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TJPA reconhece filiação socioafetiva do padrasto após morte da mãe sem excluir paternidade biológica
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará – TJPA reconheceu a
filiação socioafetiva de uma criança de sete anos e seu padrasto após a morte
da genitora. Foi determinada a retificação do registro de nascimento da menina
para incluir o nome do pai socioafetivo, sem prejuízo da paternidade biológica,
além da guarda compartilhada com o lar de referência fixado na residência do
pai socioafetivo, e regulamentação do direito de visitas do pai biológico.
Ao ajuizar a ação declaratória de paternidade socioafetiva,
que tramitou na 2º Vara Cível da Comarca de Parauapebas, o autor alegou ter
exercido papel fundamental na criação e sustento da menina.
Conforme consta nos autos, o casal manteve união estável não
declarada por mais de sete anos. Quando a mulher morreu, o padrasto acionou a
Justiça em busca da guarda da criança, tendo em vista os sólidos vínculos
afetivos e o fato de que o pai biológico, morador de outra cidade, mantinha
contato esporádico com a filha.
O pai biológico manifestou interesse em levar a criança para
morar com ele em uma cidade a 700 km de distância do pai socioafetivo, motivo
pelo qual foi solicitada uma liminar pela guarda provisória.
Segundo o advogado Rai Leorne, que atuou no caso, a Justiça
do Pará valorizou o vínculo socioafetivo como elemento central na formação da
relação parental. “O juízo ressaltou que a concepção de família evoluiu para
além dos limites biológicos, incorporando os laços afetivos como critério
determinante.”
Para ele, o caso representa um avanço significativo no
reconhecimento dos novos arranjos familiares e na proteção dos vínculos
socioafetivos, especialmente em situações delicadas como o falecimento de um
dos genitores. “O caso reforça a possibilidade de multiparentalidade e a
importância do afeto como fundamento das relações familiares, alinhando-se aos
princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade entre os filhos.”
União
Na sentença, foram considerados princípios constitucionais,
como a não discriminação entre filhos (art. 227, § 6º da Constituição Federal
de 1988), bem como dispositivos do Código Civil.
Rai Leorne pondera que o casal não possuía união estável
formalmente reconhecida, o que poderia ter fragilizado o pedido, mas, ao
analisar o conjunto probatório, “o juízo identificou um convívio duradouro e
aplicou o entendimento do STF no RE 898060 para declarar a filiação
concomitante”.
Na visão dele, a conclusão do caso “representa um grande
avanço ao permitir a análise conjunta de normas que, embora não disponham
explicitamente sobre o tema, foram interpretadas sob uma perspectiva humanizada
e inclusiva”.
Socioafetividade
Rai Leorne lembra que um dos maiores desafios foi a produção
de provas. O vínculo socioafetivo, segundo ele, foi demonstrado por meio de
declarações de parentes, fotos da criança com o pai socioafetivo e registros do
convívio familiar, além de áudios nos quais a criança se referia ao homem como
"pai", entre outras evidências.
Nesse sentido, ele enfatiza a importância da capacitação
profissional e da sensibilidade para a condução do processo. “O advogado deve
possuir habilidade para requisitar as provas corretas e conduzir a demanda de
maneira humanizada, considerando que vidas e relações afetivas estão em jogo.”
Para Rai, a decisão também reforça a necessidade de que o
Direito acompanhe as transformações sociais. “O Brasil, sendo um país de grande
diversidade cultural e religiosa, enfrenta desafios significativos na
regularização dos vínculos socioafetivos. No entanto, já contamos com
doutrinadores e estudos jurídicos e sociológicos que oferecem subsídios para a
construção de uma jurisprudência mais inclusiva.”
“O Poder Legislativo, devido ao pragmatismo e ao
conservadorismo, não tem sido um aliado expressivo nesse processo. No entanto,
cabe a nós, operadores do Direito, dar voz a essas famílias e utilizar os
instrumentos jurídicos disponíveis para embasar nossas teses e lutar pela
efetiva proteção de seus direitos”, conclui o advogado.
Fonte: IBDFAM