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Três anos da LGPD: especialistas avaliam avanços e desafios
Em vigor
desde setembro de 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (13.709/2018)
aqueceu o debate sobre o tratamento de dados pessoais ou sensíveis por
parte de empresas e instituições, com impactos claros para os operadores de
Direito. A norma completa 3 anos de vigência e 5 anos de sanção e publicação na
próxima segunda-feira (14).
Entre as
principais diretrizes, a LGPD estabelece padrões para o tratamento de dados
pessoais ou sensíveis: deve ser limitado ao que foi informado ao titular no
momento do consentimento e alinhado às bases legais; só é permitido com o
consentimento expresso; o dono dos dados também pode solicitar a eliminação, a
revogação do consentimento e o acesso a essas informações.
Segundo
Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão Nacional de Tecnologia do
Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a proteção de dados
é um direito fundamental, expresso na Constituição da República em seu art. 5º,
LXXIX – que tem entre seus fundamentos os direitos humanos, o livre
desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania. “A
proteção de dados é a proteção da privacidade, um dos elementos
principiológicos mais contundentes no âmbito familiar”.
“No mundo da
alta conectividade, os dados pessoais circulam o tempo todo entre os diversos
sistemas e aplicativos, tornando imprescindível uma proteção especial e
efetiva. Prover segurança sobre as informações pessoais é uma obrigação
determinada na Lei 13.709/2018, a LGPD, com previsão de punições
administrativas severas – e sem excluir as punições do âmbito judicial”,
observa a especialista.
Patrícia explica que a LGPD concede o controle dos dados pessoais a seus titulares, protegendo-os do uso indevido ou não autorizado, instituindo diversos direitos e determinando obrigações aos profissionais que realizam tratamento de dados pessoais.
Contudo, o implemento da norma, segundo ela, vem acontecendo lentamente. “Apesar de vigente desde 2020, apenas em fevereiro deste ano de 2023 foi publicado o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, com a primeira multa aplicada em julho de 2023 – ou seja, 3 anos após o início da vigência e 5 anos após ser sancionada e publicada.”
Capacitação
Patrícia
Sanches afirma que o Direito das Famílias lida, em muitos casos, com dados
sensíveis – informações que podem expor o titular, pois revelam elementos da
personalidade ou condição humana e podem ocasionar discriminação, como a raça,
origem, crença, biometria, informações de saúde e da vida sexual, por exemplo.
“Em março de
2023, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD divulgou Nota Técnica
posicionando-se pela não incidência da LGPD sobre os dados de pessoas
falecidas, ou seja, os dados pessoais deixam de ter a proteção da lei especial
no advento da morte – o que, particularmente, discordo, uma vez que a proteção
dos dados pessoais é um direito fundamental e que precisa ser mantida mesmo
depois da morte”, comenta a advogada.
Ela entende
que, não obstante o posicionamento da ANPD, os dados pessoais dos herdeiros,
advogados e demais personagens contidos nos procedimentos sucessórios devem
estar protegidos à luz da Lei Geral de Proteção de Dados.
A
especialista garante que a capacitação do profissional do Direito é
imprescindível nesse processo de efetivação da proteção das informações
pessoais e, consequentemente, da privacidade, “para a garantia de uma sociedade
mais justa, principalmente no advento da tecnologia”.
Efetividade
Patrícia
considera a autorização parental para a utilização de dados de crianças e
adolescentes um avanço incontestável proporcionado pela norma. Outra importante
contribuição da LGPD citada por ela é a cultura dos dados sensíveis, “trazendo
uma maior compreensão para as entidades familiares sobre as vulnerabilidades da
própria privacidade, e trouxe à tona a inclusão digital como um direito
fundamental nos dias atuais”.
De acordo
com a advogada, quanto mais efetiva for a aplicação da LGPD, mais proteção a
sociedade, como um todo, terá. “O vazamento de dados pessoais ou sua
transferência não autorizada pode gerar danos de ordem diversa sobre as entidades
familiares.”
“As
informações bancárias podem ser utilizadas para negar um empréstimo, o crédito
ou um financiamento importante para a organização de determinada família. Outro
exemplo é o vazamento de dados pessoais que pode acarretar no insucesso por uma
vaga de emprego, ao revelar aspectos sensíveis como a opinião política ou a
religião do candidato”, menciona.
A diretora
nacional do IBDFAM complementa: “fotos e vídeos que podem identificar pessoas
também são dados pessoais e, infelizmente, diariamente, famílias inteiras são
vitimadas por golpes com uso indevido da imagem, como resultado de vazamentos
de dados advindos de empresas de aplicação da internet. São inúmeros os
exemplos que abalam a organização familiar”.
Proteção
de dados
Vice-presidente
da Comissão Nacional de Familia e Tecnologia do IBDFAM, o advogado Marcos
Ehrhardt Júnior acredita que a LGPD é uma conquista a ser celebrada,
especialmente em um contexto no qual a sociedade vivencia um modelo econômico
baseado na exploração de dados pessoais, “que necessita de regras claras para
os agentes de tratamento de dados, com limites e responsabilidades neste tipo
de atuação”.
Segundo o
advogado, a norma densifica o direito fundamental à proteção de dados pessoais
e consagra instrumentos de auxílio ao exercício da autodeterminação
informativa, em especial na proteção do direito à identidade pessoal. “Através
dela, muitas pessoas se conscientizaram sobre a importância de proteger
informações e também sobre os instrumentos jurídicos para oposição em casos de
abuso.”
“Ao
estabelecer requisitos autorizadores para operações de tratamentos de dados,
tais como a demonstração da necessidade, adequação e finalidade desta
atividade, determinando que durante todo o ciclo de tratamento de dados
(coleta, armazenamento e descarte) seus princípios sejam observados, a LGPD
inaugurou uma nova fase no campo da tutela dos direitos existenciais,
especialmente no ambiente digital”, lembra o especialista.
Ele
exemplifica: “No âmbito das relações familiares e sucessórias, por exemplo,
dados relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião
política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético
ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural, são considerados, pela
possibilidade de manipulação para fins discriminatórios, informações sensíveis,
que justificam um maior grau de proteção.”
Dados
pessoais
De acordo
com Marcos, a proteção conferida pela LGPD alcança as crianças e adolescentes,
cujo tratamento de dados pessoais deverá ser realizado em seu melhor interesse,
exigindo-se o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos
pais ou pelo responsável legal. Ele reconhece, porém, a necessidade de avanços
no campo da proteção de dados pessoais.
Ehrhardt
Júnior alerta para os desafios regulatórios da “Internet das coisas” (em inglês
Internet of Things – IOT). Entre eles, o monitoramento da rotina e vida
íntima por uma rede de dispositivos inteligentes conectados à internet.
“Relógios
controlam a qualidade de seu sono, o modo e a frequência como você se exercita;
assistentes pessoais, como a Siri ou Alexa, armazenam desde a sua própria voz
(dado biométrico) até suas preferências de compras, gosto musical, entre tantos
outros aspectos de sua vida; até o aparentemente inocente aparelho de aspirador
de pó ‘inteligente’ armazena informações acerca do tamanho do seu imóvel –
alguns chegam a registrar imagens que podem expor a intimidade dos habitantes
da casa, além de permitirem conhecer, entre outros aspectos, o padrão
financeiro da família”, aponta.
Comemorar o
aniversário da LGPD, para o advogado, “é uma ótima oportunidade de nos lembrar
da importância dos dados no mundo de hoje e tentar apr ender um pouco mais sobre os mecanismos para proteção contra o
tratamento abusivo de informações pessoais”.
Fonte: IBDFAM