Notícias
Repórter Diário - Reconhecimento de paternidade cai 14% no ABC; filhos relatam drama da falta do pai
O ABC teve queda de 13,86% no número de
reconhecimentos de paternidade neste ano, em relação aos primeiros sete meses
de 2022. Segundo dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de
Pessoas Naturais), foram aproximadamente 497 reconhecimentos até julho de 2023,
enquanto no mesmo período do ano passado 577 novos reconhecimentos de
paternidade foram contabilizados na região.
Frustração pela ausência do pai, sentimento de
rejeição e indignação e o constrangimento na infância estão entre os relatos de
jovens, ouvidos pelo RD, que sofreram com a falta da figura do
pai quando eram crianças.
Gabriel Ferreira é morador de Santo André e nunca
considerou a possibilidade de incluir o pai na sua certidão de nascimento.
“Minha mãe nunca fala sobre o meu pai, então nunca quis chatear ou incomodar
ela tocando no assunto. Para mim, costumava ser ruim não ter um pai presente
durante a infância e a adolescência, não gostava de comemorar o Dia dos Pais e
isso me deixava muito frustrado”, comenta.
Já para a advogada de São Bernardo, Bianca Souza
Gilberto, o reconhecimento de paternidade veio aos 10 anos de idade. “Quando eu
nasci, ele não quis reconhecer a paternidade. Meus pais casaram depois de três
meses que eu nasci e, no meio de muitos acontecimentos, se divorciaram. Ele
simplesmente sumiu. Mas comecei a ter problemas em matrículas de escola e
convênio e foi aí que a minha mãe acabou indo atrás para que ele me registrasse”,
diz Bianca.
Bianca afirma que sente o peso da decisão do pai
até hoje, com 23 anos. “É um sentimento de rejeição, indignação, de inúmeras
perguntas sem respostas que um ser humano jamais vai conseguir te responder.
Fora que não é apenas o registro, mas também o laço, o amor, a troca que um bom
pai tem com uma filha. Sabe aquela história que as memórias da primeira
infância nunca se apagam porque elas repercutem na vida adulta? Seja por
comportamentos ou pensamentos, ele gerou grandes traumas e inseguranças para
mim”, afirma Bianca.
Samanta Pugliesi, mestre em Psicóloga da Saúde e
professora de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo, afirma que ser
pai é muito mais do que um fator biológico, é uma formação de vínculo que vai
sendo construída a partir do afeto. Explica que quando na vida da criança
existe a figura paterna, mas ao mesmo tempo não existe, por ser apenas um nome
do registro ou uma figura que surge esporadicamente, pode despertar muitos
sentimentos conflituosos, como raiva, culpa, abandono e rejeição. “Tais
sentimentos podem impactar no desenvolvimento emocional e nas relações
afetivas”, ressalta.
São Bernardo foi melhor
São Bernardo foi a única cidade da região que
registrou aumento em 2023 em comparação a 2022, porque até julho deste ano 188
novas inclusões de paternidade em certidões de nascimento ocorreram enquanto
nos sete primeiros meses de 2022 foram 169.
Entre as outras cidades Rio Grande da Serra teve a
maior queda no reconhecimento em 2023 se comparada a 2022, já que apenas um
reconhecimento de paternidade foi feito até julho deste ano e, no mesmo período
de 2022 foram cinco, queda de 80%.
Em seguida está Mauá que registrou queda de 29,41%
no número de reconhecimentos de paternidade em 2023, foram 120 registros este ano
contra 170 em 2022. Diadema aparece em seguida com 24,4% menos registros de
reconhecimento de paternidade em 2023 (102) em comparação a 2022 (135).
Santo André teve 38 novos reconhecimentos de
paternidade de janeiro a julho de 2023, enquanto no mesmo período de 2022,
foram 47 novos reconhecimentos. Logo atrás São Caetano teve uma queda de 10,71%
no número de registros em 2023 em comparação com 2022. Ribeirão Pires é a única
cidade que não teve mudança no número de registros de paternidade nas certidões
de nascimento. Foram 23 reconhecimentos em cada ano.
Gustavo Renato Fiscarelli, presidente
da Arpen-Brasil, comenta que a sociedade mudou bastante e hoje existem
possibilidades diversas de configurações familiares, com questões de reprodução
assistida e inseminação artificial. “Mas por outro também agora existe uma
maior facilidade para que, nos casos concretos, o reconhecimento de paternidade
seja feito de forma rápida e simples em cartório, sem a necessidade de
procedimento judicial”, ressalta.
Como reconhecer a paternidade
O procedimento de reconhecimento de paternidade
pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil do Brasil
desde 2012, quando foi regulamentado pelo Provimento nº 16 do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ). Assim, não é mais necessária decisão judicial nos casos em
que todas as partes concordam com a resolução.
Nos casos em que a iniciativa seja do próprio pai,
basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do
filho, sendo necessária a anuência da mãe ou do próprio filho, caso este seja
maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a anuência da mãe. Caso o
pai não queira reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai
no próprio cartório, que comunicará aos órgãos competentes para que seja
iniciado o processo de investigação de paternidade.
Desde 2017 também é possível realizar em cartório o
reconhecimento de paternidade socioafetiva, aquele em que os pais criam uma
criança mediante uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que
haja a concordância da mãe e do pai biológico. Neste procedimento, caberá ao
registrador civil atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou
maternidade mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de
elementos concretos: inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão
de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar;
vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente
biológico; entre outros.
Fonte: Repórter Diário