o
requerido alegou que a homologação representaria uma violação à soberania do
Brasil, pois uma demanda idêntica teria sido processada no Judiciário
brasileiro, com outro resultado.
O relator do processo, ministro Humberto Martins, no
entanto, decidiu pela homologação da sentença. De acordo com o ministro, além
de estarem presentes todos os requisitos formais para o atendimento do pedido,
o acordo celebrado na Justiça brasileira foi posterior à decisão portuguesa e
tratava de valores devidos a partir de abril de 2016. Ou seja, os processos nos
dois países não haviam tratado das mesmas questões.
"Se o objeto da sentença estrangeira é diverso daquele
fixado no título judicial brasileiro, não há que se falar em violação à
soberania por sua homologação", declarou o ministro.
Decisão brasileira sobre o mesmo caso inviabiliza
homologação
O STJ negou o pedido de um homem que pretendia ver
homologada a sentença do Tribunal de Menores de Milão, na Itália, que lhe
atribuía a guarda de seu filho. Ele vinha morando com a criança na Itália e
desejava voltar a viver no Brasil. No entanto, uma tia do menor, irmã de sua
falecida mãe, havia obtido a guarda legal por decisão da 3ª Vara de Família de
Porto Velho, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia.
O relator do caso na Corte Especial do STJ, ministro
Francisco Falcão, negou o pedido do pai por entender que a situação não atendia
a um dos requisitos fundamentais para a homologação de decisões estrangeiras no
Brasil: o respeito à soberania nacional. Para o ministro, o fato de ter havido
uma decisão da Justiça brasileira sobre o mesmo caso inviabiliza o atendimento
do pedido.
Cláusula que veta convivência familiar ofende a ordem
pública
A Defensoria Pública da União insurgiu-se contra o pedido de
homologação de uma sentença estrangeira que vetou o direito de visitas de um
pai a seu filho. Para a DPU, a decisão caracterizava uma ofensa à ordem
pública.
A relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis
Moura, afirmou que a convalidação do divórcio e a concessão da guarda do filho
não tinham impedimento na legislação nacional, mas o veto às vistas não poderia
ser admitido. Por essa razão, a ministra homologou parcialmente a decisão
estrangeira.
"A cláusula que tolhe a convivência familiar e veta o
direito de visita ao pai, sem qualquer consideração sobre o motivo dessa
proibição, contraria os bons costumes e não se coaduna com as disposições
constitucionais e legais de nosso ordenamento jurídico sobre a proteção da
família, ofendendo, portanto, a ordem pública", declarou.
Adoção de maiores traz complicações específicas para a
homologação
Dois casos envolvendo adoção de pessoas maiores de idade
geraram precedentes importantes quanto à possibilidade de homologação.
Sob a relatoria do ministro Ari Pargendler (aposentado), um
dos processos tratava do pedido de homologação da adoção de um brasileiro
adulto por um alemão – decisão efetivada pelo Tribunal de Brühl.
Nos termos da legislação alemã, a adoção de pessoa maior de
idade é simples, ou seja, mantém inalterados – como regra geral – os vínculos
de parentesco do adotando com a sua família biológica. A legislação brasileira,
por outro lado, estabelece que a adoção é plena, isto é, desliga o adotando de
qualquer vínculo com pais e parentes consanguíneos.
Se fosse homologada no Brasil, a decisão produziria efeitos
mais amplos do que os previstos na legislação do país de origem, extinguindo
vínculos e gerando efeitos patrimoniais para o adotando e seus descendentes. Em
virtude dessa divergência legal acerca dos termos da adoção, o pedido foi
deferido em parte, apenas para reconhecer a alteração do sobrenome do
requerente, de forma a superar as dificuldades relativas à sua documentação
pessoal.
O outro caso se referia ao pedido de homologação da sentença
estrangeira que julgou procedente a adoção unilateral de duas pessoas maiores
de idade por um cidadão alemão, com extinção do vínculo consanguíneo com o pai
biológico. Ao contestar a homologação, o genitor dos adotandos apontou a
incompatibilidade da legislação brasileira com a alemã, pois esta impediria o
rompimento do vínculo nas adoções de pessoas maiores de idade.
O relator no STJ, ministro Raul Araújo, destacou que a lei
alemã, embora tenha como regra a manutenção do vínculo de parentesco entre o
adotado maior e a família biológica, admite a extinção desse vínculo desde que,
a pedido das partes, os efeitos da adoção sigam as regras da adoção de menores.
Como, no caso em análise, a autoridade judiciária alemã
consignou expressamente que a adoção fosse regida pelos efeitos da adoção de
menores, não haveria impedimento para que a sentença estrangeira fosse
homologada pelo STJ.
Os números dos processos não são divulgados em razão de
segredo judicial.
Fonte: STJ