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Requisito da publicidade pode ser afastado em união estável homoafetiva
É possível abrandar a
exigência de publicidade para a configuração da união estável homoafetiva,
desde que estejam presentes os demais elementos caracterizadores desse tipo de
relação, previstos no artigo 1.723 do Código Civil.
A partir dessa
fundamentação, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu,
por unanimidade, a união estável entre duas mulheres que conviveram por mais de
30 anos em uma cidade do interior de Goiás, mas mantinham uma relação
reservada.
Segundo o processo, as
mulheres moraram juntas até a morte de uma delas, em 2020. Ao longo desse
tempo, adquiriram bens, fizeram reformas na casa em que viviam, receberam
visitas de familiares, viajaram sozinhas ou acompanhadas de amigos e
frequentaram eventos sociais.
O juízo de primeiro grau,
embora tenha reconhecido a convivência e a comunhão de interesses entre elas,
considerou a união estável não configurada, pois a publicidade da relação —
requisito essencial — não ficou demonstrada no processo. Essa posição foi reformada
pelo Tribunal
de Justiça de Goiás, para o qual era possível
relativizar a exigência de publicidade, uma vez que havia elementos suficientes
para comprovar a união homoafetiva.
Em recurso ao STJ, irmãos
e sobrinhos da falecida, seus herdeiros, alegaram que a publicidade era
indispensável para caracterizar a união estável, mas esse argumento foi
afastado pela ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso. Para ela, no caso
das relações homoafetivas, o requisito deve ser interpretado à luz dos
princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da liberdade
individual, garantindo-se a proteção da vida sexual e da intimidade.
Publicidade pode ser
relativa
“Negar o reconhecimento
de união estável homoafetiva em razão da ausência da publicidade do
relacionamento, quando evidente a convivência contínua e duradora, como uma
verdadeira família, seria invisibilizar uma camada da sociedade já
estigmatizada, que muitas vezes recorre à discrição como forma de
sobrevivência”, destacou Nancy.
A relatora explicou que a
constituição da união estável depende muito mais do ânimo de constituir família
do que do conhecimento da relação pela sociedade em geral. Com isso, a
publicidade não pode ser exigida como “excessiva e desmedida exposição social”,
considerando-se que os conviventes não são obrigados a expor sua vida em
público e têm direito à privacidade.
No caso da união estável
homoafetiva, a ministra ressaltou que é ainda mais difícil identificar o
requisito, pois é comum que essas relações sejam omitidas de familiares, por
receio de julgamentos ou represálias. Por esse motivo, prosseguiu ela, ações dessa
natureza devem ser julgadas a partir da perspectiva histórico-cultural do meio
em que o casal vive, reconhecendo-se a publicidade possível no ambiente social
restrito em que a relação se desenvolveu.
“No recurso sob
julgamento, a comunhão de vida e de interesses das conviventes restou
comprovada desde a origem. Assim, considerando se tratar de união estável
havida entre duas mulheres, oriundas de cidade do interior de Goiás, por mais
de 30 anos, o requisito da publicidade deve ser relativizado, em razão das
circunstâncias da época e do meio social em que viviam”, concluiu Nancy
Andrighi ao negar provimento ao recurso especial. Com informações da
assessoria de imprensa do STJ.
Fonte: Conjur