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20 de Abril de 2023

SABOTAGE: 50 anos de história

Arpen/SP conversa com a filha do rapper, e com o último repórter que entrevistou Sabotage, e traça a história do cantor, compositor e ator paulista.

Poucos sabem quem foi Mauro Mateus dos Santos. Mas é difícil encontrar um brasileiro que não conheça Sabotage. Um dos maiores rappers brasileiros, o cantor, conhecido por seu penteado arrepiado e suas letras com críticas sociais, marcou a história do País, deixando um legado aos jovens, que até hoje se interessam por sua vida, seu estilo e, principalmente, por suas composições poéticas.

Nascido na cidade de São Paulo em 3 de abril de 1973, filho de Júlio Alves dos Santos e Ivonete Mateus de Melo, Mauro foi criado na Favela do Canão, comunidade já extinta que se localizava na zona sul da capital paulista, no bairro do Brooklin. O menino, assim como tantas crianças brasileiras, foi criado sozinho pela mãe, junto de seus dois irmãos. Em decorrência da vida precária, Sabotage entrou para o tráfico ainda na infância, afim de ajudar financeiramente em casa.


Ensaio fotográfico feito em sua última entrevista, concedida ao jornalista Xico Sá. | Foto: Marcio Simch/Revista Trip

Por praticar pequenos delitos, Mauro Mateus esteve por alguns anos na Febem, a Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, motivo que o levou a ganhar o apelido de Sabotage, este concedido por seu irmão Deda, a quem dizia “fazer muita sabotagem”. Assim como tantos rapazes moradores de favelas brasileiras, Mauro vivenciou a criminalidade e a morte desde pequeno, perdendo seu irmão assassinado com 13 tiros, pouco depois ter sido posto em liberdade.

Mas seguindo seu sonho, deixou o mundo do crime para se dedicar à música. Em entrevistas concedidas, Sabotage sempre enfatizou sua paixão por compor letras, e ao contrário do que muitos pensam, não era apenas fã de gêneros musicais como rap e hip hop. Mauro Mateus adorava ouvir Noel Rosa, Pixinguinha e Chico Buarque, tendo a música “O Meu Guri”, deste último, como uma de suas favoritas, pois, segundo o mesmo, lembrava sua própria história de vida.

Com letras impactantes, citando vivências próprias, como a desigualdade social, a fome e a pobreza, Sabotage passou a ser presença marcada nos shows de rap que frequentava. Em pouco tempo virou amigo do cantor e produtor paulista Rappin' Hood, a quem lhe apresentou grandes nomes da música urbana da época, como Mano Brow, dos Racionais MC’s e Sandrão e Negra Li, integrantes do grupo RZO.

Todos viam naquele rapaz alto, de pele preta retinta e com uma potente voz, um brilhante futuro no rap nacional. E em 2000, Sabotage lançava seu primeiro álbum de estúdio, e único divulgado em vida, o “Rap é Compromisso!”, com onze faixas, que durou oito meses para ser produzido e vendeu mais de 1,7 milhão de cópias. Sendo considerado um dos mais importantes álbuns da história do rap brasileiro.

Mesmo tendo em suas letras temas fortes e de resistência, todas elas têm como assunto principal o amor e o respeito. De acordo com Tamires Rocha, filha de Sabotage, o músico “tinha pensamento positivo para tudo, todas as situações. Ele sempre trazia palavras de motivação, de incentivo, de luta e de força”. Seguindo os passos do pai, Tamires também é cantora e compositora de rap, além de atuar em programas sociais voltados às crianças e adolescentes.


Tamires Rocha seguiu os passos do pai, também é compositora e cantora de rap. | Foto: Reprodução/Instagram

Para Tamires, é difícil diferenciar seu pai do cantor de rap. “Não consigo ver ele como o Sabotage. Eu só consigo vê-lo como meu pai, o Mauro Mateus”, explica. “Eu cresci com vários cadernos dentro de casa em que ele escrevia as letras, ouvindo várias músicas e assistindo clipes, ele misturava muito a vida dentro de casa com o trabalho de cantor.”

Breve carreira

No auge de sua carreira, próximo de completar 30 anos, na manhã de 24 de janeiro de 2003, Mauro Mateus foi assassinado com quatro tiros na Avenida Professor Abrão de Morais, no bairro da Saúde, pouco depois de ter deixado a esposa no ponto de ônibus. Sabotage chegou a ser socorrido e levado ao hospital, onde acabou falecendo pouco depois. Os filhos, Wanderson, que tinha há pouco completado 10 anos, e Tamires, com 8, ficaram sabendo da morte do pai pela televisão.

A morte do cantor foi amplamente divulgada pela mídia, diversos famosos e cantores do rap estiveram presente em seu velório. E todos pediam a mesma coisa: Justiça. Mauro estava longe do crime e do tráfico há anos, levando uma vida honesta e conseguindo se manter apenas com os shows e com a venda do álbum. 

Muito se questionou o motivo do assassinato. Alguns diziam que foi um desafeto que havia deixado a cadeia há pouco. Outros, que foi por inveja. Sete anos após o assassinato, em 2010, Sirlei Menezes da Silva, autor dos disparos, foi acusado e condenado a 14 anos de prisão.

Mauro Mateus tinha apenas 29 anos de idade, com um longo futuro artístico pela frente, mas mesmo assim seu legado foi mantido por seus fãs e amigos cantores. Muitas foram as homenagens prestadas a Sabotage, algumas de suas letras foram regravadas por outros rappers, e até um documentário foi produzido contando sua história, com a participação de diversos cantores e integrantes da área musical: Sabotage: Maestro do Canão (2015), dirigido por Ivan 13P e Paulo Miklos.

Uma figura já conhecida no meio audiovisual brasileiro, Sabotage participou de dois longas-metragens nacionais, e havia sido convidado para outros, antes de morrer. O Invasor (2001), de Beto Brant, e Carandiru: O Filme (2003), de Héctor Babenco, contaram com a participação de Mauro, que além de personagem, também atuou na produção. Segundo entrevistas, Sabotage dava dicas aos diretores de como melhor descrever a realidade, vivida pelo cantor.


A emblemática cena de Sabotage com Rita Cadillac, em Carandiru: O Filme (2003). | Foto: Reprodução

Em Carandiru, Sabotage interpretou Fuinha, um dos presos da instituição, que marcou o longa com a cena icônica da apresentação da cantora Rita Cadillac, além de ter atuado como consultor técnico, pois já havia frequentado a prisão paulista, ao visitar seu irmão Deda enquanto o mesmo esteve preso no local.

O repórter Xico Sá, que em 2003 atuava como freelancer da revista Trip, junto de Cássio Brandão, foi um dos últimos repórteres a entrevistar Sabotage. Na edição de março de 2003 da revista, dois meses após sua morte, o assassinato do rapper paulista foi destaque de capa. Em uma longa entrevista concedida antes de sua morte, com uma linguagem informal e cheia de gírias, Mauro Mateus falou sobre diversos assuntos. Contou a origem de seu apelido, sua infância na favela, a importância da música em sua vida, e fez críticas ao rap e ao cinema nacional.

A entrevista, realizada no fim de 2002, não tinha um objetivo único. Segundo Xico Sá, “Sabotage era, digamos assim, uma personalidade que resultava em muitas notícias diariamente”, o que tornava qualquer comentário realizado pelo cantor algo digno de publicação. “No julgamento da revista, qualquer depoimento dele era importante, tanto que ele fala de vários temas, de toda sua trajetória, seu currículo de vida, o que ele viveu antes da música, e depois da música e as mudanças na vida dele.”

“Mas era um personagem obrigatório para uma revista como a Trip, ele havia feito filmes, estava no auge da carreira artística. Era um personagem que sempre chamava atenção, e o público queria saber o que se passava com ele”, explicou Xico Sá.


A capa da revista Trip de março de 2003. | Foto: Trip

Já um personagem conhecido do repórter, a última entrevista concedida por Sabotage não foi a primeira de Xico Sá, que já havia conversado com o cantor em outras ocasiões. “Era um personagem habituado da própria revista Trip, já tinha uma longa história de encontros.” 

Mas em todas elas, Xico enfatiza que era “fundamental ressaltar sua trajetória, de um cara habitante de comunidade, muito pobre, muito carente em termos materiais, que tinha o destino de todos aqueles garotos que viviam lá e que acabou tendo uma grande reviravolta na vida, virando um artista reconhecido, não só da música, mas também do cinema”.

“Essa grande virada que ele conseguiu fazer na vida também influenciou muitos garotos de outras comunidades do Brasil”, comentou o repórter. “Eu acho que esses artistas do rap tem muito isso em comum, eles acabam promovendo uma mudança na vida de muita gente a partir de suas experiências, a partir das transformações nas vidas deles próprios. Eles acabam multiplicando essas atitudes, fazendo com que outros garotos com a mesma origem, com a mesma dificuldade, também promovam mudanças em suas vidas.”

Legado

Desde seu falecimento, muitos álbuns e singles foram lançados com músicas e letras que Sabotage havia produzido em vida. E até hoje, 20 anos após sua morte, o cantor ainda é um dos rappers nacionais mais ouvidos no País, com mais de 1 milhão de ouvintes mensais na plataforma Spotify.

“Faz 20 anos sem ele e ainda há muitos fãs. Meninos de 15, 16, 12 anos, que conhecem Sabotage através dos pais e dos tios”, disse Tamires. “E tem revolucionado a vida deles. As músicas do meu pai têm ajudado muitas pessoas na recuperação, a largarem as drogas e a viverem com a família de uma maneira correta e feliz.”


Ensaio fotográfico feito em sua última entrevista. Na imagem, Sabotage segura o microfone como uma arma. | Foto: Marcio Simch/Revista Trip

Para Xico Sá, “a morte dele foi um impacto muito grande, inclusive pela perda que o país teve na questão artística. Ele estava no auge de uma história musical, fazendo cada vez mais parcerias com artistas, era uma hora de visibilidade total”.

“Acho que era um cara que ia compor muitos discos importantes, que teria uma longa trajetória pela frente”, disse. “Ele estava completamente em outro universo, não devia nada a ninguém, nem à sociedade, nem à lei ou à polícia, mas acontece essa morte violenta com ele, como tantas que ele viu na comunidade dele e em São Paulo, no geral”, lamentou Xico Sá. “Ele também acabou sendo vítima de uma história de violência.”

Clique aqui e confira a certidão de nascimento de Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/SP

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